Adentramos na Microbacia Hidrográfica do Ribeirão do Meio, cidade de Socorro (SP), para resgatar a história do pioneirismo da agricultura orgânica naquela região. No bairro dos Pereiras, onde fica o sítio Santa Catarina aos pés da Serra da Mantiqueira, fomos recebidos pela família Morais. À frente de uma típica casa de sítio com sua pequena varanda, cercada de murinho baixo e chão de tijolão, surge a dona da casa Maria Catarina, que não escondia sua descendência italiana ao falar e se expressar mais do que pudéssemos acompanhar. Na sequência, aparece a simpática filha Maria Estelina, nos dizendo sobre seus irmãos; Elias, Célio, Maurílio e Carlos Junior que moram em outra propriedade, enquanto seu pai, Carlos, vem se aproximando risonho e brincalhão, contando sobre as peculiaridades do lugar e se justificando; “eu falo porque vivi, guardei na minha cabeça. Socorro foi o maior produtor de fumo de corda do Estado de São Paulo”, deixando a deixa para iniciarmos a conversa.

Segundo os relatos de Sr. Carlos Rodrigues de Morais, perto dali, “lá em cima, onde tem a igreja, o pessoal do jornal Estadão, veio fazer uma reportagem sobre produção de fumo. Deram sorte porque vieram durante o dia, porque tudo é feito à noite. Eu também produzia e, eles vieram aqui nos (bairro dos) Marianos fazer a reportagem e viram estalando fumo, tinha os rolos feitos, estavam cochando mais folhas do fumo na corda. Eu guardei o jornal por bastante tempo”, relembrou. Em um só fôlego, Sr. Carlos explicou que para dar conta do trabalho no pico da safra do fumo o turno de trabalho era dia e noite e, a produção se espalhava por toda área rural. “Tinha dia que eram três compradores circulando pelo bairro, quem mais vinha comprar era de Bragança Paulista (SP). A nossa produção era repassada a outros produtores, para ir cochando e apurando o fumo, até um ponto que ele fica bem firme e enxuto para depois embalar em latas e vender no comércio”, disse. 

Era seu pai o responsável por negociar com os compradores que já se queixavam da queda nas vendas, “eles falavam; ‘tá ficando difícil Sr. Vicente. Entregamos o fumo nos mercados e quando vamos receber dão a desculpa que tem que pagar arroz, o feijão, o farelo de trigo, as coisas de primeira necessidade’. Então, já começava aquela encrenca de recebimento, meu pai foi ficando cansado daquela conversa. Estava virando outra safra e nada de receber. Nós fomos um dos primeiros a parar com o fumo, era década de 1980. Daí, numa cacetada só, parou a produção de quase o município inteiro”, ele recorda. 

“Hoje, aqui no meu sítio tenho 400 pés de uva em produção”, Sr. Carlos conta

Frutas

Ao encerrar a produção de fumo a terra ficou parada até ser desafiado a iniciar a produção de frutas pela agrônoma Salete Torres Ishikawa, que trabalhava na Casa da Lavoura de Socorro. “Lá pelo ano de 1983 comecei com as 400 plantas de pêssego, 150 plantas de ameixa, mais os pés de uva. Incentivaram trazendo uma pessoa da Cati especialista. Também veio o Dr. Fortunato de Jundiaí (SP), pra olhar o lugar e falar o que tinha que fazer. Ele era bem experiente e dava assistência a milhões de pés de frutas. Eu ouvia dele que aqui ia dar uma uva maravilhosa, nossa região era muito melhor do que Jundiaí, por ser lugar mais montanhoso, clima mais temperado, melhor para a uva”, contou.

Orientado pelos agrônomos da Cati de Campinas (SP), iniciou a preparação do pomar, “mandaram fazer as covas de um tamanho absurdo, só fazia de doze covas por dia porque o chão é meio duro. Tinha que adubar com vinte litros de esterco, mais trezentas gramas de não sei o que, mais duzentos disso e daquilo. O que eles falavam, nós fazíamos. Depois que estava pronta a terra o Dr. Fortunato veio aqui, fuçou com a mão e disse; ‘mais que maravilha. Quando o serviço é bem feito dá gosto’. Dr. Junqueira da Cati, outro especializado em frutas de clima temperado, quando visitou nosso pomar, já produzindo, falou; ‘o serviço de vocês é maravilhoso e, se vocês continuarem fazendo esse trabalho, cuidando bem, vocês tem uma lavoura de pêssegos pra vinte anos, mais que isso não vai. Quando estiver chegando próximo dos vinte anos e você tiver outra área e quer continuar, então, vai lá cavando as covas ou arranca essas e planta outras de novo’. E, foi verdade, os pêssegos com 17 anos estavam envelhecendo, secando os galhos, descascando, quebrando, diminuindo a produção”, explicou. 

