Uma pesquisa de iniciação científica, conduzida pela doutora em Urbanismo, Alessandra Argenton Sciota, a partir do desdobramento de seu trabalho de doutorado, avaliando o aspecto específico de Limeira juntamente com os alunos Bruna Barreto Homsi, Mayara Rosseti Chagas e Thiago da Silva Felizardo, do curso de arquitetura da Faculdades Integradas Einstein de Limeira, teve o objetivo de entender se os conceitos novos que o Plano Diretor de 2009, trouxe para Limeira (SP) foram implementados ou não. “São conceitos na forma da cidade especificamente, se os loteamentos (vinte e dois implantados desde então e avaliados pela pesquisa) saíram conforme a lei estipulava, quanto a qualidade de áreas verdes, qualidade de circulação, garantia a integração da cidade como um todo, possibilitando uma qualidade urbana e de paisagem melhor. Então, esses aspectos foram pesquisados para poder afiançar se foi cumprido ou não o Plano Diretor”, destacou Alessandra.

A doutora em urbanismo Alessandra e a publicação no portal de arquitetura e urbanismo Vitruvius

Durante a entrevista realizada, Dra. Alessandra apontou vários critérios na elaboração do Plano Diretor, instrumento legal brasileiro de planejamento urbano, instituído pelo Estatuto da Cidade, que traça diretrizes, propõe metas e define regras para o ordenamento, a produção e o desenvolvimento físico da cidade. O Estatuto da Cidade e a Constituição apontam o Plano Diretor como o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, na busca do desenvolvimento harmônico dos municípios pois, através dele pode-se definir previamente qual o melhor modo de ocupar o território de um município ou região, prevendo os pontos onde se localizarão as atividades, e todos os critérios para usos do espaço, presente e futuro. 

Em Limeira, as discussões sobre o Plano Diretor, começaram em 2007, envolvendo as secretarias municipais, encabeçada pela Secretaria de Urbanismo estimulando a população em diversas reuniões participativas, promovidas nos bairros, além de debates e audiências públicas ocorridos na Câmara de Vereadores, que culminou em uma lei municipal aprovada e sancionada no ano de 2009. “Foi um debate com a sociedade por dois anos para chegar num projeto de lei. A participação social, nesse processo, é um pacto social feito com a cidade a partir da proposta de uma nova lei”, afirma Alessandra.

O trabalho de pesquisa e levantamentos de dados foi realizado durante quatorze meses, com os quatro pesquisadores se debruçando sobre o tema; “Avaliação da forma urbana resultante do Plano Diretor em Limeira (SP)”, publicado no portal de arquitetura e urbanismo Vitruvius (https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/23.266/8554). “O material utilizado foram as plantas dos loteamentos disponíveis na Prefeitura Municipal, onde qualquer um pode fazer essa verificação e na utilização de fotos aéreas. Eu já vinha avaliando, desde o meu mestrado, o território de Valinhos (SP), e o que chamou a atenção, foram os condomínios que tiveram uma explosão gigantesca por volta da década de 1990, antes daqui de Limeira. Existiam à época mais de cem núcleos fechados lá que geraram muitos entraves. Então, essa discussão do meu mestrado apresentei na elaboração do Plano Diretor de Limeira onde, em 2007, fui coordenadora”, ela disse.

Segundo os pesquisadores, foram encontradas diversas situações na implantação dos loteamentos, principalmente quanto a localização (Imagem: Elaboração dos autores)

Projeto de loteamento

De acordo com a lei federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o ‘Parcelamento do Solo Urbano’, descreve no ‘capítulo III – Do Projeto de Loteamento’, artigo sexto; “antes da elaboração do projeto de loteamento, o interessado deverá solicitar à Prefeitura Municipal, que defina as diretrizes para o uso do solo, traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário, apresentando, para este fim, requerimento e planta do imóvel”. No artigo sétimo, “a Prefeitura Municipal (…) indicará, nas plantas apresentadas junto com o requerimento, de acordo com as diretrizes de planejamento estadual e municipal”: “as ruas ou estradas relacionadas com o loteamento pretendido e a serem respeitadas; a localização aproximada dos terrenos destinados a equipamento urbano e comunitário e das áreas livres de uso público; a zona ou zonas de uso predominante da área, com indicação dos usos compatíveis”, esses e outros critério constam na legislação federal.

Segundo os pesquisadores, foram encontradas diversas situações na implantação dos loteamentos, principalmente quanto a localização. Alessandra observa, “na periferia a gleba original é mais barata. Se não tem rua pública, não tem acesso, é mais barato e compensa para o loteador fazer longe da cidade. Ele vai pagar a terra mais barata, coloca toda a infraestrutura e vende pelo preço mínimo de mercado. 

Nas imagens aéreas utilizadas no estudo, é possível ver manchas vazias no meio do espaço urbano de Limeira, isso chamamos de vazios urbanos. São esses vazios que deveriam ser utilizados prioritariamente, a lei estabelece isso. Encontramos loteamentos que estão completamente desconectados da mancha urbana, não deveria nem acontecer, só tem uma avenida ligando. A cidade se transforma (na analogia de) um polvo com seus braços. Nesse sentido, como fazemos com o transporte coletivo, que teria que percorrer uma grande distância apenas para atender um bairro? Quanto custa essa extensão que será dividida e rateada por toda a população, que estará pagando? 

