XII Feira de Trocas de Sementes e Mudas Crioulas, Orgânicas e Biodinâmicas do Estado de São Paulo em Piracicaba, aconteceu no dia 2 de setembro, no Engenho Central, com a presença de expositores, agricultores familiares, quilombolas, povos originários, assentados, caiçaras, acadêmicos entre outros. A feira tem a iniciativa da Associação Biodinâmica, em parceria com a Prefeitura de Piracicaba, por meio da Sema (Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento), Rede de Agroecologia do Leste Paulista, Cati, NEPAS/UFSCar e Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo). 

Feira; sementes de todos os tipos tamanhos, cores e texturas

Uma das oficinas apresentada durante a programação, foi sobre Legislação municipal ligada a produção de sementes crioulas e formação de banco de sementes, ministrada pelo professor Dr. Leandro Barradas Pereira, engenheiro agrônomo, discorrendo sobre o caso da cidade de Andradina (SP), distante 520 quilômetros de Piracicaba.

Leandro trouxe sua experiência na participação da elaboração da Lei municipal e também na formação do banco de sementes, como ele diz, “felizmente somos atores políticos. Lá na nossa comunidade todos ficavam reclamando, ‘ah, mas esse governo federal, estadual, municipal, não faz nada’. A gente tinha a técnica de produção dessas sementes, estava envolvido com as comunidades de Andradina. São 645 agricultores familiares da reforma agrária numa região com mais de cinqüenta projetos de assentamentos em cinquenta mil hectares de área, só de agricultores familiares camponeses. Aquilo me incomodava, eu dizia: e aí? O que é que a gente pode fazer? Vamos ficar esperando o Bolsonaro? Ele não vai fazer nada. O pessoal do PSDB também não vai fazer nada. Vamos arregaçar as mangas e fazer. Vamos criar”, destacou.

Professor Dr. Leandro Barradas Pereira, engenheiro agrônomo de Andradina (SP)

Ocupando a função de coordenador do curso de agronomia da Fundação Educacional de Andradina e professor no curso técnico agrícola do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS – Andradina), Leandro revelou que “em 2020 um aluno da agronomia nosso saiu candidato a vereador na eleição municipal e, pela primeira vez conseguimos eleger um aluno. Quando esse vereador foi fazer o plano de governo ele disse a mim e ao professor Lauro: ‘professor, me ajude escrever o meu plano na área de agricultura?’ Opa! Vai ser um prazer e uma honra. E nós plantamos no plano de governo dele a semente crioula. Escrevemos juntos uma lei, a primeira dos 645 municípios do estado de São Paulo – com muito orgulho a gente fala isso – uma lei em defesa da agrobiodiversidade da nossa semente crioula. Ele foi eleito, hoje, a lei é realidade e eu vou compartilhar um pouco das nossas vivências com relação a essa lei”. 

A legislação municipal ligada as sementes crioulas e banco de sementes 

“Só em Andradina, são cinco assentamentos de reforma agrária, um é emancipado, os outros quatro não. Um é estadual, os outros quatro é projeto de assentamento federal. São 622 famílias assentadas de reforma agrária no município. Existe esse público e a gente verificou, como professores, que muitos pais e avós de alunos tinham sementes crioulas mas, estavam desorganizados. A gente organizou. 

Em 2018, fizemos esse trabalho de imersão em 25 assentamentos. Diferente do agronegócio que é voltado para o capital, a agricultura não: agri-cultura. Então, é a cultura da semente misturado com histórias. E a nossa cidade é jovem, 85 anos e, nesse trabalho de levantamento cerca de 41% desses agricultores familiares dos assentamentos tinha uma variedade de semente, como o feijão catador usado pra fazer o prato baião de dois. 

Esse trabalho chamou a atenção para ver toda a diversidade que tínhamos e a gente precisava defender isso. Defender de que forma? Para defender sementes não existe outra forma a não ser pela lei e, sermos vigilantes, porque os deputados podem mudar isso a qualquer momento”, discorreu Leandro. 

O professor então, foi em busca de exemplos para a implantação do banco de sementes e estabelecer um diálogos com os agricultores. “Pesquisamos leis que dispõe sobre política estadual de incentivo a formação de casas de sementes no estado do Ceará (2020). Eu estive em Palmeira (PR) na maior feira de troca de sementes crioulas do Brasil, em Garibaldi (RS) e no Rio Grande (RS). O estado de Sergipe tem incentivos à sementes crioulas, o estado de Santa Catarina também. Eu observei que os estados mais organizados estão na região Sul. 

Lá no Nordeste temos as Sementes da Paixão. Na Paraíba, que tem quase trezentos bancos de sementes crioulo é o maior número de banco de sementes de um estado no Brasil, mas com poucas leis. Li todas as leis que existem no Brasil, adequamos as nossas condições e realidade. O nosso vereador Fabrício Mazoti fez a propositura e foi aprovado por unanimidade pelos quinze vereadores. Com a lei, apresentamos ao prefeito que sancionou, lei nº 3.827 de 6 de outubro de 2021”, afirmou. 