Pensando o que faria com o pomar que já estava no final da vida, Sr. Carlos recebeu a visita do amigo e agrônomo Hiromitsu Gervásio Ishikawa, que é casado com a agrônoma Salete da Prefeitura de Socorro. “O Gervásio dava assistência técnica e falou do Ricardo José Schiavinato, de Serra Negra (SP), que começou a produzir orgânico e estava indo muito bem com tomate e, as cooperativas estavam a procura por mais produtores de tomates. Também disse que ‘se vocês quiserem partir para o orgânico, eu oriento vocês’. Ele sabia que terminava a safra das frutas aqui, a gente preparava a terra e plantava tomates e outras coisas pra ter renda. Sei que é um trabalho pesado pra organizar e produzir orgânico e, na hora nem demos a resposta”, descreveu.

“Além do tomate, plantamos um repolhal que perdeu mais da metade (conta rindo) porque repolho é um produto que sai fácil, ele é gostoso, bom, saudável, faz bem pra saúde mas o povo não é muito chegado”, descreveu Sr. Carlos Morais.

Orgânicos

Para tomar a decisão de transição de uma agricultura convencional, a base de agrotóxicos e adubos químicos para o cultivar de forma orgânica, produzindo desde as mudas até o próprio adubo, aconteceu o quê? Sr. Carlos explica, “como trabalhávamos com tomates e os pêssegos e outras frutas, pulverizávamos com produtos químicos, não era muito mas, pulverizava. Eu tive um problema sério de saúde, pelo uso dos agrotóxicos, tive leocupenia, uma intoxicação no sangue (dos glóbulos brancos). Quem fazia a linha de frente na lavoura era eu, meu filho mais velho, Elias, tinha dezessete anos, ele preparava outras coisas e eu ajudava a arrastar a mangueira, além de ficar bombeando no muque; com isso acaba ficando molhado pelos produtos, principalmente aplicação aérea, vem tudo em cima da gente. Quando já fazia um tempinho que eu estava em tratamento, o Elias começou a reclamar de problemas na garganta e foi no médico que perguntou onde trabalhava aí, afirmou que era o produto que nós usávamos que estava fazendo mal”, revela Sr. Carlos. 

A partir desse diagnóstico a família começou a pensar em vender uma parte do sítio e, ir embora pra cidade. “Eu já tinha que levar os filhos todos os dias na escola, fiz isso por oito anos, não tinha asfalto como hoje, era morro e barro, usava corrente no pneu da Kombi com um saco de areia no porta-malas pra ficar bem pesado e grudar na estrada. Fundiu uns três motores. Então, a gente muda pra cidade, passar fome não vamos. Arruma um serviço pra viver, porque ganhar dinheiro, não estamos nem ganhando aqui, só fazendo pra sobreviver”, afirmou o produtor.

Porém, antes de colocar a propriedade à venda, Sr. Carlos voltou a conversar com o agrônomo Gervásio e iniciou a produção orgânica. “Procurei o Gervásio e disse, vamos experimentar já que não usa agrotóxico e nem produto químico, quem sabe dá certo para o nosso caso. Aí, fomos participar de uma, duas, três, quatro, não sei quantas reuniões, vai daqui, vai dali e começamos há quase vinte cinco anos atrás a produzir no sistema orgânico. Fizemos análise da terra depois que tirou os pêssegos, deu acidez no solo e foi corrigido. No orgânico a primeira coisa que tem que fazer é corrigir o solo, porque é trabalhar sem ficar aplicando aquela injeção na planta, tem que fazer ela saudável numa terra forte, numa terra limpa pra poder colher um bom produto. Se tiver errado desde o começo, perde tudo na metade do ciclo de vida da planta. Nunca mais foi aplicado adubo químico na terra e plantar no sistema orgânico ajuda a recuperar a terra. No começo nós sofremos bastante porque era tudo feito aqui, principalmente o adubo foliar que pegava o estrume do gado, deixava decantando no galão grande, fazia um monte de misturas. O composto orgânico, que sai através da compostagem fazemos até hoje. Outra escola dos orgânicos foi aprender como classificar o produto se ele está 100% ou se tem dois risquinhos na casca, já não é mais especial e assim vale para todos os produtos, tem que ser uma coisa muito mínima e não afetar a aparência pra ser 100%. Mas a maior dificuldade foi ter que vender a produção para o atravessador. Hoje, está maneiro depois de vinte anos, porque a gente está vendendo os produtos direto ao consumidor. Antes era preciso levar até Cooperativa Horta & Arte em São Roque (SP), que foi formada para trabalhar só com produtos orgânicos. Levava tudo em granel, o milho em espiga para descascarem e embalar. Eles entregavam tudo no mercado. Era muito longe, ficava caro o transporte, nós fomos parceiros com o Ricardo nessas viagens, às vezes levando o produto dele ou ele levando nossa produção”, observou. 

