O carioca da gema Renato Sarmento, aos 18 anos mudou-se para Rio Claro, no interior paulista, para estudar na Unesp, na bagagem trouxe um antigo violão que sua mãe, Regina Iara, guardava como recordação, no fundo do guarda-roupa. Renato sabia que os quatro anos de estudo em Ecologia não seriam nada fáceis, talvez a música pudesse amenizar a saudade da família e a distância das praias cariocas ou mesmo as idas com o pai, Carlos Alberto, aos concertos eruditos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. 

Não sabendo o que fazer da vida foi cursar Ecologia na Unesp, “cheguei praticamente a concluir o curso mas acabei não, depois eu mergulhei para a música e não cumpri umas horas de estágio e acabei não me formando. Eu cumpri a grade toda lá, porque acabava sendo uma pressão da família que exige que você cumpra algumas coisas, apesar de não ser o que a gente quer”, ele diz.

Sem querer estava em Rio Claro, uma cidade repleta de músicos de fino e raro talento,  “foi por acaso, eu também não sabia desse potencial da cidade de Rio Claro, quanto a música. Eu estava desiludido com a faculdade e acabei indo até uma escola de música, no centro da cidade, coincidentemente era do sr Pedro Cameron, o grande mestre. Lá eu me identifiquei, as aulas do maestro eram excelentes, sempre. Até hoje eu vou lá fazer uma aula com ele”, revelou. 

Renato Sarmento, descobriu durante a faculdade de Ecologia que a certeza da sua vida é a execução musical

Renato está com 32 anos, mudou de Rio Claro para Sorocaba e está morando em Valinhos, SP,  desde 2017, foi de lá que nossa entrevista aconteceu, por telefone, para falarmos de sua trajetória na profissão de músico e o Recital de Violão com músicas autorais, como parte de sua conclusão da Faculdade de Música da Unicamp, que estreiou em julho (https://youtu.be/X-nn2Qg-EtE).

Jornal Pires Rural: Como surgiu a paixão pela música?

Renato Sarmento: Olha, desde pequeno eu sempre gostei. Meu pai percebendo isso começou a me levar para ver a Sinfônica do Rio. Ele saia do trabalho, no centro do Rio de Janeiro, eu saia de casa, pegava o metrô e encontrava meu pai no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Aquele teatro é maravilhoso, ouvir música num teatro com construção adequada é impressionante, realmente marca. Fomos em vários concertos. Lembro de meu pai ligando pra não perder hora, eu ficava naquele nervosismo de adolescente indo pegar metrô, tinha que chegar correndo antes do concerto começar. Outra influência musical é a minha avó Edna, que toca piano até hoje com seus 94 anos. 

Jornal Pires Rural: Por que escolheu o violão?

Renato Sarmento: Foi por acaso com 15 ou 16 anos, minha mãe estava mexendo no armário, tinha um violão empoeirado, desafinado e sem cordas, ela já não tocava há muitos anos. Quando eu vi aquilo eu falei; “oh loco mãe! Por que você nunca me falou que tinha um violão aqui em casa?” Depois disso eu comecei a brincar, a primeira coisa que fiz foi comprar a revistinha (de cifras) do Legião Urbana, era bem tradicional nos anos 90. Comecei a tocar, como a gente brinca, comecei a “escovar” o violão, saindo só os acordes. Depois cheguei a fazer dois anos de aulas particulares no Rio de Janeiro. Quando fui pra Rio Claro fiquei treinando sozinho até ingressar na escola Solar das Artes, do maestro Pedro Cameron.

Jornal Pires Rural: Como tomou corpo esse seu envolvimento com a música lá em Rio Claro?

