Neste Dia das Mães, conversei com dona Manoelina Paes Delgado, 90 anos, bairro Barbosão, Limeira (SP). Ela nasceu no bairro dos Paes, um bairro que levava o nome da sua família Paes.

Uma mulher de 90 anos que adora viver. Ela traz consigo valores, através dos quais os seus a reconhecem e respeitam. Ela me conta feliz: “Todos eles, mesmos os netos casados me pedem a benção.’A sua benção vovó’. Deus o abençoe, meu filho”. Pedir a benção. O que é pedir a benção para os mais velhos? A benção é bíblica, e vem desde o Velho Testamento: Gêneses 1:22, Levítico 25:21. No Novo Testamento, Mateus 14:19. Pedir a benção, se isso alegra seus pais, é um modo de honrá-los. Sempre que honramos aos pais, alegramos o Senhor. 

Eu pedia a benção aos meus avós, todos pediam. Mas o que significa pedir a benção em 2023? Significa que dona Manoelina é a mãe de todos os seus, que todos os seus a reverenciam por gratidão pela sua forte presença em suas vidas. Então, sempre que os seus lhe pedem a benção eles honram a mãe e alegram o Senhor. 

Foi com essa mulher tão respeitada na sua delicadeza que tive o prazer de conhecer e conversar em sua residência e provar bolo e curau. 

Julieta e Joaquim Paes, pais de Manoelina Paes Delgado

“Meu pai Joaquim Paes (in memorian) era muito bom, fora de série de bom. Quando eu cheguei conhecer ele, era uma cabeça bem branca. Ele pouco trabalhava na roça. Ele era doentio, tinha uma dor de estômago e sempre sofria, mesmo assim ele ia carrear com o carro de boi em Limeira, levava lenha, era o serviço dele. Eram três, quatro juntas de bois que usava pra carrear – o meu marido José Delgado (in memorian) também trabalhou bastante nesse serviço. 

Olha, pra senhora ver como era difícil a vida do casal, do meu pai e da minha mãe Julieta Scalzitt Paes. Eles tiveram todos esses onze filhos, um pertinho do outro. Não era fácil não. 

Minha mãe, trabalhava fazendo farinha, numa semana ela torrava a farinha, no sábado, meu pai levava em Artur Nogueira (SP) pra vender. Na outra semana ela ia na roça com os filhos e eu ficava na casa cuidando do serviço, com onze anos eu fazia todo o serviço da casa sozinha. 

O monjolo (engenho rústico movido por água de riacho, usado para pilar grãos) do sítio do meu pai ficava onde corria a água do riacho, ali tinha a bica de água que caia no coxo do monjolo pra dar força pra socar o milho no pilão de madeira. Depois do milho socado era preciso limpar todo o pó do milho que juntava com as casquinhas, depois que ventava tudo, o milho ficava branquinho igual o milho de canjica. Enchia os sacos com o milho já quebrado, amarrava bem e colocava dentro de um poço de água, ficava todos os sacos de milho naquele poço, ali ele fermentava por uma semana, ficava azedo. Daí minha mãe tirava os sacos de milho da fermentação depois de oitos dias.  

O milho fermentado não mudava de cor. Ela retirava o milho fermentado dos sacos, colocava num balaio feito de taquara de bambu e lavava tudo na água pra retirar o azedume, o milho ficava branquinho – ali ele secava.

Ela trazia o milho limpo e colocava no pilão pra ser socado pela energia da água. O milho, depois de socado fica fininho então, ela coava numa peneira. A última etapa era levar ao forno de pedra com o fogo a lenha. Ela ia jogando e espalhando a farinha com a mão, naquela chapa de ferro quente, já de imediato, subia aquela crosta de milho, um biju. Ela tinha uma cuipeva (uma espátula de pau) e puxava tudo, os pedaços ainda estavam grandes. Com as mãos ela quebrava em pedaços e colocava numa peneira que caísse tudo igual embaixo, no jacá. Quando enchia aquele jacá ela ia pondo nos sacos já pronto, para o meu pai levar pra vender em Artur Nogueira. 