“Começamos a produzir inicialmente o tomate. Veio uma técnica fazer a certificação da nossa propriedade pela AAO-SP (Associação de Agricultura Orgânica de São Paulo). Ela disse assim; ‘agora vocês vão começar a plantar mas vão fazer um faz de conta. Planta um pouco de cada coisa pra ver o que vai acontecer, a partir daí, nós vamos ver o que está faltando nos tratos culturais e como manejar a terra’. O primeiro tomate que colhemos sem pulverização nenhuma era bem pequeno, feio, deu uma porção de caixas mas, perguntei o que vamos fazer com essa coisa? Ela falou; ‘essa coisa? Você não vai perder um, vai ser vendido tudo pelo orgânico’. Se eu fosse vender aqui no comércio tinha perdido mais da metade. Colocamos na caixa e entregamos, não sobrou um”, Sr. Carlos admite que ficou animado. 

Palavra técnica

Toda história tem um estopim inicial, no caso da cidade de Socorro podemos dizer quem acendeu a luz para a prática da agricultura orgânica foi o engenheiro agrônomo Hiromitsu Gervásio Ishikawa, cuja propriedade rural, Sítio Vale das Flores, fica no bairro Ribeirão dos Cubas. Gervásio nos conta que costumava receber em sua propriedade os amigos agrônomos Ricardo José Schiavinato de Serra Negra (SP) e Fernando Ataliba, do Sítio Catavento de Indaiatuba (SP), “para trocarmos informações sobre cultivo orgânico em estufas agrícolas e a campo”, em meados dos anos 90.

“Eu trabalhava com consultoria particular para produção orgânica. Trabalhei também como consultor da Cooperativa Horta & Arte de São Roque (SP), e com planejamento da produção e elaboração de cronogramas de plantio para atender as demandas da Korin Agropecuária (ligada a Igreja Messiânica) com sede em Atibaia (SP). Houve um tempo que trabalhei como conveniado na Prefeitura Municipal de Socorro através da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo atendendo na Casa da Agricultura de Socorro e posteriormente como conveniado na Casa da Agricultura de Monte Alegre do Sul (SP). Lá, era aproximadamente vinte e cinco agricultores interessados na produção orgânica. Em Socorro também, na fase inicial, estávamos trabalhando com vinte e cinco produtores rurais interessados em produzir organicamente. Onde tinha produtor interessado, na região, dávamos assistência: Bragança Paulista (SP), Vargem Grande do Sul (SP), Atibaia (SP), Joanópolis (SP), Bom Jesus dos Perdões (SP), Piracaia (SP), Ouro Fino (MG) e outras cidades do sul de Minas Gerais. Fazia visitas quinzenais nas propriedades, passando os cronogramas de plantio e dando assistência técnica e as tarefas a serem executadas nos próximos quinze dias. As culturas trabalhadas eram morangueiro, batatinha, tomate, feijão, cenoura, beterraba, berinjela, batata-doce, feijão-vagem, pepino japonês. As folhosas ficavam com produtores de Ibiúna (SP), Piedade (SP) e São Roque (SP), que era outro consultor”, Gervásio detalhou.

Nas visitas que fazia, Gervásio começou a levantar as problemáticas que os agricultores estavam enfrentando, “em Socorro, percebi que os produtores rurais estavam trabalhando com crédito rural junto aos bancos, além de estarem recebendo preços de mercado muito baixos pelas mercadorias, que não cobriam os custos de produção. E, um problema mais sério, estavam todos com sintomas de intoxicação por agrotóxicos”, revelou.

