Limeira completa 197 anos nesse setembro de 2023. Uma localidade criada a partir da expansão da fronteira agrícola açucareira. Entre os séculos XVIII e XIX, o fluxo dinâmico do açúcar e o começo das rudimentares agroindústrias, revificava as mortiças Freguesias e as antigas vilas atraindo um contigente populacional na porção do Estado de São Paulo onde se localiza o município de Limeira, uma evolução espacial da cultura canavieira originária da região de Itu. 

Conhecendo nossa identidade não só pelos documentos que carregamos, mas na forma como nos percebemos e nos vemos diante do mundo, influenciados, também, pela formação de nossa cidade, ou seja, a construção de nossa identidade é moldada através das nossas relações sociais, sabendo que cada morador da cidade faz parte deste processo como ser ativo.

Partindo daquela aula de história, onde professores relatavam a passagem do frei franciscano, João das Mercês, em 1781, na parada Rancho do Morro Azul, acompanhando os Bandeirantes rumo ao sertão, sendo acometido por uma febre intensa que o levou à morte e, ainda, a porção de laranjas limas, que carregava acreditando ter poderes medicinais. Teve o esforço de seus companheiros de viagem para sepulta-lo nas proximidades do Rancho do Morro Azul, junto com seus pertences, incluindo as laranjas limas e, anos depois germinaram, assim nasceu um pé de laranja lima, uma limeira. O Rancho do Morro Azul passou a ser conhecido como “Rancho da Limeira”, mais tarde, o povoado ali constituído a então, freguesia de Nossa Senhora das Dores de Tatuibi influenciado pela história, modificou seu nome para Limeira.

Frei João, verdade ou não, foi utilizado como instrumento para atrair o interesse e a estrutura eclesiástica, para a formação inicial de Limeira, pois, a doação ao “Santo”, era um pré-requisito de âmbito religioso, no início do século XIX. Sendo tal estrutura religiosa co-responsável com o Estado, pela instalação das povoações brasileiras. Dessa forma foi carimbada nossa “primeira” identidade.

Nome aos bois 

Além de Frei João, outros nomes ganham destaque nas relações sociais e formação do cenário urbano de nossa cidade, vale destaque dois personagens; Capitão Luiz Manoel da Cunha Bastos (1788-1835), português, militar de carreira que, aos 38 anos, solteiro, afastado da vida pública resolveu ser produtor rural comprando, em 1820, parte da sesmaria do Saltinho na região de Limeira. Capitão Cunha Bastos ampliava sua produção e posses, nos idos de 1832, ratificou a doação de uma gleba de terras de cerca de 112,5 alqueires à Sociedade do Bem Comum da Limeira, irmandade da Igreja de Nossa Senhora das Dores de Tatuibi, ficando com a responsabilidade pela destinação dos terrenos e a forma de aquisição destes espaços, ora administrada pelo Senador Vergueiro, o outro personagem em destaque. Capitão Cunha Bastos foi vitimado por uma emboscada em suas próprias terras, faleceu em 12 de setembro 1835, sem deixar testamento, não era casado e “nunca teve filho algum natural”. Agora, com a doação da gleba nossa identidade se reafirma no espaço geográfico.

O outro personagem, Senador Nicolau de Campos Vergueiro (1778-1859), também português, era formado em direito, chegou ao Brasil em 1804. Casou-se com Maria Angélica de Vasconcellos, com quem teve dez filhos. Em 1817, instalou o Engenho do Ibicaba nas cercanias da sesmaria do Morro Azul. Constituiu a empresa Vergueiro & Cia. responsável pela vinda de imigrantes da Europa para mão de obra em sua fazenda, antes mesmo da abolição da escravatura. Escravos negros, imigrantes portugueses, suíços e alemães formavam uma população de 500 moradores na Fazenda Ibicaba, cujo sistema de funcionamento aparentava uma espécie de comunidade autônoma, circulando, até mesmo, uma moeda própria. 

Parceiros

Os imigrantes foram contratados pelo chamado “Sistema de Parceira”, modelo de colonização que obteve sucesso durante praticamente uma década pois, eles começaram a se sentir lesados. Entre as insatisfações estavam a necessidade de produzir o próprio alimento, em pequenos espaços cedidos ou comprar mantimentos na mercearia da fazenda a preços extorsivos. Esses colonos também eram obrigados a quitar sua dívida da viagem com trabalho, por um período de quatro anos, no mínimo. Sendo que empresa Vergueiro & Cia. teve respaldo estatal para financiar a viagem da Europa até o Brasil. A insatisfação dos colonos resultou, em 1857, na chamada “Revolta dos Parceiros”, momento em que alguns imigrantes alemães se instalaram, adquirindo terras em conjunto, no Bairro dos Pires. Durante a rebelião se destacou o mestre escola Thomaz Davatz, homem letrado que exercia também papel de observador do governo suíço na Fazenda Ibicaba. Davatz acabou voltando para sua terra de origem e escreveu o livro “Memórias de um colono no Brasil”. Com a chegada dos imigrantes absorvemos o comportamento Europeu em nossa identidade, adicionando os costumes das comunidades cristãs protestantes, em especial, os luteranos. 