Quando chegava o sábado, meu pai colocava as sacarias de farinha na carroça de boi e levava pra vender. Com o dinheiro da venda da farinha é que a minha mãe fazia a compra pra casa e comprava tecidos pra fazer as roupas pra nós. Por que o dinheiro que era da plantação de arroz, feijão, e outras coisas era para o gasto, não era vendida. 

Todas as famílias do bairro dos Paes tinha monjolo na sua casa e todos faziam farinha. O primeiro monjolo, acima de todos, onde começava descer a água do riacho era do Manoel Mariano. Depois, na casa da Maria Paes. Depois, na Maria Madalena Paes. Depois, na casa da Sebastiana Maria das Dores. Na casa da Ana Delgado. O último era na casa do Barbosinha. O barulho era muito grande quando todos estavam trabalhando, eram uns dez monjolos. Era um bairro produtor de farinha. 

Com o dinheiro da venda do plantio do algodão, meu pai pegava todo o dinheiro pra pagar o empréstimo que fez com o pai dele, por comprar de um terreno muito grande (uma fazenda). Conforme ele pegava o dinheiro da venda do algodão ele entregava tudo para o pai. Então, não ficava dinheiro nenhum lá em casa, nem pra comer, não ficava nada. 

Em casa só ficava o dinheiro da venda da farinha que a minha mãe comprava querosene, um saco de trigo pra fazer pão, o sal, e o peças de tecido era comprado uma vez no ano pra costurar as roupas pra todos. Para os meus irmãos ela costurava calças todas iguais, camisas todas iguais – ela marcava o nome por dentro de cada peça de roupa pra saber de quem era cada peça. Era assim, por que não tinha outro jeito.

Com dez anos de idade eu já costurava, não saí pra lugar nenhum pra aprender, eu não fui pra escola, tudo o que eu sei aprendi com a minha mãe. O que ela me ensinou? Ensinou fazer serviço, cozinhar, bordar enxoval, lidar com porco, lidar com frango. Lidar com o porco é fácil. O duro é desmanchar o porco aos pedaços. Meu pai e meus irmãos matavam os porcos, sempre dois capados de seva (gordo) cada vez, porque era bastante gente pra comer em casa. Os animais eram criados soltos no mangueirão e quando tirava pra matar, já colocava dois magros lá pra cevar. O dia que matava os porcos tinha bastante serviço o dia inteiro. A gente limpava, picava, separava os cortes de carne. Em casa não tinha geladeira, não tinha força, não tinha nada. A minha mãe guardava as latas de querosene de 20 litros, cada vez comprava duas latas, era pra acender a luz dentro de casa. Ela lavava todas as latas, enchia de gordura de porco. As carnes ela fazia tudo de bola (a carne de porco cortada em pedaços grandes, 1kg), ela salgava, deixava amanhecer no molho, no outro dia ela fritava tudo no tacho com a gordura do porco, colocava nas latas e cobria de gordura. Ela picava o couro, fritava e colocava na gordura pra guardar. Na hora de comer era só tirar da lata e fritar de novo.  

O que a sua mãe lhe ensinou sobre o que é a vida?

A vida, ela ensinou que eu não tinha gosto nem de passear, só ficar dentro de casa. Era trabalhar o dia inteiro, a noite chegava, dormia. Não tinha televisão. Não tinha festa. Eu ia na festa junto com o meu pai, nem com os meus irmãos a minha mãe deixava ir por que eles tinham bastante colegas (homens). Não era como agora que é diferente. Namoro, quando ficar perto de moço sozinho? Nunca. 