Conforme a legislação, o proprietário ou o loteador da gleba vai até a Prefeitura, mostra o levantamento com a localização, as inclinações do terreno, as nascentes e área de mata, por exemplo; a Prefeitura, de posse do projeto, analisa e determina as diretrizes. Só que a Prefeitura de Limeira abria mão de fazer isso, pois o loteador trazia o desenho pronto e ela batia um carimbo em cima”, afirma.

Alessandra explica que há mecanismos para solucionar vazios urbanos, como cita, “uma área parada há vinte anos, é o caso de aplicação de IPTU progressivo, notificando o proprietário que deve parcelar a gleba em até cinco anos. No primeiro ano o valor do IPTU é normal, no segundo ano o IPTU vem sobretaxado e essa sobretaxa vai progressivamente aumentando ano a ano de forma a que fique muito caro manter o imóvel. É um instrumento previsto para que se possa ocupar as áreas urbanas que estão vazias e forçar essas glebas paradas que são especulação. Pode ser que sejam ferramentas que causem dilemas mas, são importantes que está previsto no Estatuto das Cidades”, destaca.

Disposição transitória

Uma outra questão revelada pelo estudo é sobre loteamentos surgindo no vigor da lei do Plano Diretor e sendo aprovados seguindo as exigências da lei anterior, de 1998 e 1999. “Existe, em toda lei, uma disposição transitória que estabelece uma faixa entre o que existia e o que vai passar a existir. O que fizeram com a disposição transitória no Plano Diretor de 2009? Fizeram uma faixa gigante que abarcou 16 loteamentos aprovados com a exigência anterior. A disposição transitória deveria ser usada em caso muito específico, ela foi grande demais. A lei do Plano Diretor quase não entrou em vigor no aspecto do desenho dos loteamentos. Essa disposição transitória não fazia parte do corpo da lei (do Plano Diretor), foi inserida nos últimos goles durante o processo de participação social, em 2009. Hoje, ela está no corpo da lei e diz que os loteamentos iniciados com diretrizes na lei anterior, deveriam ser avaliados pela lei anterior ao Plano Diretor de 2009”, informou Alessandra. 

O estudo descreve; “Na distorção da lei, a irregularidade dos bairros – um aspecto fundamental na aplicação da pesquisa refere-se ao fato de que dos 22 loteamentos aprovados e implantados na vigência do Plano Diretor, dezesseis deles tiveram sua aprovação realizada seguindo-se as exigências da lei anterior mediante a introdução, na fase final do processo de construção da lei em 2007, de uma disposição transitória (artigo nº 306), cuja função seria intermediar, temporariamente, a transição de uma lei à outra, possibilitando a finalização de processos administrativos pela lei anterior em que foram protocolados. 

Disposição transitória, conforme afirma Denise Cristina Mantovani Cera, é aquela elaborada pelo legislador no próprio texto normativo, para disciplinar, durante certo tempo, a transição do sistema antigo para o futuro. Entretanto, essa disposição transitória da Lei Complementar (LC nº 442/2009) não foi concebida com tempo de duração, como condição fundamental para sua existência, pois disciplinou em seu artigo nº 306, que: ‘“Os projetos de loteamentos ou fracionamento que tenham diretrizes expedidas antes da promulgação desta Lei terão sua aprovação final mediante os dispositivos das Leis Complementares nº 199/98 e nº 212/99 e suas alterações”’. Porém, essa lei anterior (Lei Complementar nº 212/1999) estabeleceu que a vigência da diretriz teria um período máximo de 360 dias, conforme seu artigo 20: ‘“As diretrizes expedidas vigorarão pelo prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias, contados a partir da data de publicação da notificação de sua expedição no Diário Oficial do Município”’.

No relato sobre o trabalho acadêmico, Alessandra pontua a disposição transitória, “nem foi perfeitamente dimensionada, teria que durar um tempo. Dos 22 loteamentos da pesquisa, 16 loteamentos foram aprovados pela lei anterior. Além disso, a Prefeitura dá as diretrizes conforme suas leis, esse processo de informação é feito com validade de 360 dias (lei 212/1999), sendo que oito loteamentos não cumpriram o prazo estabelecido, tendo sido sua aprovação realizada ultrapassando-se os 360 dias de validade da diretriz e, portanto, realizado de maneira contrária a determinação legal, caracterizando a displicência ao direito à cidade em afronta ao novo Plano Diretor, ao desvirtuar o crescimento urbano planejado. As diretrizes vencidas foram de 8 loteamentos; Alto dos Laranjais, Geada, Parque Tecnológico, Margarida de Holstein, San Martino, Terras de São Bento II, Residencial Florisa e Itapema”, detalha. 