Renato Sarmento: Eu comecei a ganhar uma grana pra me manter em Rio Claro, tocando em barzinhos, acompanhando cantoras, com repertório de música popular, sambinhas, chorinho. Eu gostava muito, me empenhava para tocar choro e bossa nova. Quando eu vi, estava fazendo muito mais música do que a faculdade de Ecologia. Adoro o tema, é excelente mas, academicamente falando eu não me identifiquei nesse curso. Como já estava vivendo de música e estava indo bem, dando aulas particulares, tocando em vários lugares, tinha até conseguido reunir um grupo para tocar no Sesc, Sesi e outros. Foram vindo as amizades nas rodas de choro num barzinho próximo a Unesp, chamado Sujinho’s. Foi onde eu conheci o pessoal das antigas, eram vários senhores dos seus 70 ou 80 anos, inclusive, tinha um que vinha de Piracicaba. Um chegava com o cavaquinho, outro com o violão de sete cordas e tocavam tudo de cabeça, de memória, conhecia todos os choros, era coisa incrível. Ninguém sabia o nome de nenhum acorde, nem a teoria da música, era só na vivência, na orelha, na raça. Eu aprendi bastante com esse pessoal tocando choro, porque é muito improviso, você pode dar uma soltada na maneira de tocar, porque na músicas erudita é muita técnica, muita perfeição, muito acerto, pode acabar engessando, às vezes perdendo a identidade. Essa roda de choro durou mais ou menos uns 3 anos. Nessa vivência eu tive duas influências, a parte popular e a erudita que eu aprendi com o maestro Cameron. Apesar de achar que o erudito pode engessar a maneira de tocar, com o maestro Cameron era diferente, ele tem uma forma de cativar quando fala da música, o aluno quer se empenhar em fazer cada vez melhor. É o encantamento que ele consegue trazer da execução musical. Foi quando fiz as aulas com ele que tive a certeza de que é isso que eu quero pra minha vida. Foi uma identificação discípulo-mestre!

Renato Sarmento em apresentação na escola Solar das Artes, em Rio Claro, SP

Jornal Pires Rural: A escolha de estudar com o maestro Pedro Cameron foi por alguma indicação?

Renato Sarmento: Não. Mesmo depois de três anos morando em Rio Claro, eu descobri a escola de música de sr Pedro por acaso. Nas primeiras aulas, eu fiz com um professor que era aluno dele, que pouco depois parou com esse trabalho e me indicou para o maestro, dizendo que eu estava me dedicando aos estudos do violão, foi quando comecei a fazer as aulas com o maestro. Conforme fui fazendo as aulas, conheci outros alunos que ficavam o dia inteiro em um salão da escola estudando o instrumento. Ficava impressionado com o som que esse pessoal fazia ali, eles tocavam muito. Isso me estimulou demais pois, via esse pessoal todo dia malhando, no mínimo seis horas por dia, eu pensava “esse é o segredo! Tem que malhar no violão”. Aí eu ficava lá também, não competindo mas, absorvendo e vendo o que é possível fazer, seguindo exemplo. 

Jornal Pires Rural: Como aconteceu o fato de você parar a faculdade de Ecologia e ir estudar música na Unicamp?

Renato Sarmento: Estudar na Unicamp tem tudo a ver com o meu filho. Eu a mãe dele, Aline, ainda estávamos nos conhecendo, ainda não namorávamos e de repente tive um choque de realidade, fiquei sabendo que ia ser pai. Poxa, um filho agora! Eu não posso ficar tocando em barzinho pro resto da vida. Vou ter que me coçar e fazer alguma coisa. Nisso, mudamos para Sorocaba porque a família da Aline é de lá, então, ter mais apoio e ficar próximo da família. Aí, fomos morar juntos e ver até onde vai essa loucura, que não tem fim porque, nosso filho, Angelo Radamés (homenagem a Radamés Gnattali — 1906-1988 — arranjador, compositor e pianista brasileiro), está com oito anos e fazendo aulas de piano.

