Não se vive em plenitude sem a possibilidade de escutar, de contar histórias e de se apreender sob a forma de conhecimentos, ou melhor, de sabedoria. A narrativa de memórias ativas nos trazem a contextualização de uma época, de uma comunidade, de um município e região; a partida para o entendimento da cultura, da economia, das relações pessoais e políticas; tudo isso numa conversa prazerosa durante uma tarde, com o casal Osmar e Leonor Elza Doring Dibbern. 

Osmar Dibbern nasceu na fazenda Campo São Bento, Limeira, SP, uma fazenda grande, tinha uma colônia com 12 casas. Os proprietários mantinham na fazenda a produção de bambu e eucalipto para a indústria de papel e celulose Ribeiro Parada. O bairro Parque Hipólito, hoje grande e populoso, era a fazenda Aliança, que pertencia ao mesmo grupo de empresário da indústria de papel. A empresa Ribeiro Parada S.A., do senhor Hipólito Pinto Ribeiro começa em 10 de novembro de 1959, sendo que em 2005, a Suzano e a Votorantim Celulose e Papel (VCP) adquirem o controle da empresa.

Osmar Dibbern filho, Leonor Elza Doring Dibbern e Osmar Dibbern

A história do homem com o papel começa pelo pergaminho surgido na Ásia, na cidade de Pérgamo, por volta do século 2 a.c. Era produzido com pele de animal, geralmente carneiro, bezerro ou cabra. As peles passavam por um banho de cal e eram colocadas para secar em uma moldura de madeira. O pergaminho era um material nobre, usado para documentos muito importantes. Mas o papel, tal como o conhecemos hoje, teve origem na China: misturando cascas de árvores e trapos de tecidos. Depois de molhados, eram batidos até formarem uma pasta. Esta pasta, depositada em peneiras para escorrer a água, depois de seca tornava-se uma folha de papel.

A construção do armazém da Fazenda Saxônia: Segundo a numeração em cada pessoa corresponde a: 1- Christiano Dibbern, 2- José Chenevis, 3- Frederico Tetzner e 4- Armando Tetzner (criança)

“Aquela plantação de bambu que tem na pista de teste da indústria TRW (rodovia Limeira/Mogi Mirim) fomos nós (funcionários), que plantamos para fazer papel, celulose. O bambu e eucalipto deu lugar a cana-de-açúcar, cultura atual. Meu pai Christiano Dibbern trabalhava de empregado no armazém do Guido Tetzner, no bairro do Pinhal. Na foto da década de 1920, que eu guardo, tem o armazém da Fazenda Saxônia, meu pai e o pai do Sebastião Cheneviz, Frederico Teztner e o Armando Tetzner moço. O Guido tinha um livro onde anotava o que vendia fiado para os moradores do bairro, naquela época em 1924, por aí, eles compravam para pagar por ano. A família construiu um sobrado na propriedade, então, o armazém foi transferido para a nova construção. Em cima a residência da família Tetzner, em baixo o armazém”, Osmar Dibbern contou. 

Dona Elza na artesania dos bordados abrolhos e macramê

O pai de Osmar e o pai de Sebastião Cheneviz mantinham uma amizade muito fraterna. “O meu pai e o José Cheneviz se casaram no mesmo dia, aquele tempo os patrões eram muito rígidos então, pra não deixar perder o dia de serviço marcaram no mesmo dia. São compadres e pediram a conta no mesmo dia. Quando se casaram, o meu pai saiu de lá da fazenda Campo São Bento, a minha mãe morava aqui (no sítio), daí eles foram morar na cidade”, relembrou. 

Osmar estudou na usina Tabajara, a esposa Elza estudou na escolinha do bairro do Pinhal, com a professora Dona Marina, de Limeira. Anos depois construíram uma escolinha na propriedade de Artur Ivers. “Eu tinha seis anos, ia pra escola na companhia da minha irmã, saíamos a pé às 5:45h para chegar às 6:30h na escola; passávamos por uma subida que tinha na minha casa. Minhas amigas de classe, eram da família Santa Rosa e da família Benvenuto”, contou dona Elza. 

“Nasci e trabalhei na fazenda São Bento até 1972”, relembra Osmar. Em 1961, Osmar e Elza se casam e ficam morando na colônia da fazenda São Bento, por 12 anos, tiveram os filhos Carlos Eduardo, Marli Cristina (in memorian) e o Osmar. O casal se conheceu nos bailes da fazenda Tabajara. “Mas nós dançávamos! A fazenda Tabajara era uma usina de açúcar e proporcionava lazer para os moradores e vizinhos, tinha time de futebol, lá tinha os bailes, tinha cinema todos os sábados. Os filmes eram legendados e o pessoal não conseguia ler, porque tinham estudado somente até o terceiro ano da escola e não acompanhava. O baile acontecia uma vez por mês, ali moravam uns músicos, tinha sanfoneiro, os demais vinham de Artur Nogueira para o arrasta pé, sanfona, e tinha Carnaval”, contou Osmar. 

