O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Secretaria de Política Agrícola, Departamento de Análise Econômica e Políticas Públicas; apresentou Nota Técnica 42, dirigido ao Senhor Ministro de Estado da Saúde com solicitação de revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira, no mês de maio. A Nota Técnica questiona a discriminação de alimentos pelo tipo de processamento como uma incoerência. E também critica sobre a declaração do Guia que sugere a diminuição da demanda por alimentos de origem animal. 

Entrevistamos a distância, Maria Rita de Cássia Contin Castro, nutricionista e professora no ETEC Trajano Camargo – atualmente orientadora educacional – pós-graduada em saúde pública, mestre em Ciências e Tecnologia dos Alimentos; doutorado incompleto em Microbiologia, presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Limeira – COMSEA. 

Maria Rita de Cássia Contin Castro, nutricionista e professora

Maria Rita afirma que a Ministra da Agricultura Tereza Cristina Dias está tentando boicotar o Guia Alimentar Brasileiro devido a classificação que o Guia traz de alimentos in natura, minimamente processados e ultraprocessados; “uma guerra grande com a indústria alimentícia. Eu não sou contra a indústria alimentícia não, de maneira nenhuma mas, a população tem que ser educada. A população tem que aprender quais são os alimentos que são importantes para o desenvolvimento tanto intelectual e físico. O que precisaria é uma informação maior, melhor, da população em relação ao Guia Alimentar e não boicotar o Guia Alimentar porque ele está falando mal dos alimentos ultraprocessados. Não é bem assim. Tem que ter educação alimentar para a população saber escolher os alimentos que são mais adequados ao desenvolvimento. A população não tem acesso ao Guia Alimentar porque se você vai no médico, na nutricionista, se você tem acesso ao Guia Alimentar, o profissional orienta você sobre o Guia Alimentar”, ela abordou na entrevista realizada. Leia a seguir os esclarecimentos; 

Jornal Pires Rural: Peço a Sra. um comentário a respeito do impacto da pandemia da Covid-19 nos trabalhos do Conselho Municipal de Segurança Alimentar. 

Maria Rita: Nós estávamos parados devido a uma portaria do prefeito Mário Botion que suspendeu os trabalhos dos Conselhos Municipais. Nós vamos voltar no dia 28 de setembro, on-line e vamos ver o que a gente consegue fazer. Toda a nossa estrutura de trabalho vai ser remodelada, em relação à segurança alimentar. 

Jornal Pires Rural: A Sra. acompanhou a revisão da 2ª edição do Guia Alimentar para a População Brasileira, em 2014? De que forma a população tem acesso ao Guia? Pode comentar os avanços da 2ª edição, por gentileza.

Maria Rita: A segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira é muito importante para a população brasileira e internacional também. Porque o nosso Guia Alimentar, serve de subsídios para a população internacional. Então, é muito importante a elaboração desse Guia. O que acontece? Eu acredito que trouxe avanços, e tudo que venha pra orientar a população vem somar; apesar de que está tendo uma guerra aí, entre a indústria alimentícia e os profissionais da saúde.  

Jornal Pires Rural: O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Secretaria de Política Agrícola, Departamento de Análise Econômica e Políticas Públicas; apresentou Nota Técnica 42, dirigido ao Senhor Ministro de Estado da Saúde com solicitação de revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira. A Nota Técnica questiona a discriminação de alimentos pelo tipo de processamento como uma incoerência. E também critica sobre a declaração do Guia que sugere  a diminuição da demanda por alimentos de origem animal. Como a Sra. recebeu a notícia?  

Maria Rita: Antigamente, quem orientava a população em relação a como ter uma alimentação segura era a Pirâmide Alimentar, muito bem elaborada pela professora Sônia Tucunduva, da Unicamp. Acharam que o Guia Alimentar seria melhor que a Pirâmide Alimentar. Então, a Pirâmide Alimentar ficou em desuso e o Guia Alimentar está valendo. O Guia Alimentar traz uma característica, uma classificação diferente dos alimentos por processamento e não é incoerente. É real. Agora, o que precisaria é orientar a população se ela optar por alimentos industrializados, como ela pode estar ingerindo essa quantidade. Qual é a quantidade que ela pode ingerir. Que alimentos que ela deve dar preferência. Que alimentos que ela deve dar para a criança, por exemplo. Quais são os alimentos que são mais prejudiciais. Então, eu acredito muito na educação alimentar. Eu acho que a educação alimentar deve começar lá na escola, orientando as crianças sobre o que são os alimentos processados e ultraprocessados. Por que existe uma necessidade da criança ser educada, a indústria alimentícia está aí para agregar. A população urbana quando migrou da área rural, a indústria alimentícia veio junto para agregar. Com isso, os alimentos in natura, são ingeridos em detrimento dos alimentos que são processados e ultraprocessados. Eu acredito na educação da população, das crianças pra poder escolher qual é o melhor alimento para ela.

