O Brasil é rico em diversidade de alimentos, não restam dúvidas do que aqui plantando germinará, ainda mais se for para o gasto, ou seja, a subsistência, para colocar no prato da família. Também é verdade que um cuidado dispensado com as plantas, elas florescem e produzem melhor, assim como os animais que engordam com os olhos do dono, é o dito popular. Fomos comprovar essa verdade falando dois mineiros que tem o hábito de plantar seu próprio alimento e escolheram o bairro dos Pires para cultivar e morar, a coincidência é que plantando Minas Gerais não sai do mineiro, uai. 

A horta na chácara do Osvaldo Luis dos Santos

Na manhã ensolarada no final de setembro, porém, aquelas nuvens de chuva rondando o céu do bairro, paramos na frente da casa de Osvaldo Luis dos Santos e logo fomos conversando com seu vizinho Jurandir Nunes Barbosa. Ele nos contou  que morava em Guarulhos (SP) e veio passear na casa de seu irmão pra conhecer Limeira (SP). Acabou ficando, desde 2003, pois, arrumou emprego em uma metalúrgica que está empregado até hoje. Adquiriu uma chácara porque queria espaço e poder criar e cultivar, ele conta, “eu sou mineiro, nasci e cresci no sítio, na cidade de Ouro Verde de Minas (MG). É difícil desgarrar, eu gosto de plantar e de criar meus bichinhos, na chácara tem espaço. Saí do sítio com 18 anos, direto pra São Miguel Paulista (SP), pra trabalhar na indústria. Vim pra Limeira em 2003 e, depois de um acidente de trabalho em 2014, mudei de vez pra chácara e minha casa na cidade está fechada. Gosto de plantar e colher meu próprio alimento, dentro do possível, porque o espaço é pequeno, mesmo assim eu tenho alface, cebolinha, salsinha, erva cidreira, repolho, couve, espinafre, pimenta, tomate, moranga, berinjela, romã, limão, uva, pitaia, jabuticaba, pitanga, babosa, rubi e alecrim. Tenho ovos caipira e tenho meu frango, ganso, peru e perua. O mais difícil pra mim na horta é a rúcula que tenho um cuidado dobrado, ela dá muita praga, lagarta, lesma, é complicado mas, volta e meia eu planto porque quero natural, não quero nada com agrotóxico. Acho também, que quem mexe com horta não tem depressão, certeza que não tem. Meu espaço tem uns cinquenta metros quadrados, lugar onde eu fico na parte da manhã e um pouco no final da tarde, é muito bom. Não tem estresse mexendo com horta, sem contar que vale a pena que é uma coisa natural, você sabe a procedência da água, o esterco que está usando e você vai comer o que plantou. Só a economia de não ir no mercado comprar um cheiro verde, já vale. O que sobra eu dou para as galinhas e faz o ciclo. Às vezes dou para os vizinhos, veio um amigo de Campinas (SP), tirei uma verdura para ele levar, é um prazer”, contou Jurandir

Jurandir Nunes Barbosa tem cultivo caseiro diversificado, até uva já tem cachos

Guiricema, em Minas Gerais, é a terra natal do Osvaldo Luis dos Santos, entretanto, aos oito anos de idade sua família mudou-se para trabalhar na Fazenda São João, de propriedade de Silvio Petto, em Limeira. Em meio as lavouras de algodão e laranja Osvaldo passou sua infância e adolescência na fazenda São João. Também já morou na Pedreira Limeirense, atual horto de Limeira, depois a família seguiu para o bairro do Tatu para trabalhar nas terras da família de Mário Spagnol. 

As pitaias convivem com os pés de café na casa do mineiro Osvaldo

“Era corte de cana, apanhar e carpir pomar de laranja, essa vida. Quando eu tinha 17 anos comecei a trabalhar com um japonês chamado Salu, lá em Tatu. Oh! Saudades !! Era tomate, moranga, berinjela, jiló, repolho. Japonês gostava de mexer com isso. Depois trabalhei 15 anos na usina, no corte de cana. O cara tem que ter sangue na veia porque é doido. Quatro da manhã já tá com o pé no eito, o tempo que for. De tanto brigar, porque o caminhão tava machucando um tanto de gente, tava perigoso, o transporte passou a ser ônibus, porque a Usina exigiu. Era sofrido ir no caminhão, junto com quarenta, cinquenta pessoas. Era uma escravidão, levantava de madrugada e às vezes nem dormia, não tinha tempo de curtir a vida, o corpo doía, não podia reclamar. Não faltava serviço, hoje em dia está faltando serviço demais”, recorda. 

Quando estava com vinte e três anos, contou que a família conseguiu comprar um terreno, no bairro Novo Horizonte. “A família era seis irmão, mais o pai e a mãe. Levantamos nossa primeira casa e ela caiu. Naquele tempo chovia muito, ventava muito. O chão de terra batida, mas era nossa! Gostoso demais construir, era muito bom, nossa senhora! É o meu suor que está aqui dentro, é o meu sal que está derramando aqui dentro. Meu pai morreu novo demais, com 54 anos, a única vez que foi ao médico, não voltou mais. Hoje, estou com 59, estou vivo por causa da terra, pra quem sabe cuidar e zelar ela é uma vitamina. Quando piso descalso na terra, tenho aquele choque térmico no corpo, dá aquela vontade de plantar, dê o que der, vou tirar alguma coisa pra comer, sem pagar nada pra ninguém, sem agrotóxico, sem produto químico. Essa vida é boa demais, alimenta o espírito, não tem depressão, não tem tempo ruim, depois a mulher quer brigar e não tem como, porque estou calmo. Pra mim plantar é um passatempo. O meu trabalho é outro”, descreve Osvaldo.