Funcionamento da lei, as dificuldades e as especificidades 

“Na gestão da agrobiodiversidade o Executivo fica responsável em promover e viabilizar: o resgate, a preservação, a reprodução de sementes crioulas nativas e tradicionais. Reconhecer e valorizar os agricultores e agricultoras com dinheiro, porque o agricultor familiar precisa de política pública e precisam também ter dinheiro no bolso. Pra isso ele vai vender para a prefeitura. Na implementação da política, cabe ao Executivo: incentivar, instalar, apoiar o funcionamento de bancos de sementes crioulas, comprando insumos. A prefeitura deve desenvolver sistemas de reposição de sementes e estimular o uso de variedades locais. Um banco de sementes crioulas funciona assim; eu recebo o agricultor de toda a região no banco para o cadastro. O agricultor tem que se cadastrar na Secretaria de Agricultura para ele ser beneficiário da lei. Ele pega 1kg de milho para o plantio e, no ano seguinte ele vai devolver 2kg desse milho, porque o banco tem que ser retroalimentado. O milho que chega de volta passa por teste de transgenia. Porque o milho é uma planta de polinização aberta e 99,9% da área com milho no Brasil é transgênico. A prefeitura deve bancar a aquisição de sementes, materiais e insumos para a produção. Realizar contratos com instituições públicas — IAC, Cati, mas tem sido difícil porque lá, o pesquisador desenvolveu a semente e trata como se fosse dele. E como todos sabem, a semente é um bem da humanidade”, detalhou.

As compras de semente pela prefeitura

“Nós chamamos de guardiões os agricultores que possui as sementes crioulas e estão cadastrados. Também cabe a prefeitura, incentivar a formação de guardião e guardiãs mirins, através de parceria com a Secretaria da Educação pra fazer uma imersão dentro das escolas municipais e mostrar o feijão que eles comem. A gente visita os alunos, eu e todos os professores da escola agrícola sabemos onde estão as sementes, então, conheço todos os assentamentos da região. Nós já temos identificados onde estão localizados os guardiões, a partir daí, convidamos para participar do grupo. Eles se cadastram pra acessar a política pública mas, dentro dos assentamentos eles são multiplicadores. Hoje, a cooperativa de Andradina está entregando alimentos para a merenda escolar, são 350 mil reais ao ano. O PAA voltou, parece pouco, mas quem conhece a realidade de quem está no campo, o valor de 8 mil reais faz uma diferença imensa para a economia e a soberania alimentar.

A prefeitura compra nossas sementes, tá na lei, e foi feito um decreto pra regulamentar essa lei para realizar a compra. Funciona assim, a instituição tem que se cadastrar, pode ser o agricultor familiar, associação ou cooperativa. O processo licitatório é construído com diálogo entre agricultores, instituições e prefeitura. Existe um teto: agricultor autônomo até 3 mil reais, cooperativas até 8 mil reais por ano, podendo aumentar o valor de acordo com o repasse que a prefeitura faz conforme a lei manda para o projeto. A primeira venda para a prefeitura foi feita em 2023, ela adquiriu e distribuiu as sementes.

Outra parte importante da lei é envolver os alunos bolsistas, são eles que vão manter as sementes no campo. Nós estamos com milho branco no campo, feijão preto, feijão rajado, temos vinte variedades. O aluno de ensino superior de escolas públicas ou privadas moradores de Andradina terão direito a duas bolsas de estudos por ano. Estamos com dois bolsistas da faculdade de agronomia por trinta horas semanais, se dedicando a esse projeto”, destacou.

Os recursos

“Pra realizar tudo isso que eu falei, é preciso de grana, sem dinheiro não faz. A grana vem do orçamento. Andradina tem um orçamento anual de 5 milhões de reais. Nós pedimos 2%. 

Agora, os vereadores tem emendas impositivas. Lá em Andradina, cada vereador tem disponível quarenta mil reais por ano. O nosso representante vai destinar o total para o banco de sementes. Mas nós queremos dois bancos de sementes, um na Fundação Educacional de Andradina com a emenda impositiva e outro com recursos (pedido de cem mil reais) para uma deputada estadual pra montar na escola agrícola”, frisou. 

Em relação as ferramentas de troca e comercialização 

“A prefeitura tem que fazer feira livre e feira de troca de sementes, fazer exposições das sementes, produtos dos artesãos da agricultura familiar – estamos com o milho de palha roxa, aquisição de alimentos dos beneficiários para programas municipais, a compra de semente crioulas e a distribuição. Todo beneficiário tem que ser identificado, é valorizado através de um selo para que ele seja diferenciado na feira livre que acontece todo os dias em Andradina”, disse Leandro. 

Missão e compromisso

“Os agricultores tem que preservar no mínimo uma variedade crioula e cadastrar. Participar das atividades de formação e intercâmbio promovidas. O agricultor deve disponibilizar através da secretaria um kit de sementes e mudas para divulgação do projeto. É vedado ao beneficiário sob pena de exclusão, plantar, reproduzir ou promover variedades geneticamente modificados. O agricultor não pode ter dentro da propriedade nenhum material transgênico. 

Esse projeto é real. Ainda não está do jeito que a gente quer. E, eu desconheço uma prefeitura que comprou semente crioula de agricultores familiares camponeses no estado de São Paulo. Desconheço também um outro município com uma lei. Então, funciona. Se vocês copiarem a lei pra fazer na sua cidade tem que ter um político, um grupo técnico, agricultores que queiram participar. Lá em Andradina é fácil porque 1.400 propriedades, metade é de reforma agrária. E a nossa escola do projeto de alternância, atendemos só alunos que moram na zona rural, a maioria assentados. 

Os agricultores entregaram as sementes de milho por trinta reais o quilo. O nosso feijão vendemos por trinta reais o quilo, a maniva de mandioca não conseguiu entregar esse ano. Adubos verdes entregamos, feijão de porco e, sementes de hortaliças não entregou”, concluiu.

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