Gervásio, com sua paciência e filosofia oriental foi aos poucos persuadindo e capacitando os agricultores para fazerem a transição de uma agricultura à base de aplicação de agroquímicos para a implantação do sistema produtivo orgânico, com isso, resultou o aumento de renda nas propriedades e a quitação dos créditos rurais contraídos pelos produtores. “A venda da produção com preços médios bem acima dos plantios convencionais se deveu a maior rendimento em áreas de plantio bem menores. Os produtores que seguiram à risca o sistema de produção orgânico, obtiveram produtividade bem elevada e com qualidade muito boa, principalmente nos cultivos de tomate, batatinha e morango. Eu ouvia de todo produtor que ‘era impossível produzir bem no sistema orgânico’”, se recorda. 

Legislação

Sobre os selos de certificações da produção orgânica, Gervásio diz que inicialmente não havia legislação para o tipo de cultivo, “quando começamos a trabalhar com produção orgânica, ainda não tinha a Legislação Orgânica (Lei 10.831, de 23 de dezembro de 2003). Quem certificava se o produto era orgânico, eram as associações. Por exemplo, AAO-SP (Associação de Agricultura Orgânica de São Paulo) e ANC – Campinas (Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região). Eu colaborei nesse processo e cheguei a participar como inspetor de campo visitando as propriedades. Emitia um relatório e enviava para comissão de avaliação, em reuniões mensais, para análise de toda a documentação e estando tudo ok, emitia a certificação orgânica. Só a partir da Instrução Normativa para Agricultura Orgânica (dezembro de 2003), as associações tiveram que se adequar e criar as certificadoras e estas emitiam a certificação orgânica”, explicou o agrônomo.

Microbacia Hidrográfica 

“Quando começamos com o plantio de orgânico, há mais de vinte anos, chovia mais, já tinha dois lagos, a água era limpinha, porque é preciso analisar a água e, se não tiver de acordo não pode usar. Eu fiz outorga do uso da água, fui renovando e tenho até hoje, são quase vinte anos. Esse ano aqui, pra nós, até que está chovendo mais ou menos, mas os dois últimos anos não choveu, nem correu enxurrada para o ribeirão, estamos com problemas de produzir na nossa terra por causa de pouca da água. Meu filho Elias é quem tem mais produção, ele continua com tomate, produziu cinco mil quilos de cebola, só que a produção está em outro sítio, porque chegou a secar um dos lagos que fizemos para irrigar nossa plantação. Não saia água de nenhum dos dois lagos, de tão baixo o nível”, apontou Sr. Carlos. 

Ele ainda revela outro resultado da agricultura familiar de Socorro, quando o bairro do Ribeirão do Meio serviu como projeto piloto para a elaboração do Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas do estado de São Paulo (PEMBH), financiado pelo Banco Mundial, executado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, através da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati). “Aqui no bairro, nos anos de 2000 veio o Programa Microbacias da Cati. Socorro é o patrono do Microbacias do estado de São Paulo, o lançamento desse programa foi feito aqui no bairro. Nunca tinha visto assar porco no rolete, no dia do lançamento foi assado dois porcos no rolete, foi uma festa”, falou.

O Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas teve início em 2000 e finalizado por volta de 2015, procurou abranger todas as cidades do estado de São Paulo. Numa primeira fase o foco foi o meio ambiente, o combate à erosão, privilegiando o manejo adequado dos recursos naturais nas pequenas propriedades rurais e a organização dos agricultores em associações. Em 2010, na segunda fase, o objetivo de ampliar a competitividade dos pequenos e médios produtores respeitando os princípios de sustentabilidade social, econômica e ambiental, levou o nome de Programa de Desenvolvimento Rural Sustentável – Microbacias II – “Acesso ao Mercado”. Uma das principais contribuições do Programa de Microbacias foi trazer mudanças da forma de atuação da Cati, que passou a priorizar a extensão rural em detrimento da assistência técnica individual.