O casal Francisco e Rosa Scalzitt e filhos – avós de Manoelina Paes Delgado

O bairro rural Água Espraiada (hoje) era a fazenda que o meu pai comprou com o empréstimo que fez com o meu avô, Francisco Paes, e ele pagou com o dinheiro da lavoura do algodão que a família toda plantou. Eu ia trabalhar lá pra plantar algodão, a gente plantava com as mãos, não tinha ferramentas, não tinha nada de recurso. Meus dois irmãos riscavam a terra com um burro e nós plantávamos, adubava todos aqueles riscos e depois colocar todas as bolinhas de sementes de algodão em cima daquele adubo que foi posto na terra e, cobrir tudo com os próprios pés.

A terra ficou para os filhos herdeiros e hoje é o bairro Água Espraiada. 

A Capela de São João Batista, no bairro Água Espraiada, foi construída por causa de uma promessa que meu avô fez ao prometer rezar o terço por sete anos e passar para o filho e netos. 

O meu avô fez por sete anos a reza do terço na noite de São João. Ele passou esse compromisso  para o meu pai. Meu pai fez a reza do terço por mais sete anos – eu me lembro quando ele fez a festa pra São João Batista, foi uma festa até o amanhecer, muito bonita. A festa que meu avô fez eu não me lembro. 

Do compromisso do meu pai, a reza do terço passou a ser feito na casa do meu irmão mais velho, que fez por mais sete anos. Depois passou para o outro irmão, o João Paes, mais sete anos. Depois passou para o Antônio, por mais sete anos. Quando foi passar para o Francisco, ele doou o terreno para fazer a capela em devoção a São João Batista. Daí os outros irmãos não fizeram mais a reza do terço em suas casas e todos vinham lá na Capela ajudar na Festa de São João Batista. 

Na Semana Santa a gente (a família toda) ia, todo ano, a pé, de lá de onde nós morávamos até Artur Nogueira. Quando começava a quaresma, a minha mãe já guardava todas as carnes, ela não deixava comer carne, a gente só comia peixes e algumas coisinhas de mistura. Na quaresma não tinha festa, não tinha nada. Tinha reza do terço na casa do meu pai duas vezes na semana, na quarta e na sexta-feira, a gente vinha cansado da roça, jantava e ia rezar no altar que tinha na sala e lá, ele e todos os filhos rezavam ajoelhados perto dele. 

Ele era um homem muito religioso e também ajudava o padre na missa, como se fosse um ministro (nos dias de hoje). Todos os domingos ele nos levava a missa em Artur Nogueira. O meu pai rezava o terço por todos os lugares onde era chamado. Quando morria alguém, meu pai fazia a novena dos Nove terços – essa tradição ainda existe na família. 

A reza da Marciana, minha filha caçula, nós rezamos nove noites a partir do dia seguinte ao enterro. No dia seguinte eu abri a casa, fiz um altar com a foto dela e os santos que tenho. Depois da reza foi servido um café na cozinha. Terminada a novena dos Nove terços durante as nove noites seguidas, a cada mês rezamos o terço até completar um ano. Quando o meu marido morreu foi do mesmo jeito, foi rezado por um ano todo mês. É assim e sempre foi desde o meu pai. 

José Delgado (In memorian) e Manoelina Paes Delgado

Como a senhora conheceu o Sr. José Delgado, seu marido? Ele morava pertinho da minha casa, é meu primo. Primeiro não usava namoro na casa, o meu pai e minha mãe não aceitavam. Tratava o casamento, chegava o dia, casava e conhecia o marido, antes não. Nós casamos ele tinha vinte e um anos, eu, quinze anos. Ele pediu pra mim primeiro, escondido (em namoro), eu tinha dez anos – ninguém sabia que a gente se gostava. 

Daí, a gente podia conversar um pouco no consultório do dentista. Eu ia arrumar os dentes e ele estava lá também. Meu pai levava na missa, depois me deixava no dentista e saia. Lá, que a gente conversava. Às vezes, quando ele vinha em casa, eu estava pro lado de dentro, ele ficava pra fora. A gente conversava na janela, ele pra fora, eu dentro. Os irmãos já percebiam e vinham todos ali em volta. Não podia namorar em casa, só casar. 