Voltando um pouco, quando nasce nosso filho em Sorocaba, eu já tinha parado os estudos de Ecologia, arrumei alguns alunos para ensinar violão mas, não consegui me inserir em lugares para tocar profissionalmente. Alguma coisa aconteceu em Sorocaba que eu não engrenei. Pensei que era preciso arrumar um diploma que também ajudaria a conseguir um emprego em escolas de música. Era preciso um currículo, porque se eu colocar que toquei em diversos lugares e chegar um outro que tenha uma graduação, já era o meu emprego. Fiz a inscrição para estudar música na Unicamp uma semana antes do vestibular, comecei a estudar aqueles Telecursos 2000, ficava o dia inteiro assistindo aulas no YouTube e deu certo, passei nas provas e entrei na Unicamp em 2016. De Sorocaba até a Unicamp fazia de ônibus fretado, depois apareceu um emprego para a Aline em Valinhos e nos mudamos pra cá. Adorei morar aqui, Valinhos é muito bom, tem frutas deliciosas, meu filho brinca na rua de bola com a molecada do bairro, sem nenhum perigo, tem um clima bem agradável.

Jornal Pires Rural: Como é o curso de música na Unicamp?

Renato Sarmento: Tem um vestibular regular como é para todos os cursos, depois tem uma provas teórica de música e, depois uma prática, que é tipo uma entrevista. O curso de música antes era junto composição e regência, agora é separado e o aluno escolhe antes de prestar o vestibular para já fazer a entrevista para o curso escolhido, que tem duração de 5 anos. Tem também licenciatura e os bacharéis nos instrumentos específicos como percussão, instrumentos de corda e instrumentos de sopro. Eu escolhi composição, nunca tinha escrito nada e nem me sentia apto, por isso pensei em fazer composição, eu quero tentar entender melhor, porque lá em Rio Claro, nas aulas com o maestro, que é compositor, eu via que ele ia além do tocar violão, de acertar a nota perfeita, ele captava as ideias do compositor, ele começava a elucubrar assim; “qual a intenção nessa passagem, presta atenção na transição dessa nota para a próxima. Tem que salientar desse jeito para criar uma expectativa”, assim ele aprofundava e expandia muito o olhar sobre uma pequena bolinha em cinco linhas. Era isso que me deixava encantado, eu também quero olhar para uma partitura e ver tudo isso. Naquela época eu não conseguia fazer isso sozinho, hoje, até consigo, mas não como o maestro. 

Centro Cultural de Rio Claro, local que abriga a Sinfônica de Rio Claro, SP

Jornal Pires Rural: Recentemente você fez sua apresentação de final de curso, levou um ano a mais devido a pandemia?

Renato Sarmento: Isso, são cinco anos mas eu acabei levando seis porque, eu estava resistente a fazer por vídeo no ano passado. Subir num palco e tocar é muito gostoso, a melhor coisa que tem é subir num palco, ser recebido pela plateia e, mostrar uma música que você se dedica com afinco, oferecendo isso para o público. Ficava pensando, ‘pô, talvez essa pandemia dure só um ano, vou deixar meu recital para o ano que vem (2021)’. Então, adiei um ano para me formar. 

Jornal Pires Rural: Como foi a gravação do recital e a composição da música “Querência”?

Renato Sarmento: A primeira música, gravei no Centro Cultural de Rio Claro, local da Sinfônica de Rio Claro, eles abriram uma exceção e fiz juntamente com meu amigo,  Hugo Singling, que estava se formando em contrabaixo, ele tocou com um octeto, separado da Sinfônica de Rio Claro, e depois tocamos três músicas, só que apenas uma era minha, por isso não entraram no meu recital. A segunda música, “Querência”, foi com a Camerata de Violões de Campinas, que é um grupo sensacional, nós até lançamos um CD chamado “Mosaicos”, em 2019. Ficou lindo, não tem nenhuma composição minha mas, eu toco, tem músicas autorais dos compositores que faziam parte do grupo. Essa música, “Querência”, eu comecei a fazer logo que entrou a pandemia, me trancava no quarto todo dia pela manhã, das 10h às 12h, levei um mês para terminar a música. 