Antigamente, quem orientava a população em relação a como ter uma alimentação segura era a Pirâmide Alimentar, agora caiu, foi substituída pelo Guia Alimentar para a População Brasileira

Jornal Pires Rural: Na análise, o MAPA afirma que a classificação nova do Guia “é confusa, incoerente e prejudica a implementação de diretrizes adequadas para promover a alimentação adequada e saudável para a população brasileira. Impede ampliar a autonomia das escolhas alimentares e, principalmente por prejudicar a correta formação de diretrizes para promover a alimentação de forma adequada e saudável”. Sugere também a discussão com setores da ciência dos alimentos e inclui os engenheiros de alimentos. E aponta que o Guia Alimentar, atualmente, é um dos piores do planeta, pois, traz “menções equivocadas, preconceituosas e pseudocientíficas sobre os produtos de origem animal”. A Sra. pode comentar essa declaração? 

Maria Rita: É mentira. Não traz nada incoerente de maneira nenhuma, nem preconceituoso, nem pseudocientífico. A indústria alimentícia está aí para agregar. A gente precisa conhecer como esses alimentos são produzidos, que na realidade é a ciência dos alimentos. O que são usados para a produção dos ‘nuggets’? Que carne de frango é usada? Para a produção da mortadela, qual corte da carne suína é utilizado? É utilizado, por exemplo, substâncias químicas? Tudo isso tem que ser esclarecido para a população para que ela possa selecionar quais são os alimentos que ela pode ingerir. Ela pode optar por alimentos in natura ou ela pode optar numa mescla disso. Desta forma, a população vai saber utilizar adequadamente os alimentos de origem processados e ultraprocessados, da indústria; se assim ela quiser. 

Jornal Pires Rural: Concomitante à Nota Técnica, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, noticiou o resultado da Pesquisa do Orçamento das Famílias (POF), realizada em junho de 2017 a julho de 2018, os dados revelam que a fome (insegurança alimentar grave) atingiu mais de 10,3 milhões de brasileiros nesse período (4,6% dos domicílios brasileiros). Esses números tendem a ser ainda mais alarmantes já que não consideram o impacto da crise econômica agravada pela pandemia da Covid-19? 

Maria Rita: Esses dados nos revelam que ainda existe fome no Brasil. Existem bolsões de miséria em Minas Gerais, no Norte, no Nordeste; nessas regiões a população ainda passa fome e tem necessidade de alimentos, não tem acesso a alimentos na mesa. E que o Brasil precisa de políticas públicas para assegurar que todo cidadão brasileiro tenha acesso aos alimentos. Isso é um direito deixado pela Constituição: ‘todo brasileiro tem acesso aos alimentos’. Há a necessidade de políticas públicas para se criar condições para que as famílias não passem privação de alimentos. Existe realmente uma quantidade grande de pessoas nas regiões: Sudeste, Sul; com sobrepeso e obesidade. Mas existe em algumas regiões do Brasil populações que ainda passam fome. Com a agravamento da Covid-19, esses dados vão piorar com certeza. Pode ser que com toda essa distribuição de renda que o presidente (da República) deu, auxilie para não piorar tanto essa situação. Mas que há a necessidade de criar políticas públicas para sanar infelizmente essa insegurança alimentar, há a necessidade. 

Jornal Pires Rural: Há 5 anos a FAO declarou que o Brasil não fazia mais parte do ‘Mapa da Fome’. Segundo o IBGE, a insegurança alimentar grave no Brasil havia caído de 6,9% da população em 2004, para 5,0% em 2009, e para 3,2% em 2013. A Sra. como uma profissional da ciência dos alimentos e também presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar – Comsea; pode nos dizer como o município de Limeira deve se preparar para mitigar as consequências trazidas pela insegurança alimentar — a fome? 