Os nossos pais descobriram que a gente se gostava. O meu pai ficou com medo de consentir por que nós éramos primos. Ele pediu para o padre enviar um telegrama para o Papa perguntando se tinha algum problema em consentir o casamento e se a Igreja abençoava um casamento entre primos. Veio a resposta que não tinha problema não. A Igreja não considera um pecado. 

O que Manoelina não sabia era que suas três filhas se casariam com parentes também e, que seus genros seriam primos entre si. 

Por mim, eu queria esperar completar dezesseis anos pra me para casar no cartório e na igreja, de uma vez. Ele não quiz esperar por que tinha muita rapaziada lá em casa por causa dos meus irmãos. Ele tinha medo que eu largasse dele – eu precisei me casar com quinze anos só na igreja e quando eu completei dezesseis anos fui casar no cartório civil. 

Como foi o seu casamento? Foi um casamento bonito com festa (fala com orgulho). O meu pai pagou pra costureira de Artur Nogueira fazer o vestido, ficou um vestido bonito. Quando eu fui lá, estava prontinho, era só vestir e casar. Muito bonito, só que eu não pude tirar foto por que eu me casei em Artur Nogueira e lá só tinha um carro (táxi). Esse carro veio me buscar, enquanto eu casei, ele foi buscar outra noiva. Levou a noiva na Igreja e me trouxe embora e não pode me levar em Cosmópolis (SP) pra tirar foto, porque em Artur Nogueira não tinha retratista. Mas está bom porque eu vivi tão bem!

O meu irmão mais velho, quando se casou, foi e voltou da Igreja de charrete, não tinha carro pra vir buscar. Quando eu me casei tinha o carro de aluguel mas, não tinha o fotógrafo. 

Teve uma festa boa na casa do meu pai, ele matou um boi. Foi um almoço lá em casa para toda a irmandade antes de ir pra igreja. Fomos pra igreja, nos casamos. Voltamos, era o jantar. Teve almoço e janta. E durante a noite inteira teve comida para os convidados. No meu casamento, aquele tempo não usava bolo da noiva. Usava uma leitoa pequena inteira assada e no meu casamento tinha – não era todo casamento que tinha – meu pai fez leitoa assada pra mim (risos). 

Uma belezinha de leitoa, em pé, recheada de farofa ela parou em pé, colocada na mesa da noiva. Era bonito.Tinha doces de todas as qualidades, de laranja, de cidra, de mamão, quantas latas de doces a minha mãe fez! 

Tinha música ao vivo no baile, só violeiros de Engenheiro Coelho (SP), lá tinha uns folgazãos bons. Amanhecia os folgazãos cantando e tocando. No outro dia de manhã a mãe teve que fazer comida pra dar o almoço pro pessoal antes deles partirem. Na casa do meu pai fazia as coisas pra sobrar. 

Não se dava presentes para os noivos. Ganhei ganhei meia dúzia de copos, meia dúzia de xícaras e meia dúzia de colheres. Aquilo valeu muito pra mim. Vinha toda aquela gente comer e não trazia nada. 

Sebastiana e Antônio Delgado, pais de José Delgado

Nós moramos sete meses com os meus sogros Antônio e Sebastiana Delgado, pertinho da casa dos meus pais, mas ficava a semana inteira sem ver a minha mãe por que eu ia na roça. Depois nos mudamos para o outro sítio do meu sogro. O meu primeiro filho, Antônio, foi gerado na roça, eu parei de trabalhar três meses antes do nascimento dele. Uma vida de trabalho mesmo estando grávida, aí veio o Joaquim, a Maria. 