Jornal Pires Rural: No seu recital você escreveu músicas para flauta e piano, além do violão você toca outro instrumento? Como é esse processo de compor para outros instrumentos?

Renato Sarmento: O que eu toco além do violão é o piano que estou começando a estudar agora que eu tenho um. Eu gosto de tocar cavaquinho pois, é aquela coisa, quando vou em um evento familiar ou de amigos, como eu toco profissionalmente, aí estou no meu lazer, as pessoas pedem pra tocar. O que eu normalmente faço? Levo o cavaquinho, porque é um momento que eu me distraio, toco outra coisa, mesmo que seja só eu de músico, prefiro o cavaquinho porque eu acho divertido, é uma coisa sem compromisso, se eu errar o acorde tudo bem, vai passar batido e também não fica todo mundo pedindo para tocar aquelas peças difíceis que tem que estudar, aquecer a mão, etc, etc. Quando você está bebendo cerveja, em um churrasco o cara fala toca aquela lá que você sola com aquela técnica impressionante, aí não sai nada, o dedo fica mole, por isso prefiro o cavaquinho. 

Pra escrever para outros instrumentos é um exercício imaginativo, pensando em orquestras, primeiro eu penso como vai soar as notas, depois penso no instrumento, 

Inclusive a Orquestra Sinfônica da Unicamp (OSU), selecionou uma peça minha para tocar em um concurso de jovens músicos para a orquestra de cordas, violino e violão cello. Fico sempre na dúvida, foi preciso corrigir algumas coisas, nos primeiro ensaios, perguntava para os chefes dos naipes se tinha alguma coisa que estava mal escrito e alguma correção para facilitar a leitura, porque músico de orquestra, é produção industrial, eles tem que tocar uma partitura atrás de outra, tem que ser bom em um nível de não precisar estudar a partitura nenhuma, então, a partitura tem estar perfeita. Também consulto partituras de outros compositores para ver como eles escreveram pra pegar o idioma de cada instrumento.

Jornal Pires Rural: Conte um pouco de seu processo de composição e subir no palco para executar uma música autoral?

Renato Sarmento: A técnica tem que estar a serviço da música. Quando eu componho, não fico pensando se é difícil ou fácil de tocar, no fim acaba que a maioria fica difícil, mas não é proposital, é porque penso em como gostaria que soasse, por isso acaba exigindo a técnica das mãos na execução das composições. Tem que trabalhar, tem que ralar, foi como disse quando via outros alunos treinando no violão. Hoje em dia não malho tanto, até porque a vida está corrida, acabo tendo menos tempo de estudo, ao mesmo tempo eu ganhei a bagagem de diversos anos malhando pesado no violão, ficando, às vezes, oito horas seguidas. 

No começo é bem difícil, principalmente, o nervosismo de palco, subir sozinho com o violão e toda uma plateia esperando você esmerilhar, digamos assim, isso fica pesado, inclusive, sr Pedro me ajudou a entender que quando estamos tocando no palco, não estamos a serviço de nós mesmo, temos que estar com nossa técnica a serviço da música. Se uma música foi escrita com um balanço lento, tem que se manter fiel a isso, não queira acelerar só porque tem uma passagem que vai impressionar a galera, eu aprendi que não tem que ser esse o propósito.

O período em Rio Claro, estudei bastante teoria e harmonia no violão, não me dedicava apenas a técnica do violão, pegava os cadernos lá e estudava principalmente harmonia que é uma coisa que enriquece, usei muito o método “Curso condensado de harmonia tradicional” de Paul Hindemith, foi onde eu fiz a bagagem que eu queria. Eu lembro até da entrevista para entrar na Unicamp, foi com o professor José Augusto Mannis, hoje, ele é meu orientador. Nesse dia eu toquei um tango francês, uma peça super virtuosística, pra chegar arrebentando no curso. Depois que o professor ouviu, gostou e me perguntou “e composição sua? Qual você toca?”, eu respondi que nunca tinha composto nenhuma música, e ele “o que você está fazendo no curso de composição?” Queria entrar no curso para aprender a compor, eu me achava bloqueado criativamente no começo, tinha muito receio de tentar inovar e fazer coisa errada.