Dona Elza descreve mais detalhes,“o carnaval naquele tempo a gente dançava, não pulava. Era muito elegante, com samba, marcha, rancheira, eram danças com muito respeito. Não tinha o hábito de colocar enfeites nas roupas nem nos cabelos. Eram três dias de baile, eu vinha a pé a noite, com meu irmão, que era danado. A gente atravessava a pé pelo meio da plantação de eucalipto e quando tinha ventania, a planta fazia barulho e meu irmão nos assustava dizendo era uma assombração, eu corria assustada. Tinham muitas lendas mas, na verdade, a gente nunca viu. Um dia, vínhamos do baile, às 3:30h, era longe, chegávamos em casa quase às 5h. Ali onde morava a minha tia, havia muitos cachorros, tínhamos que passar na estrada, eles correriam atrás de nós e meu irmão falou: ‘vem vindo assombração’, eu agarrei no paletó dele com tanta força que rasguei, de tanto medo. Depois que eu vi que eram os cachorros”, disse Elza. 

Sra. Alvina Luiza Ivers, era parteira e o caderno com o registro de 240 nomes das mães que ela atendeu

A mãe de Elza, Alvina Luiza Ivers, era parteira e quando faleceu, deixou um caderno com o registro de 240 nomes das mães que ela atendeu. Ela anotava todos os nomes das mães paridas por ela. Muitas mães tiveram dez filhos, atendia de graça. Ela percebeu que tinha o dom sozinha, quando a minha irmã Hermínia Sofia (in memorian) estava grávida ia nascer o primeiro neto Wilmar (in memorian), ela fez o parto espontaneamente há 77 anos e não parou mais”, revelou Elza. 

“Eu era o motorista da fazenda antes de namorar com ela, era eu quem ia buscar a dona Alvina para atender as esposas dos empregados da fazenda. Acontecia sempre a noite, de madrugada. Ela morava perto do Centro Rural. Eu chegava lá para buscá-la — ela já me conhecia, eu batia palmas, ela olhava e via que era eu — o pai da criança ia antes na casa dela combinar que dali alguns dias a esposa ia precisar dela. Ela saia de casa, à noite, com uma sacola grande, com farolete nas mãos, levava lamparina, vela, a tesoura para cortar o umbigo, desinfetante, iodo, usava água quente para desinfetar tudo. Aqui tinha energia elétrica mas, na maioria das casas que ela ia não tinha não. Na casa dela, eles tinham um gerador. Muitas vezes, quando ela chegava para fazer o parto, encontrava o pai da criança bêbado. Eu deixava ela lá e vinha embora, porque nunca se sabia quanto tempo ia demorar. Quando terminava iam me avisar para buscar a dona Alvina. A comunidade fez uma homenagem a ela dando o seu nome ao Ambulatório do bairro do Pinhal”, lembrou Osmar. 

As famílias Doring e Dibbern são queridas e reconhecidas na comunidade com a homenagem a dona Alvina e a filha Marli Cristina Dibern, professora, lecionou por 29 anos na rede de ensino do município, para o ensino infantil, a Escola Infantil do Centro Rural, hoje, leva o seu nome. 

Guilherme Doring, pai da dona Elza, deixou seis filhos. Mantinha propriedades em Limeira, e também em Conchal, SP, e Engenheiro Coelho, SP. Com auxílio dos filhos colhiam laranjas para exportação. Sempre dedicado e ativo na comunidade, na época que não tinham asfalto, os vizinhos Artur Ivers e Artur Pulzs, se revezavam todo mês para que cada sitiante fizesse a manutenção da estrada passando a plaina, com o próprio trator. Antes da construção da pista de testes da Freios Varga, hoje pertence a TRW, a estrada tinha outro percurso, saía reto na rodovia Limeira/Mogi Mirim. Ninguém tinha carro no bairro, na rodovia passava o ônibus que ia para a cidade de Mogi Mirim, SP, de manhã e à tarde, então, o trecho da estrada era movimentado pelo pessoal que vinha a pé pegar o ônibus.  

A nostalgia de uma época em que a comunidade era pujante tanto na produção agrícola como nos trabalhos da comunidade, através de mutirões e empreitadas que davam glamour ao bairro do Pinhal, não saem das lembranças de Osmar. Ele foi presidente do Centro Rural do Pinhal por nove anos e também presidiu a Cooperativa da qual lamenta o declínio. Havia até uma festa do peão, que acontecia durante três dias, sempre no final de semana, “o Centro Rural do Pinhal terceirizava  para o dono dos bois. O Mauro Cuoghi, de Cosmopolis, SP, fazia a festa. É uma festa cara, teve um ano, que choveu uma noite inteira. As despesas eram altas, os bois são pagos, tem que ter show bom, baile com orquestra boa; esse Mauro fazia tudo e nos dava 10% livre para o Centro Rural do Pinhal. Nós ficávamos com as barracas dos vendedores e mais 10% da entrada. Os prêmios eram doados, até o prefeito Jurandir Paixão (in memorian) também dava o primeiro prêmio e fazia os cartazes. Foram nove anos a fio, depois parou. Na época dos mais antigos, você fazia uma festa junina, já era considerado um festão. Quando a diretoria anunciava que ia fazer a festa, acontecia uma festinha (reunião) porque todos iam até lá para fazer os espetinhos de bambu, participar do mutirão da limpeza, com 40, 50 pessoas trabalhando. Hoje, se fizer um mutirão lá, não vai ninguém. Foi acabando tudo. Os mais novos estão aí, só que ninguém ajuda”, lamentou Osmar. 

A serenidade do casal revela o bem viver, com a satisfação de que através do trabalho na comunidade, contribuíram para a sociedade limeirense. 

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