Elias Rodrigues de Morais, filho mais velho do Sr. Carlos, entra na conversa, “o projeto piloto foi feito em Socorro na Microbacias Hidrográfica do Ribeirão do Meio, há vários afluentes que vão para esse ribeirão e deságuam no Rio do Peixe. Foi formada a Associação dos Moradores e Produtores Organo-Agrícolas da Microbacia Ribeirão do Meio, foram feitas muitas reuniões para conscientização dos produtores. Escolheram começar o Programa aqui, porque a região de Bragança Paulista é a que tem mais agricultura familiar no Estado de São Paulo. Então, eles queriam produtores desse nível. Teve três fases o Programa Microbacias, a primeira fase focava o meio ambiente, a recuperação de mananciais. Viram que estava dando certo o projeto piloto e expandiram o programa para outros bairros de Socorro, como o bairro Gamelão, que não deu certo por falta de adesão dos produtores locais. Depois formaram a Associação do Ribeirão dos Machados que é bacia PCJ, do rio Camanducaia, estão ativos até hoje, conseguiram pelo grupo de trabalho da associação asfaltar a estrada em compromisso com a prefeitura, que faz a base e, os moradores contrataram uma empresa para colocar a massa asfáltica. Tem também a Associação do bairro Jaboticabal, tem a Associação do bairro das Chave e a Associação do Bairro Ribeirão dos Cubas, que tem a ‘Casa do Mel’”, detalhou.

De acordo com Elias, o Programa Microbacias estimulou a criação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (COMDER), na cidade de Socorro. “Eu faço parte do Conselho, representando a Associação do Ribeirão do Meio – bairro dos Pereiras. Há também membros das outras associações, entidades de classes e da Prefeitura. Através do COMDER conseguimos equipamentos para atender o produtor como trator, grade, espalhador de calcário, subsolador, tudo adquirido pelo Conselho junto com a Prefeitura pela indicação orçamentária pois, existe um fundo de todo o dinheiro arrecadado com a prestação dos serviços das máquinas e equipamentos da Patrulha Agrícola. O dinheiro é direcionado a esse fundo que servirá para adquirir novos equipamentos, decidido pelos membros do Conselho. Anos atrás, compramos fossas sépticas biodigestoras e doamos para as famílias carentes da área rural pois, é de onde vem a água que abastece a cidade. Isso começou lá na época do Programa de Microbacias que patrocinava as fossas e o produtor instalava. Agora, os recursos que tem no fundo do Conselho será usado para comprar uma beneficiadora de café ambulante, porque o pequeno produtor daqui colhe o café, seca no sol, faz a venda do café numa empresa beneficiadora que comercializa para terceiros e, toda a avaliação do tipo de café e o preço a ser pago é feito pela empresa. Aquele produtor que tem menos de mil pés de café não tem condições de avaliar e nem de beneficiar. A máquina beneficiadora vai ajudar, porque o produtor vende o café em coco (o fruto seco do cafeeiro) ou beneficiado (grão cru descascado) que tem muito mais valor. Desde 2014, os produtores contam com o “Espaço do Produtor Rural – Engenheiro Agrônomo Joaquim Gilberto Vieira”, instituído por lei municipal, local que abriga a Patrulha Agrícola e a Prefeitura de Socorro contratou um profissional provador de café que atende nesse espaço, não tem compromisso com nenhuma comercializadora e faz gratuitamente as análises de café para os pequenos produtores, servindo de garantia na hora de comercializar o produto. O salário desse profissional é pago pela Prefeitura e foi uma determinação que saiu pelas nossas reuniões do COMDER”, afirmou.

“Fizemos em 2001, a primeira festa de morango orgânico do Brasil, nós que produzíamos. Foram dez anos de festa, de 2001 até 2011”, Sr. Carlos revela

