Produtores rurais de Limeira (SP), propuseram ação de indenização contra a Ferrovia Bandeirantes S/A – FERROBAN referente ao imóvel rural, na cidade de Itirapina (SP), no qual plantavam laranjas, estando a propriedade localizada na divisa com o leito da ferrovia administrada pela ré. 

À esquerda a área da linha férrea de onde originou o incêndio, ao centro o aceiro na área do produtor, e à direita a área onde havia o pomar, totalmente destruída

No mês de abril de 2003 (06/04/2003), houve incêndio na propriedade dos autores, atingindo aproximadamente 1,5 alqueires, nos quais havia a plantação de 1100 pés de laranja “pêra coroa”, que foram destruídos. 

No mês maio de 2004 (05/05/04), houve um novo incêndio. Queimou quatro mil pés de laranja “tangerina poncã” e mil pés de laranja “pêra rio”. Este segundo incêndio foi de tal proporção que inviabilizou integralmente o pomar da propriedade. 

O terceiro incêndio em 2005, levou os produtores entrarem na justiça com uma ação indenizatória.

A ré respondeu pelos danos causados por tais incêndios, uma vez que originaram-se do leito da ferrovia, e porque deixavam as margens do leito sem qualquer manutenção preventiva, com mato alto, sujeito as fagulhas dos trens, bitucas de cigarros e outras causas de incêndio. 

Os autores, ao contrário, promoveram aceiro na divisa para minimizar o crescimento do mato, o que no entanto, não foi suficiente dada a omissão da ré, pois, as fagulhas “saltavam” do mato existente no leito da ferrovia, por cima do aceiro. 

Quanto aos danos morais, a Justiça entendeu que os autores passaram por inúmeros transtornos decorrentes dos incêndios comprovados nos autos. Tais transtornos decorrentes da perda de quase a totalidade de sua plantação, de sua fonte de subsistência, e do desrespeito por parte da ré. São fruto da manifesta despreocupação da ré com relação à prevenção dos incêndios em propriedades lindeiras.

No detalhe o advogado Dr. Pedro Zanarelli e a área da linha férrea queimada, estando o trilho na parte alta

Acompanhe a entrevista com o Dr. Pedro Zanarelli, advogado que ajuizou a ação pertinente da parte prejudicada no incêndio, diante da corte. A identidade dos produtores rurais foram preservados.

JPR: Pode descrever o histórico da queixa do seu cliente?

Dr. Zanarelli: O produtor, uma pessoa simples de Limeira, com propriedade também no município de Itirapina (SP), uma certa ocasião, nessa mesma época de estiagem que estamos, em julho, ele me procurou para dizer: ‘Dr. Pedro, nós acabamos de formar um pomar de ponkã, pêra. Pegou fogo lá no nosso pomar novo, que está começando produzir e queimou três mil árvores. O que a gente faz?’. Eu questionei, mas vocês tem indícios de onde veio o foco, como ocorreu o incêndio e como é o cuidado de prevenção na propriedade? Ele respondeu: ‘A gente faz aceiro de sete a dez metros na propriedade que confronta com a linha férrea. A gente deixa aquilo lá impecável, porque a gente sabe da condição do pomar que a gente se dedicou ao cultivo. O que a gente faz, Dr. Pedro?’. Eu insisti: vocês não tem indícios? Eu aconselho fazerem um Boletim de Ocorrência (BO), aciona a Polícia Ambiental. Ele fez o Boletim de ocorrência e morreu o assunto. Não me procuraram mais. 

No ano seguinte, na mesma época da estiagem, ele veio até mim novamente: ‘Dr Pedro, o senhor não acredita! Pegou fogo de novo no mesmo pomar de Itirapina. Mesmo a gente mantendo o aceiro em ordem mas, a linha do trem está cheia de mato, eles não cuidam daquilo. Eu tenho certeza que vem dali’. Eu perguntei: mas você viu que veio dali? ‘Eu não vi nada, mas eu tenho certeza que veio dali, porque eles não controlam o mato lá e alguém ateia fogo (no mato) e essa fagulha pula e queima o meu pomar. E agora queimou mais quatro mil plantas’. Eu falei, nós vamos ter que tomar uma providência, notificar essa empresa, vamos fazer alguma coisa. Ele respondeu: ‘tá bom, eu vou ver’. Aí, morreu o assunto novamente mas, eles fizeram o Boletim de Ocorrência (BO) novamente.