Quando eu tinha criança pequena eu não podia ir na roça trabalhar, então, eu costurava em casa as encomendas de costuras. Eu costurava bastante calça e camisa de homem, e pegava enxoval de nenê pra bordar. O meu marido chegava da roça e olhava as crianças pra eu cortar todas aquelas calças, de noite com lamparina acesa por que não tinha lâmpada. E no outro dia eu punha o nenê no berço e com um pé eu balançava e com as mãos eu costurava (risos). Quantas calças eu fiz na minha vida assim (ri orgulhosa do feito). Eu nunca tive quem olhasse o nenê, nenhuma uma pagem, eu criei todos sozinha. Minha sogra vinha ajudar na dieta pra lavar a roupa que tinha que lavar no rio. Não tinha poço acima do rio, então, tinha que buscar água do rio pra usar dentro de casa – eu tinha duas crianças e não tinha poço em casa. Eu ia buscar água com uma criança no braço, um balde de água e o nenê no outro braço. 

João Delgado (In memorian), filho de Manoelina e José Delgado

Quando nasceu o meu menino, o João, ele nasceu doentinho com o coração grande. Tratamos muito tempo aqui em Limeira e os médicos não descobriam o que ele tinha. Levamos ele pra consultar em Campinas, lá descobriu. Ele ficou sete dias internado lá. E todo mês eu levava pra consultar por seis meses e, ele morreu com dois anos e meio. Um menino demais de bonito. Ele era grandão pela idade dele. 

Eu fiquei louca por causa do menino depois da morte dele. Eu ia todo dia na roça. Fazia comida de madrugada, aprontava os três pequenos, o Antônio, o Joaquim e a Maria e mandava eles pra escola. Eu ia na roça e levava eles comigo pra apanhar algodão depois da escola. Eu ficava lá na roça. A tarde a gente vinha, dormia. No outro dia, ia outra vez. A semana inteira assim pra não ficar em casa e ver as coisas do menino. Eu sofri muito por causa do menino, meu Deus. Era um menino ladino demais, falava todas as coisas, era muito inteligente. 

O que ajudou a senhora nessa situação de dor ? 

A roça. Lá eu esquecia da minha vida. Ele (pai) também sofreu demais. Ele estimava muito a família. Ele nunca raiô com a família dele. Era muito amoroso com os filhos e netos. Ele queria tudo em perfeita ordem. Se tinha um problema na casa de um filho, ele ia lá resolver. E resolvia. Às vezes o pai não podia com os filhos e o avô ia lá e dava a ordem, ele tinha autoridade. Era uma pessoa serena que não reclamava, não xingava. 

O João faleceu em casa. Catorze dias antes, fomos em Campinas, o médico examinou ele e disse que precisava internar ele pra receber soro e sangue. Eu perguntei ao médico: mas ele vai melhorar com esse remédio? Ele disse: “não. Ele vai morrer. Ele não vai durar muitos dias. Mas se fizer a infusão de sangue e o soro ele dura mais uns dias”. Eu falei: então eu vou levar ele pra casa, ele vai morrer em casa – levou catorze dias pra ele morrer. 

Ele ficava o tempo todo nos meus braços, ele não ia com ninguém. Ele tinha falta de ar. Pra mamar ele tirava duas, três chupadas de leite e virava o rosto pra buscar o ar pra respirar. 

Como é uma mãe esperar a morte de um filho, dona Manoelina? Ele morreu nos meus braços. Ele não largava de mim de jeito nenhum, ficava o dia inteiro nos meus braços. Que jeito que eu ia ficar depois que ele foi embora, né? 

O Antônio me ajudava distraindo o irmão. Ele tinha uma bicicletinha e levava o João lá em cima e trazia até aqui embaixo. Assim eu podia fazer algum serviço, e comer. Ele não podia comer a comida da gente. A comida dele era sem sal. Eu ficava sem comer porque ele não largava de mim. Não foi fácil não. Como o menino faleceu em casa, o meu marido fez uma outra casa nova no sitio pra gente se mudar. 