Festa do morango

O pioneirismo dos produtores rurais de Socorro não ficou apenas na produção orgânica. Como os produtores do bairro do Ribeirão do Meio já estavam numa escala de produção para atender o crescente mercado de orgânicos, eles se reuniram e resolveram fazer a primeira festa do morango orgânico do Brasil, no ano de 2001. Conforme relata Sr. Carlos, “nós já produzíamos o morango orgânico, começamos também a produzir mudas de morango orgânico. Vinha gente do Paraná, Belo Horizonte (MG), atrás das mudas, era tudo certificado. A festa do morango eram três finais de semana seguidos, do mês de julho, nós tínhamos que plantar e depois vender o morango nas festas e ainda tinha que ficar brigando com a Prefeitura para arrumar umas barracas pra expor e abrigar os produtores e os visitantes. No primeiro ano choveu só no último dia, foi uma sorte. No segundo ano, fomos pedir uma ajuda em hotel da cidade. Pra eles era bom porque divulgava a cidade, vinham os turistas conhecer e almoçar no hotel.  Eles doaram um encerado de caminhão de 15 metros e os oito produtores de orgânicos envolvido com a festa também resolveram comprar outro encerado do mesmo tamanho, contando com o dinheiro da festa para poder pagar. Dava para cobrir pelo menos um pouco as barracas e mais uma faixa para os clientes não ficarem no relento, totalmente. Os clientes vinham e levavam outros produtos como beterraba, cenoura, frutas, tudo o que os produtores traziam era vendido. Os turistas faziam aquela compra e perguntavam; ‘hoje nós estamos comprando aqui na festa e, se viermos outro dia onde podemos encontrar essas mercadorias?’ Aí nasceu um empório que funciona onde acontecia a festa do morango. Depois do terceiro ano, a festa cresceu tanto que os dois encerados ficaram uma vergonha. Começamos a alugar lona de mil metros, contratamos shows da cidade e até um locutor da rádio que dizia ‘essa é uma festa grande’. Quando entrou a primeira prefeita eleita de Socorro, ela alugou por conta da Prefeitura três  pirâmides para a cobertura do espaço da festa, isso só foi em 2010. Como a festa cresceu muito, nossa produção já não dava conta e, os produtores de outras cidades vinham buscar nossas mudas, então, depois nós comprávamos a safra do morango deles. Teve até um produtor de Bragança Paulista que plantava o morango orgânico em Cambuí, Minas Gerais. Foram dez anos de festa de 2001 até 2011. Paramos porque a festa ia crescendo ano após ano e sem apoio, só nós ficamos no sufoco e, tinha que produzir muito morango orgânico, aí acabou”, disse.

“O que ajudou muito em nossa renda foi a merenda escolar. Quem começou isso aí foi no tempo do governo do (presidente) Lula, não é pra puxar sardinha, mas ele teve uma ideia maravilhosa que obriga a prefeitura a comprar do produtor da cidade”, Sr. Carlos destaca

Merenda escolar

Com a capacitação do Programa Microbacias formalizando as associações, a criação do Conselho Rural e as políticas públicas do governo federal com os programas de aquisição de alimentos como PNAE e PAA, pai e filho tem uma só opinião; “o que ajudou muito em nossa renda foi a merenda escolar, fazem cinco anos que estamos vendendo. Quem começou isso aí, foi no tempo do governo do (presidente) Lula. Não é pra puxar sardinha, mas ele teve uma ideia maravilhosa que obriga a Prefeitura a comprar do produtor da cidade. A maior parte das entregas são de produtos orgânicos, inclusive o morango orgânico é entregue na merenda escolar”, enfatiza Sr. Carlos. 

Elias acrescenta, “eu acredito que as políticas públicas com os programas de aquisição direto do produtor é importante porque fica no mercado local e evita atravessadores que ganham em cima da nossa produção. Para o pequeno produtor é complicado mandar a mercadoria para cidades como São Paulo ou Campinas, além de ficar refém do preço. Tenho um primo que mandou mercadoria pra São Paulo, na primeira vez, recebeu trinta reais pela caixa de abobrinha, na segunda semana recebeu três reais, daí, ele não mandou mais, porque não pagou nem o frete. Diferente de ter a política pública do PNAE ou PAA, é um escape. Fora vender nas quitandas e nos supermercados da cidade, é fácil sair oferencendo e conseguir vender direto. Tem que fazer de tudo para não passar pelo atravessador, participar de associações, cooperativas, grupos de vendas pelo WhatsApp, trabalhar com delivery, dá uma mão de obra danada mas, tem que se virar”, completa. 

De acordo com a Prefeitura de Socorro, as associações que fornecem para a merenda escolar são: Ribeirão do Meio – Bairro dos Pereiras, Associação do Bairro das Chaves e Associação do Bairro do Jaboticabal. Tem também a produção de mel entregue pela Associação do Bairro Ribeirão dos Cubas (Casa do Mel – Gotinha dourada).