Maria Rita: O município de Limeira tem que se preparar como todo o restante do Brasil. Eu fui atrás do Centro de Promoção Social – Ceprosom, para responder essa pergunta. Em Limeira, o Ceprosom me orientou que existe a campanha Limeira Solidária, do Fundo de Promoção Social para a arrecadação de alimentos, cestas básicas, produtos e alimentos e fraldas. As cestas básicas mensais foram aumentadas as quantidades e estão recebendo doações de hortifrutis. Existe toda uma política em relação a população no município de Limeira. Mas isso teria que ser mais aguçado. Na realidade, eu sou favorável a criação de uma renda mínima para a população per capta para terem acesso a esses alimentos. Eu acho que através de políticas públicas, o Brasil consegue chegar lá. Existe a parte da obesidade e o sobrepeso mas, a fome ainda não foi extinta. Não foi. Mas eu acredito que pode ser, com políticas públicas favoráveis a população com melhora na indústria, no comércio e tudo o mais gerando mais empregos a gente pode contornar essa situação. A população que trabalha e tem acesso (aos alimentos) mas que paga aluguel então, existem pessoas necessitadas e a gente tem que estender a mão pra eles através de políticas públicas favoráveis a população. 

Jornal Pires Rural: Estamos vivendo uma era de transição epidemiológico nutricional onde as taxas de doenças infecciosas diminuíram mas, em contrapartida houve um aumento significativo de doenças crônicas como a obesidade, o diabetes, a hipertensão, o câncer e neste cenário temos dois extremos: a desnutrição por carência nutricional e o sobrepeso ou a obesidade criando assim um paradoxo nutricional. O município de Limeira enfrenta esse paradoxo também? Diante das mudanças sugeridas pelo MAPA para o Guia Alimentar para a População Brasileira, a população mais vulnerável pode ser afetada negativamente? Por que? 

Maria Rita: Quando a gente fala assim: através do Guia Alimentar a população brasileira é mais vulnerável? É! Muito! A população mais vulnerável, ela tem acesso aos alimentos industrializados e ultraprocessados com baixo valor nutricional, alta demanda de sal e gordura. Porque são alimentos mais baratos, por exemplo, um salgadinho, uma batatinha, para a criança trazer de lanche. Você vai ter acesso aos alimentos de baixo valor nutricional mas alta quantidade de gordura e sal. Então, a população mais vulnerável, infelizmente, ela é mais influenciada negativamente pela indústria de alimentos onde se usa alimentos de baixa qualidade com alta demanda de sódio, gordura e tudo mais. O sobrepeso e a obesidade também estão muito presentes em Limeira, inclusive, a porcentagem é um fator alto. Porque eu conversei com a (Secretaria) Saúde e a resposta é de que a maioria dos casos que eles enfrentam, e trabalham através de orientação nutricional, são os casos de sobrepeso e obesidade. Então, você tem essa discrepância: uma parte desnutrido e a outra parte obeso e sobrepeso. A população acima dos 40, 50 anos, enfrenta o sobrepeso porque a população normalmente fica mais em casa, não sai para passear, não estuda mais; está mais acomodada. E com isso, a obesidade bate na porta. Dá preferência para chocolates, para refrigerantes; com isso o que acontece? Ocorre o sobrepeso e a obesidade e nas populações mais vulneráveis. A carne é cara, o leite é caro, o peixe é caro, fruta é caro, as verduras são caras. Elas vão ter acesso a alimentos como macarrão, arroz, fubá (uma fonte nutricional excelente se você mistura uma carne moída, faz uma polenta gostosa, põe um queijo por cima), se comer só aquele mingau, ele é carboidrato e não traz proteína, tem que ser incrementado para poder ser favorável para o nosso organismo. Arroz, macarrão, salgadinho, tudo isso, infelizmente, influência em relação à alimentação. A criança tem acesso a merenda escolar (a merenda de Limeira é excelente), mas o que acontece? Às vezes, a família recebe a merenda escolar na escola mas à noite, muitas vezes, não tem o que comer. Na escola que eu trabalho a gente recebeu telefonemas (com a suspensão das aulas devido a pandemia) de mães perguntando se o filho tinha acesso a merenda escolar. Na escola que eu trabalho não tinha mas, eu sei que no Estado de São Paulo, de uma maneira geral, os alunos receberam o kit merenda escolar, sim. Existem políticas para tudo isso mas,  junto com tudo isso, eu reforço, a educação alimentar é o mais importante. 

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