A minha filha Maria morreu com quarenta e sete anos. Ela teve câncer no seio e retirou também o útero, ficou sete anos curada. Curada ela teve um acidente vascular cerebral (AVC). Depois de um ano e meio ela teve o câncer de novo, no pulmão. Sofreu demais. A sua filha Josiane, solteira, que cuidava da mãe faleceu antes. Por que ela tinha a doença lúpus desde os catorze anos. Com a mãe acamada ela se descuidou do tratamento, ficou depressiva. Ela morreu. Depois de seis meses da morte da filha, a Maria morreu no mesmo ano. 

A minha filha Marciana, a caçula, também morreu, com trinta e oito anos, casada e morava aqui comigo. Ela teve depressão depois que o pai morreu. O corpo ficou debilitado, ela foi perdendo os movimentos, não falava mais – ficou por cinco anos na cama. 

Eu tive ela com quarenta e dois anos. Eu já tinha cinco netos quando ela nasceu. Eu tinha vergonha da família por estar grávida com essa idade, eu grávida, e os meus netos todos grandes. Ela era um nenê linda quando nasceu, loira dos olhos azuis, ela morreu bonita. Fazer o que? Não era pra ser da gente. Eu senti tanto, meu Deus! 

O casal José (In memorian) e Manuelina e os filhos Antônio, Joaquim, Maria (In memorian), Terezinha, Aparecida e Marciana (In memorian)

De sete filhos, eu só tenho quatro; Antônio, Joaquim, Maria (in memorian), João (in memorian), Teresinha, Aparecida, Marciana (in memorian), Benedita (natimorto); dezesseis netos e catorze bisnetos. E fiquei sem o meu marido. 

Quando ia completar os esperados 90 anos, recomendou que não lhe fizessem uma festa surpresa por que a família gosta de surpreendê-la com festas. Um ano fizeram festa surpresa pra mim, não me contaram nada. Foi chegando gente aqui em casa e eu nem banho tinha tomado ainda. Eu tinha só um irmão, chegou o meu irmão. Ele faleceu esses dias. Foi chegando mais gente. Eu fiquei pensando, meu Deus! O que é que eu vou dar pra toda essa gente comer? Eu fiquei nervosa. Depois que chegou bastante gente, eles me contaram que era uma festa surpresa pra mim. Com a casa cheia de gente eu precisei ir me arrumar. Então, pedi que me avisassem se tivessem preparando uma festa pra mim. Eles me avisaram sobre a festa dos meus 90 anos. 

Como é fazer 90 anos? 

É bonito! É gostoso por causa dos netos, bisnetos. No dia da festa foi a coisa mais linda! Eles vieram todos. Manoelina sempre gostou de comemorar o seu aniversário, as datas comemorativas como o Ano Novo, sempre com um almoço para a família toda. 

Quando foi perdendo os filhos ela foi ficando sem motivação para as comemorações. Mas com o tempo foram retomando as festas com os netos e bisnetos. A idade que ela vem alcançando com maestria é mais que um belo motivo para justificar a volta das comemorações. A alegria dela é que todos estejam a sua volta. Ela diz: é a coisa mais bonita do mundo! Eles me tratam de vó, todos, até os casados me pedem a benção. 

É paparicada pela família, não precisa mais trabalhar, mas não abre mão de ajudar a cozinhar. 

Gosta de rezar, passear, visitar os doentes. 

Recentemente ela queria visitar o único irmão vivo, dos dez, o João Paes. O irmão não estava muito bem, passaram uma tarde inteira juntos. Ficou por três horas sentada do lado do irmão conversando, almoçaram, tomaram café da tarde juntos. Dias depois da visita João Paes partiu. Ela conta da visita: conversamos do tempo que éramos crianças, do tempo que tínhamos o monjolo pra fazer farinha. Íamos pra roça juntos, subíamos em árvores, pintávamos o caneco na roça. Com ele, aquele dia eu não vi o dia passar. Conversamos bastante. Ele não queria que eu viesse embora. Ele queria que eu ficasse lá por uma semana com ele. Eu não podia por que eu tomo muitos remédios. Mas mesmo assim, ele queria que eu ficasse, coitado. Agora eu fiquei sozinha.

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