Jornal Pires Rural: Agora vamos falar da música de Hermeto Pascoal. Qual sua ligação com esse outro mestre?

Renato Sarmento: Eu sempre gostei de Hermeto Pascoal, ele é um gênio, ele parece de outro plano, sei lá. Eu nunca tinha tido contato com a obra dele chamada “Calendário do som”, foi um dos bons amigos que fiz em Sorocaba, Adriano Nunes, ele é um violonista de São Paulo, que morou em Sorocaba na mesma época em que eu estava lá. Fizemos um duo juntos, gravamos alguma coisa, do livro “Calendário do som”, que são 366 partituras escritas pelo Hermeto Pascoal, cada uma tem apenas uma folha, algumas bem complexas e outras super simples com dois acordes mas, com melodias bonitas, que se fizesse um acode caprichado, de um jeito diferente ficava super bonito. E lá na Unicamp, a professora Denise Garcia, da turma de composição, propôs que estudássemos temas e variações produzindo uma peça musical. Então, foi uma das primeiras peças que eu escrevi logo que entrei na Unicamp. 

A música escolhida foi “4 de maio de 1996”, fiz o arranjo para o tema e depois quatro variações, que é pegar um elemento do tema e fazer modificações, adaptar e transformar. É meio aquilo “nada se cria, tudo se transforma”.

Jornal Pires Rural: A partir desse seu arranjo para a composição do Hermeto, você foi para a Itália participar de um concurso? Como foi isso?

Renato Sarmento: Foi surpreendente, porque me inscrevi no concurso sem grandes pretensões, achava que a peça era boa mas não imaginava o potencial. Quando eu recebi o email, que havia sido selecionado para a final, foi surpreendente, nem pensava em ir à Italia, só ia ficar sabendo dos prêmios por aqui. Aí, eu consegui apoio graças ao Jonatas Manzolli, um dos professores da composição, ele foi super dez comigo, me deu maior força, falava que eu tinha que ir. Aí me explicou os trâmites para buscar apoio da Unicamp, através da reitoria de graduação, mandava email, acessava sites e, o professor até fez um requerimento de verba no nome dele para minha viagem mas, mesmo assim, até perto do dia do voo não tinha saído o recurso. Eu lembro de ficar ansioso pois, a notícia veio no final de maio de 2019, tive três meses para correr atrás de tudo. 

O tema no livro do Hermeto é publicado assim, uma linha escrita de melodia, e outra linha com alguns acordes cifrados e o arranjo que fiz, não deixa de ser uma forma de composição, eu também mudei alguns acordes. O arranjo e as variações é onde está a parte composicional. Na contra-capa do livro, o Hermeto deixava claro que aquelas músicas todas era um presente para o mundo e eram todas livres de direitos autorais. Eu até mandei mensagens para contatos do Hermeto que achei na internet mas, não obtive retorno. Seria maneiro se eu conseguisse botar para ele ouvir a música ou até tocar na presença dele, mas ainda não aconteceu isso. 

Renato tocando na Villa La Tesoriera em Turim, Itália

Jornal Pires Rural: E lá na Itália, como foi estar em Turim?

Renato Sarmento: Fiquei uma semana por lá, porque a passagem promocional que comprei não poderia ficar menos. Turim é uma cidade linda, fiz um passeio de trem até Milão e algumas outras cidades. É um outro mundo, mas também, cheio de imigrantes em condições precárias, aqui em Valinhos tem muito menos morador de rua do que Turim, por exemplo. Por outro lado o transporte público é excelente, pude me deslocar tranquilamente pela região central da cidade, era tudo com hora marcada, o trem entre as cidades nada atrasava, foi impressionante, é surreal. Pensando aqui pra poder chegar até o Rio de Janeiro, de carro, levo sete horas. 