Mosaico dos gráficos dos resultados (Imagem: Elaboração dos autores)

Outras avaliações do estudo

“Lutar pela cidade já é uma coisa que vem de muito tempo, o Estatuto das Cidades é de 2001, levou quase trinta anos para ser promulgado, foram várias lutas para chegar no acordo de um texto. A grande questão de nossa pesquisa é a forma do projeto urbanístico de uma gleba e o impacto que ela causa na cidade. Temos as condições de fazer uma cidade para todos mas, quer se fechar (de muros), tudo bem, desde que respeite os limites de tamanho de lotes, tamanho da quadra, tamanho do fechamento, o entorno para dar uma sensação de cidade dinâmica. Constatamos que a dimensão de área fechada dos núcleos urbanos não foi atendida por nenhum dos loteamentos, 100% deles ultrapassou o limite de fechamento. 59% não atenderam a variação de tamanhos dos lotes, isso mantém a cidade muito homogênea, não é uma cidade mista e agradável para todos, é sempre muito segmentada. Quanto à integração social, treze dos vinte e dois loteamentos não atenderam a diversidade de classes. As áreas verdes, em quinze loteamentos estão localizadas nas bordas como resto de gleba, não estão em uma praça central. Um terço dos loteamentos tem área verde que não atende nem o mínimo do pedido. Seis loteamentos não tem área institucional. Entre os vinte e dois loteamentos analisados, seis são fechados. São muitas desconformidades encontradas. Os critérios colocados no Plano Diretor podem ser colocados de maneira geral em quase todas as cidades, pois são embasados no Estatuto da Cidade. São critérios que ajudam a cidade a ser mais humana, igual, de tecidos que se integram, de pessoas que se conhecem e tem a possibilidade de se integrar às dinâmicas urbanas, seria dar um acesso mais igualitário às pessoas para todas as coisas”, comenta.

Alessandra chama a atenção para algumas das situações, “tem um caso de um loteamento que é murado e a área de mata ficou para fora, ou seja, ninguém vai usufruir desse local. Muito comum as áreas verdes ficarem nas APPs (Áreas de Proteção Permanente), não vai poder por uma quadra, porque a área verde de um loteamento também tem a função ambiental, de lazer e recreação das pessoas. Era muito comum todas essas áreas ficarem só na APP, aí não podia ter quadra, não podia construir um centrinho comunitário, não pode fazer nada de diferente e geralmente são “pirambeiras”. É importante que a gleba tenha acesso público, um loteamento só pode acontecer hoje, se ele for ao lado de um já existente, o que chamamos de contíguo, porque significa que já tem uma infraestrutura de acesso nesses locais. Outra diretriz é a extensão máxima da quadra ser de 200 metros para que as pessoas possam caminhar, para que não sejam extensões inóspitas, que vai perdendo a possibilidade de gerar integração e mobilidade do pedestre na cidade. Os quarteirões que existem na área central da cidade são perfeitos, entre oitenta a cem metros. São muito felizes também porque tem tamanhos de lotes diferentes, isso gera a convivência com classes sociais diferentes. Isso foi uma coisa nova que o Plano Diretor trouxe, mesclar tamanhos de lotes diferentes. Foi elaborado um planejamento, ele foi avaliado, foi julgado, todo mundo concordou mas, quiseram uma outra cidade”, completou. 

Forma urbana produzida

Os resultados da pesquisa apontam uma desconformidade na forma urbana gerada ao desconsiderar os critérios da nova lei, possibilitando a compreensão sobre a qualidade da cidade produzida. A “Integração Social”, “Mobilidade e conexão urbana” e “Paisagem urbana”, proposto pelos critérios legais, que delineavam princípios de igualdade de acesso, de mistura de usos e classes sociais, não acontece e “quem perde é a cidade”.

Finalizando Alessandra avalia quanto ao “avanço que se propunha no Plano Diretor, a pesquisa mostra que ele não aconteceu, do ponto de vista dos loteamentos resultantes, da forma urbana resultante, as melhorias que se esperava com os critérios novos, trazidos pelo Plano Diretor, não se verificaram, o esperado não aconteceu. Acredito que poderia haver uma mudança de comportamento por parte dos loteadores através de um trabalho intenso da própria Prefeitura para fazer uma conscientização, uma capacitação dessas pessoas e a Prefeitura entender porque esses critérios existem, os técnicos que estão lá entenderem a importância de cada um desses critérios, porque eles refletem uma qualidade, ou não, da cidade futura. É possível? É! Um trabalho grande, que envolve uma questão cultural da própria Prefeitura no processo de aprovação. É preciso alguém que queira encampar a preocupação pela cidade. Ser apenas um escritório burocrático de aprovações é muito fácil acontecer mas, ter o empenho de uma mudança, requer uma postura mais rigorosa de olhar para a cidade e atender o critérios para que essa cidade tenha mais qualidade.  É produzir um conforto geral para a cidade”, concluiu Alessandra.

One thought on “Avaliação da forma urbana resultante do Plano Diretor em Limeira (SP)”

  1. Muito boa a entrevista, resultante de um sério trabalho de pesquisa da professora e alunos de iniciação científica. Parabéns. Só faltou dizer que a aprovação dos loteamentos, com maioria não cumprindo as exigências legais, é decorrência da convivência de agentes públicos com essas irregularidades.

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