Jurandir com a mão na massa; “quem mexe com horta não tem depressão”

Bairro dos Pires 

“A minha história com os Pires começou quando peguei uma leve aposentadoria depois que a (indústria cerâmica) Batistela explodiu. Eu trabalhava lá, fazia parte da segurança, já tinha ido pra casa e quando ouvi os estrondos, dentro de três minutos já estava de volta. Ajudei a socorrer o pessoal, levei choque térmico, em 2000, fui afastado. Em 2003, eles me aposentaram e em 2018, cortaram minha aposentadoria. Continuei trabalhando com jardinagem e um pouco de cada coisa. Foi em 2003 que eu comprei a chácara, mas faz onze anos que estou morando aqui”. 

“Escolhi o bairro dos Pires porque eu não gosto de cidade, eu gosto do mato. Inclusive, eu tinha feito um joguinho, tinha pego um dinheirinho, mais a aposentadoria. Eu vi um carro bonito, um gol quadrado, banco de couro, pedi pra segurar sem compromisso até a segunda-feira. Chegando em casa, minha mãe pediu pra ir buscar pão na padaria do seu Jorge, no Novo Horizonte. Aí, vi o cartaz da venda dessa chácara de 1300 metros e corri no meu irmão mais velho, meu pai já tinha ido, e falei, ‘Zé vamos ver uma chácara comigo? ‘Bora’. Chegamos aqui era cerca de arame em volta, tinha só braquiária, colonião, mandioca branca e batata-doce. Pensei comigo, vai ser aqui mesmo. Se não me engano paguei doze e meio (R$12.500,00). Juntei os cunhados e preguemos o ‘reio’, em dois dias limpamos tudo e acertamos a terra para fazer a casa, tudo no enxadão. Até 2004, a casa já estava coberta, tive ajuda do meu irmão José Geraldo dos Santos (já falecido), me ajudou pra caramba, respeitava ele como pai. Casa pronta já posso cair pra dentro”, falou.

Café colhido e descascado junto com as sementes de feijão de corda rajado, feijão de corda, semente de quiabo de chifre veado, caxi, feijão de corda branco e fava

Encontramos Osvaldo plantando umas ramas de mandioca no terreno em frete a sua chácara, ele explicou que ali usa com permissão do dono que é da cidade de São Paulo. Nesse local já teve roça de milho e depois de mandioca, atualmente ele diversifica com feijão de corda, feijão andu, cana-de-açúcar, algodão gigante, mandioca, banana, pitaia, manga, abacate, fruta do conde, preservando o local, há cinco anos, para não virar um matagal e encher da infestação de bichos. “Quem chegar aqui com dinheiro ou sem dinheiro leva o que quiser, eu planto porque gosto e não deixo perder. Hoje mesmo arranquei um pouco de mandioca e já distribui para os vizinhos, se tiver cozinhando beleza, se não tiver eu não sou Deus para adivinhar. Eu penso assim, está lá, é para comer. Já tirei um bom dinheiro daí, quiabo mesmo eu levo lá venda na da estrada”, comentou. 

Osvaldo nos levou conhecer o interior de sua chácara, nos mostrou sementes de caxi, fava e outros feijões que ele costuma plantar, “comer vários tipos de feijão vem de antigamente, lá no sítio em Minas, tinha guardado na tuia feijão carioquinha, feijão jaula, feijão preto, cada um mais gostoso que o outro. Não comia muito alface, era mais abóbora, quiabo, caxi, batata e jiló”, descreveu. Na horta caseira ele planta açafrão, guaco, melissa, levante, funcho, poejo, salsinha, cebolinha, coentro, couve, taioba, inhame, jiló, vários tipos de alface e como um bom mineiro tem uns pezinhos de café que cuida com maior xodó e ainda, duas oliveiras, dizendo que num espaço pequeno dá para plantar bastante coisas. “A pessoa que sabe lidar  com a lavoura, até em cima da pedra pode plantar. Eu tenho isso comigo, qualquer lugar você planta, coisa simples. Quer uma cebolinha de cheiro pra colocar na carne moída, coloca um pouco de terra num caixote de madeira, num buraco de lajota. A planta é que nem mulher, gosta de carinho. Espaço nunca foi problema e nunca será pra quem quer plantar e pra quem gosta”.

Na criação de aves tem perua com pintinhos, separados para um melhor cuidado do Jurandir

A última pergunta, plantar os seus alimentos mantém Minas Gerais viva dentro do mineiro? “Ah! Mantém. Estando aqui cuidando das plantas é a mesma coisa que estar em Minas”, concluiu Osvaldo.

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