O concurso que participei foi dentro de um festival chamado “Festa del Paradiso” que acontece todo começo de outono, na Villa La Tesoriera, um parque público com jardins, chafariz, um local remetendo a antigos castelos e, no centro desse parque tem um casarão antiquíssimo com aquele pé direito gigante, cheio de afrescos no teto e paredes, muito lindo. Tocar naquele salão, nossa foi surreal. Aí no concurso em si, eu não toquei foi o violonista italiano Andrea Ferrario (conhecido músico clássico, da nova geração italiana). Eu o conheci um pouco antes dele tocar a música no concurso, ele me perguntou umas coisas sobre a partitura, rapidamente, foi uma conversa bem técnica. Ele tocou super bem, foi excelente (assista: https://youtu.be/5tyhA0hQSgI).

O violonista italiano Andrea Ferrario, reconhecido músico clássico, da nova geração italiana

Jornal Pires Rural: Aprender partitura musical é um bicho de sete cabeças?

Renato Sarmento: A partitura é semelhante a aprender um idioma novo, pra quem nunca teve contato vai ser mais difícil, música é a mesma coisa, por exemplo, meu filho tem uma facilidade impressionante com música mas, não passa um dia que a gente não toca alguma coisa aqui, ele é afinado, canta a melodia no tom certinho. Ele reclama um pouco das aulas de piano porque é difícil, eu sei, tem que se dedicar, exige um esforço. Mas eu falo, filho você precisa estudar uns dois aninhos, aí você vai ter experimentado o piano, não é fazer uma aula e parar. Quando você estiver tocando umas músicas maneiras e mesmo assim você estiver de saco cheio, aí você pode parar. Você pode me falar, “pai já experimentei, já vi como é, não quero mais”. Esse primeiro degrau do desafio de aprender música é difícil de ser superado mas, depois que vem o bônus, antes tem que se esforçar para aprender. Ao mesmo tempo que fica mais ligeiro, consegue prever mais desafios, é possível otimizar as horas de estudo. Eu estudo muito menos hoje, mas estudo muito melhor. Olhando a partitura eu já sei o que eu não vou precisar me preocupar com os compassos e também sei bater o olho qual passagem vai dar mais trabalho, aí me dedico nesse trecho, repetindo devagarzinho e assim vai. 

Renato Sarmento com Andrea Ferrario, sendo anunciado como vencedor do concurso na cidade de Turim

Jornal Pires Rural: Sobre a gravação de seu recital, tem uma hora de duração, quão trabalhoso foi prepará-lo?

Renato Sarmento: A primeira música a gravação veio de mão beijada pela Sinfônica de Rio Claro, gravados com os equipamentos técnicos deles, depois eu só recebi os arquivos editados, coisa linda. O octeto de violões tínhamos gravado cada um em sua casa, com celular. Na hora de sincronizar todos os violões dá um certo trabalho, o que fazemos é um som guia, eu toquei uma faixa de áudio na composição “Querência”, eu fiz uma redução da peça, eu não toquei todas aquelas notas, a finalidade foi ser um norte temporal para os outros músicos. É muito comum fazer as coisas com metrônomo mas, eu detesto metrônomo, porque perde o coração da música. Dá pra fazer, fica bonito mas, não fica igual ao vivo, preferi gravar a guia. Quem me ajudou na captação e na edição foi o Guilherme Arce, um amigo músico, da Unicamp também. Ele trouxe uma iluminação, uns microfones bons, um gravador, se não fosse ele não teria ficado tão bom, porque eu não tenho esses traquejos tecnológicos. 