Chegou no ano seguinte, na mesma época de estiagem, a mesma história se repetiu com mais prejuízo para o produtor; o pomar foi queimado por três anos seguidos. Ele perdeu todo o pomar.

JPR: Durante o processo a ré apresentou alguma contestação?

Dr. Zanarelli: A ré negou que os incêndios ocorreram por sua culpa. Argumentou que nunca usou fogo ou qualquer procedimento incendiário para o controle de mato ou plantas indesejadas na sua faixa de domínio. E que além disso, combate ativamente os focos de incêndio. O que houve foi fatalidades, sem que a ré tenha concorrido para a sua causação. 

JPR: Qual foi a extensão dos danos causados pelos incêndios comprovados pela perícia ? 

Dr. Zanarelli: O laudo da perícia constatou, na vistoria, que 90% das árvores do pomar estavam secas e mortas, e o restante, mesmo assim, estava danificado. O fogo calcinou galhos e folhas e cascas de galhos e troncos, deixando inúmeras sequelas, gerando aberturas não cicatrizadas que constituem porta de entrada de pragas e doenças, sem prejuízo de a planta injuriada demorar para se recompor e, em verdade, ser quase impossível o retorno da planta ao estado anterior. 

O laudo verificou ainda, que o fogo atingiu o pomar em anos seguidos, de 2003 a 2005, havendo apenas uma pequena parte não atingida pelos incêndios. 

Quanto ao valor encontrado para os prejuízos econômicos sofridos pelos autores, o perito optou por estimar a produtividade média da lavoura de Citrus com base no mercado. A avaliação baseou-se em cotações normais de preços médios de produtos agrícolas no Estado de São Paulo. Frise-se que, nos seus cálculos, o perito não deixou de ponderar os custos de formação da plantação, como era de rigor. 

JPR: Os produtores conseguiram repor as plantas queimadas no dois primeiros incêndios? 

Dr. Zanarelli: Nos dois primeiros incêndios o produtor não conseguiu repor as plantas porque ele é um produtor familiar pequeno. A família investiu todos os recursos que tinham na formação daquele pomar e não tiveram condições de repor as plantas. Aquela perda foi um choque na alma daquela família, porque todo o investimento deles estava ali, queimado, totalmente perdido. A família chegou a chorar na minha frente por causa daquela situação, uma tragédia. A família dependia da produção daquele pomar.

Eu orientei fazer o Boletim de Ocorrência, acionar o Corpo de Bombeiros mas o município depende do município de Rio Claro (SP). Eu lhe disse: a situação já impediu a prática agrícola nessa propriedade confrontante com a propriedade que está lhe causando o prejuízo. Vamos pensar numa forma de você ser ressarcido disso, porque isso não pode ficar assim. Pensemos numa Perícia Judicial, uma produção antecipada de provas, antes de resolver acionar a empresa, vamos acionar a Justiça para que o juiz nomeie um perito especialista no assunto pra você ter certeza de que esse fogo veio da linha férrea e a culpada ser ou não a empresa concessionária.

JPR: Qual foi o caminho trilhado na justiça ? 

Dr. Zanarelli: Nós entramos com uma produção antecipada de provas. A perícia foi realizada com o acompanhamento da empresa. O perito avaliou a destruição do pomar dos três anos consecutivos, quantas árvores foram queimadas, as perdas, e o lucro cessante da área, do que esse pomar deixou de produzir ao longo dos anos. Foi constatado que a questão da queimada foi por má conservação do mato na linha férrea. Constatou que o fogo veio por fagulha do mato da concessionária FERROBAN. A culpa se deu pela má conservação e controle da limpeza da área. Foi provado na perícia que o produtor mantinha o aceiro devidamente impecável. O Juiz homologou o laudo da perícia. O próximo passo, foi pedir a indenização mediante o resultado do laudo pericial prévio, onde foi constatado o culpado pela origem do fogo. 

Com aquele laudo em mãos, nós tínhamos a faca e o queijo nas mãos. Entramos com uma outra ação de ressarcimento de perdas e danos. Essa ação correu em Itirapina, nós tivemos uma produção de provas testemunhal também – o juiz marcou uma audiência de instrução (a colheita de provas). Um detalhe judicial, como eles estavam em situação precária eu consegui que a justiça concedesse a gratuitidade de justiça como um outro ponto importante porque, se a pessoa perde a causa ele não é condenado a ressarcir, isso deu uma confiança maior. O juiz de Itirapina negou a gratuidade de justiça porque ele tinha propriedade rural, ele tem posse e não concedeu. Eu agravei, levei isso para o Tribunal de Justiça de São Paulo e o que importou foi a condição econômica momentânea – mais uma vitória.