Maria Estelinha Rodrigues de Morais, Elisa Maria Montini de Morais filha de Elias Rodrigues de Morais, expondo a produção familiar na Feira Orgânica de Socorro

Feira do produtor

Sr. Carlos não é muito de se lamentar, antes, porém, procura soluções. Diante de um prejuízo de mais de 30 mil reais que um atravessador causou para os produtores orgânicos do bairro, foi pensando como sair dessa, começou vendendo nas lojas de conhecidos, “gente que paga certinho e direto ao consumidor na feira de domingo. Quando daí fundamos uma feira de orgânico aqui em Socorro. Agora tem duas feiras. Vende pouquinho, mas vende! Quem faz é meu filho Elias, devido a pandemia, começou a montar cestas para entregar nas casas dos clientes. Ele tem bastante produção”, afirmou. 

Elias detalha, “tem a tradicional feira de rua no domingo que meu pai participava vendendo a produção de orgânico certificado. Ele sofria uma pressão danada pelos feirantes colocando os preços baixos para ele não voltar mais, porque começou a tirar a clientela que davam preferência para ele, mesmo sendo um valor maior. Pelo motivo dessa concorrência desleal foi criada a feira só de produtos orgânicos, aos sábados, em 2015. Quando inaugurou eram seis bancas, tinha uma pessoa de Atibaia (SP), vendendo flores, desistiu, porque vendia muito pouco. Outro de Pinhalzinho (SP), que vendia produtos sem glúten, sem lactose, por causa da faculdade ficou sem logística pra vir aos sábados mas, continua produzindo e só com entregas em São Paulo (SP). Agora tem os pães orgânicos da Roseli, que era de São Paulo e veio morar aqui e montou uma padaria artesanal. Os nossos clientes são os mesmos que já compravam com meu pai na feira de domingo e do empório de orgânicos que a Associação montou no bairro dos Pereiras. Aqui em Socorro também tem a feria do produtor pra quem fez o curso do Senar, funciona às sextas-feiras na praça do Fórum. E, de quarta-feira abriu uma feira noturna, das 17 às 22 h, acontece na frente da antiga estação ferroviária. Essa feira bombou, virou uma festa, porque tinha muita barraca de comida, tem produtores certificados pelo S.I.M. de Socorro e vendem queijos e ovos. Foi atração na cidade, atraiu o pessoal mais jovem, é uma feira pequena que passa mais de mil pessoas pelo local”, concluiu Elias.  

Sr. Carlos resume, “a questão do orgânico não trouxe mais renda para a família, foi uma opção de produzir sem agrotóxico. Quando entramos no orgânico os técnicos falavam que estávamos muito ansiados e quebramos um pouco a cabeça, porque tem que ir mais devagar, mas pra mim não dava certo plantar com produto químico e outro pouco no orgânico, ou era químico ou tudo era orgânico. Tudo que fiz, não fui eu propriamente, foi Deus que meu deu força e saúde bastante. Se não fosse isso aí, eu não tinha feito nada na minha vida. A agricultura é a minha vida, se eu não tivesse largado mão de usar os venenos no trato da lavoura, ou mudado pra cidade, eu estava morando com São Pedro há uns vinte anos. Mas, eu optei pelos orgânicos, se eu estou aqui, vivo ainda, com saúde é graças a Deus. Fiz um checkup dia 10 de janeiro e a médica disse que não deu nada, eu estou limpinho”, destacou.

A grande lição

Para o agrônomo Gervásio que participou ativamente na consolidação da agricultura orgânica na região de Bragança Paulista, “a grande lição foi a troca de informações do processo produtivo, onde os produtores começaram a resgatar a agricultura de seus antepassados. Está sendo um grande aprendizado estes anos todos dedicados à agricultura orgânica. Os produtores que resolveram se dedicar a essa forma de produção, estão colhendo os frutos de seu trabalho e servindo de grande referencial para a futura geração de produtores rurais, aliando o passado, o presente e o futuro da agricultura. As sementes foram lançadas e as colheitas abundantes, muita felicidade de poder vislumbrar um grandioso futuro para a raça humana e, continuarmos nesse trabalho na Casa da Agricultura de Lindóia (SP), semeando sempre boas idéias. Nosso objetivo de produzir organicamente foi alcançado com sucesso”, comemora Gervásio como um combatente vitorioso de uma guerrilha do bem.

One thought on “Família Morais; da produção de fumo em Socorro (SP), ao pioneirismo de orgânicos”

  1. “Tudo que fiz, não fui eu propriamente, foi Deus que meu deu força e saúde bastante. Se não fosse isso aí, eu não tinha feito nada na minha vida.”
    Exemplo de gente, de luta, de vida. Amém.

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