Jornal Pires Rural: Você disse que tem um material gravado, já lançou CD, isso é porque você tem acesso fácil aos estúdios?

Renato Sarmento: Olha, a música do Hermeto Pascoal eu gravei na Unicamp no NICS – Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora, fica nos prédios da reitoria (https://youtu.be/VXMYmeNl0ww). Como sou alunos do professor Jonatas (de novo o Jonatas), através dele que conseguimos disponibilizar o estúdio para os alunos de composição. Os melhores estúdios na Unicamp são os da faculdade de Medicina, tem um teatro lá que a orquestra da Unicamp utiliza sempre. No Instituto de Artes, ao qual meu curso pertence, não é o melhor auditório, a captação de áudio é desafiadora. 

Jornal Pires Rural: Seus estudos na Unicamp foram prejudicados pela pandemia?

Renato Sarmento: Teve que ser tudo remoto, não tinha como fazer diferente. Não diria prejudicado mas, afetado. Em 2020 eu tinha três shows marcados, cada vez mais alunos de violão e de repente entrou quarentena, pandemia, fiquei sem chão. Demorou para voltar no prumo. Mas foi uma das coisas que me ajudou a seguir em frente na carreira, porque eu tinha que cumprir prazos pela faculdade. Agora voltei com algumas aulas na escola Pró Música, de Campinas, vou presencialmente com máscara, álcool gel, tudo ou mais. Tem que ser presencialmente porque faz muita diferença, remotamente você não vê o jeito que o aluno está tocando, às vezes o vídeo dá um atraso, aí acha que foi um erro, até o som do instrumento, que vem pelo computador é adulterado. Tem momento que o aluno não consegue fazer uma passagem porque está mal posicionado o dedo atrás do braço do violão, pelo computador não tem como ver isso. 

Jornal Pires Rural: Depois de formado pela Unicamp como compositor, quais são seus próximos passos?

Renato Sarmento: Bom, continuo me inscrevendo para os concursos, principalmente no exterior. No Brasil infelizmente o governo que está aí não olha muito pra isso, só quer saber de música gospel. Corta todos os subsídios que visa eventos culturais, cortou o Festival de Jazz, complicado isso. Como músico no Brasil me sinto remando contra a maré. Pretendo continuar seguindo na Unicamp, que abriu muitas portas e prestar um mestrado, eu ainda estou auxiliar do professor José Augusto Mannis. Por mais difícil que seja acomodar a música, uma coisa artística e abstrata ao método científico, porque esse é o grande lance da academia, é tudo tão burocrático e tão metodológico, que para enquadrar isso na música é difícil. Graças a Deus existe essa possibilidade, é o caminho que vejo na academia. Também continuar as outras práticas todas, tocando, compondo, isso sempre. 

Jornal Pires Rural: Renato, quero lhe agradecer por essa nossa conversa que está chegando ao fim, você gostaria de acrescentar algo?

Renato Sarmento: Eu sei que é ruim nesse momento não poder ir a um espetáculo, tanto assistir quanto tocar, mas por outro lado o recital que eu apresentei como a conclusão do curso de música, tinha tanta gente assistindo pelo YouTube (https://youtu.be/X-nn2Qg-EtE), que eu duvido que se tivesse feito presencial, por mais bem sucedido que tivesse sido na divulgação, teria cem pessoas no teatro. Nesse sentido a abrangência aumenta. É como seu jornal que você não pega ele mais impresso, por outro lado você consegue divulgar para pessoas que não teriam acesso a edição impressa. Amplifica as coisas, foi um ponto positivo que tivemos durante a pandemia, além de várias máscara terem caído, por mais que a situação é ruim do país, da doença, essa pandemia escancarou todos os defeitos e qualidades das pessoas. Acredito que na próxima eleição não vamos cometer o mesmo erro, pelo menos eu estou bastante esperançoso. Desejo muita música a todos os leitores, ela é nosso refúgio em diversos momentos.

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