O caráter formador do povoado era decidido através da força do poder dos fazendeiros e beneficiários das sesmarias, assim, Limeira tomou impulso para seu estabelecimento urbano, tendo como marco inicial uma solicitação ao Governo Provincial, para abertura de acesso às fazendas da sesmaria do Morro Azul até a vila de São Carlos (atual Campinas), constituindo a implantação do sistema viário, indispensável ao escoamento da produção das fazendas. A beira da estrada, recém aberta, ocorreu a instalação dos primeiros estabelecimentos. Os sesmeiros, posseiros e fazendeiros não apresentaram oposição a essa instalação, ao passo que Cunha Bastos concedeu permissão para a edificação de uma capela em suas terras e, a área para a implantação do povoado foi dividida com a demarcação de um traçado em xadrez, onde hoje é área central da cidade.

Queda do café 

A região de Limeira estava inserida no “ciclo do açúcar paulista”, sendo substituindo gradativamente pela “era do café”, em meados do século XIX. As fazendas passaram a produzir e exportar a iguaria para o continente europeu, sendo que, essa exportação iria superar (e substituir) a do açúcar. Os senhores de engenho e os “barões do café”, enxergavam nesse comércio, a reserva de mercado de consumo que garantiriam sua ascensão financeira. Conceitos de prosperidade e acumulação de capitais, começava a tomar corpo no espaço da região central da gleba de Nossa Senhora das Dores, local onde os grandes proprietários de terras construíram suas residências. Um principal motivo para comparecer à vila, era administrar seus interesses junto aos poderes da Câmara Municipal, criada em 1844 e, da Igreja, para opinar acerca dos caminhos limeirenses e sua urbanização. A segregação social e econômica foi outro adjetivo somado a nossa identidade.

A Fazenda Ibicaba foi uma das primeiras na região de Limeira a plantar café, iniciando com 6 mil pés. Durante a ascensão da produção cafeeira, havia um terreiro para secagem do grão que chegou a quase 50.000 m2, em sua máxima extensão.

Todavia, no final da década de 1920, as nações europeias diminuíram drasticamente a importação de produtos industrializados e agrícolas dos Estados Unidos, o maior comprador do café brasileiro. O aumento dos estoques de produtos nas indústrias norte-americanas afetou diretamente a Bolsa de Valores de Nova York, numa correria de investidores vendendo suas ações. O efeito foi devastador, gerando a crise conhecida como “A Grande Depressão”, a maior de toda a história dos Estados Unidos. Com a crise, a importação e os preços do café brasileiro caíram. Para que não houvesse uma desvalorização excessiva, o governo brasileiro comprou e queimou toneladas de café. Desta forma, diminuiu a oferta, conseguindo manter o preço do principal produto brasileiro da época.

Em Limeira, praticamente todas as fazendas diminuíram a plantação de café, substituindo pela lavoura de algodão ou arrancando todo cafezal devido a crise americana. Por outro lado, a crise de 1929, trouxe algo positivo para a economia brasileira. Com a crise do café, muitos cafeicultores começaram a investir no setor industrial, alavancando a indústria brasileira. 

A industrialização tomou corpo na área urbana de Limeira, surgindo empresas como Machina São Paulo, Chapéus Prada, Companhia União, Machinas D’Andrea, Machina Zaccarias, Rodas Fumagalli e Freios Varga, atraindo um contingente de migrantes sem precedentes, como mão de obra para essas industrias, principalmente, vindo do estado do Paraná, sendo uma época que Limeira “mandava na (rodovia) Anhanguera”. 

Concomitante com a diminuição das lavoura de café, surge as primeiras plantações cítricas como tangerinas, laranja valência, baianinha, hamlin e grapefruits, cujo canal de comercialização também foi o mercado europeu, despachando pelo eixo da estrada de ferro, inaugurada em 1876, que ligava a Capital e o porto de Santos. O sucesso alcançado pela citricultura em Limeira motivou grandes eventos como a Festa da Laranja e o slogan para a cidade como “Capital da Laranja”, depois “Berço da Citricultura”, devido aos experimentos no campo da pesquisa e aumento do plantio de mudas cítricas nas propriedades rurais, em avançado estado de parcelamento devido a heranças familiares ou fracionamento para venda. 

Raiz de orvalho

Os referenciais históricos do município, faz sentido na identidade de seus moradores. O conhecimento do passado garante às futuras gerações elementos para compreensão de sua educação e cultura. 

Na obra “Raiz de Orvalho”, o escritor moçambicano Mia Couto nos convida a duvidar de nossa própria identidade como a conhecemos, ou pensamos conhecer. Sua proposta é que nos conheçamos melhor através de nossas dúvidas. No poema, o eu lírico hesita diante das suas certezas. Um perfil de alguém que sonha, buscando morte sem morrer para encontrar o próprio destino nas referências às raízes da terra e ao povo africano, acompanhado pela busca de uma identidade nacional. É nesses parênteses, entre o vivido e o que está por vir, que ele sente que existe realmente. Existe através do outro e do que ainda desconhece. 

Hoje, a identidade da cidade e seus moradores está em constante progressão de slogans, empreendimentos, instituições de ensino, religiosas, poder público e espaços de convivência na urbe outrora propriedade rural de Cunha Bastos.

Você já pensou em suas dúvidas como um espelho que revela quem você realmente é? 

Feliz-Cidade Limeira, pelos seus 197 anos.

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