Foto da perícia constatando o incêndio na faixa da Ferroban através da arvoreta calcinada pelo calor decorrente do fogo, mostrando à esquerda os trilhos da linha férrea visíveis

JPR: Foi determinado a produção de prova oral?

Dr. Zanarelli: Levamos várias testemunhas, entre eles vizinhos que ajudaram apagar o fogo. O importante no depoimento das testemunhas foi a afirmação de que o confrontante realmente não cuidava do mato. E, até o rastro do incêndio mostrando que vinha de lá, esse pessoal ajudou. 

As testemunhas da empresa deram depoimentos que não cabia no contexto da situação.  Com a prova pericial a nosso favor e a prova testemunhal a nosso favor, fechou a questão probatória ali e logo veio a sentença. 

JPR: O que diz a lei em relação a manutenção das propriedades?

Dr. Zanarelli: O Código Civil, no artigo 159, assim dispõe:

‘Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano’.

JPR: A empresa recorreu da ação? 

Dr. Zanarelli: Dessa decisão com o Acórdão publicado, é normal entrar com embargos declaratório (uma espécie de recursos que é feito dentro da própria instância recursal), questiona a decisão do juiz apontando omissão, obscuridade, alguma coisa que possa macular, fazer com que o Tribunal ou o Colegiado volte atrás naquela determinada decisão. Em termos do Tribunal de Justiça a decisão foi mantida. Entraram com recurso no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília e, ali ficou mais um tempo pra decidir e simplesmente o STJ confirmou as decisões todas. Em nenhum momento os tribunais colocou em dúvida a decisão. 

Esse processo foi marcante na minha carreira, do qual eu tenho muito orgulho. Eu me lembro saindo daqui de Limeira, como se tivesse indo pra final de um campeonato, no momento tenso do final. Paramos no posto de gasolina para abastecer o veículo, ele me disse: ‘sabe Dr. Pedro, eu tive um vizinho, que eu estava contando pra ele desse meu caso, ele me falou: ”vocês estão é loucos, vocês são cachorro pequinês e vão lutar contra um cachorro pitbull. Eles tem os melhores advogados do país”’. Eu falei: o que importa é você estar trilhando o caminho certo. Do que nós produzimos até agora, você tem todo o direito nas mãos, não importa com quem você está lutando! Viemos até aqui e vamos até o fim. 

Eles foram indenizados por danos morais pela perda, tristeza, descapitalização; tinha gente doente na família que precisava daquele rendimento do negócio. Mas teve um dano moral que nem foi mencionado no processo, se eu tivesse pensado nisso na época teria pedido um outro dano moral, foi a desvalorização do imóvel, porque o imóvel ficou conhecido como o imóvel vizinho da linha férrea que pega fogo. 

JPR: Quando e como aconteceu o desfecho da ação ? 

Dr. Zanarelli: O desfecho aconteceu em 2020. Os recursos estavam no STJ, em Brasília (DF), veio o acórdão do STJ. A empresa recorreu novamente. Demorou mais de uma década e o Código Processo Civil teve uma transição, uma mudança de uma questão na execução da sentença. Então, quando houve a sentença, o juiz fixou uma multa de 10% se não pagasse naquele prazo determinado e, eles argumentaram que a legislação havia sido alterada, por isso demorou ainda mais. Não conseguiram reverter, nem essa multa que foi fixada devidamente pelo juiz na época da sentença. 

Em fase de STJ, a equipe de Brasília, dos recursos especiais, ao ponto que chegou o acórdão dado pelo STJ, fizeram o recurso do recurso. Passado um tempo eu recebo uma ligação de uma colega lá de Brasília, se apresentou como advogada da empresa (agora RUMO) querendo fazer um acordo. Fizemos um acordo expressivo para o cliente. 

O produtor foi indenizado em 100% do pedido indenizatório dele. Todos os que participaram da ação foram indenizados em danos morais. Foi fixado as perdas que eles tiveram, o lucro cessante, a vida útil desse pomar de quatro anos, com uma expectativa de mais quinze a vinte anos de produção. Na ocasião não se falava em greening.

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