Entrevista com o extensionista rural Osmar Mosca Diz, da CATI de Campinas (SP), atua no Grupo de trabalho (GT) de Apicultura e Meliponicultura da CATI. Engenheiro agrônomo, presta apoio sobretudo na cadeia produtiva da Meliponicultura (criação de abelhas nativas sem ferrão), em Campinas, incentivando os agricultores a criar abelhas com a finalidade econômica e também de conservação dessas espécies. Trabalha no incentivo da criação das abelhas sem ferrão nas escolas em conjunto com as hortas educativas, com a finalidade de educação ambiental, conservação das espécies. 

Extração de mel do ninho de abelha sem ferrão Jataí e o extensionista rural Osmar Mosca Diz, da CATI de Campinas (SP), atua no Grupo de trabalho (GT) de Apicultura e Meliponicultura da CATI e

Conversamos sobre o seu trabalho de ativismo com as abelhas, a propósito da aproximação do dia Nacional da Abelha, comemorado dia 03/10, com evento presencial na CATI dia 04/10 (veja programação).

A programação do Dia da Abelha, na Cati, tem a confirmação da presença de um dos maiores estudiosos das abelhas do Brasil, o professor Lionel Segui Gonçalves, homenageado na comemoração do Dia da Abelha em 2019. Neste ano, serão homenageados; Dr. Luís Fernando Rossetto (4º Promotor de Justiça de Jaú) e o extensionista rural Júlio Simões Marcondes ( Diretor da CATI – Regional Bauru). Homenagem póstuma ao extensionista rural engenheiro agrônomo Antônio Eduardo Sodrzeieski.

Segundo o extensionista, “o Brasil, em seus diversos biomas tem mais 260 espécies de abelhas sem ferrão. Dessas, 66 são reconhecidas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, passíveis de serem criadas aqui no estado de São Paulo. A população desconhece as abelhas brasileiras, por isso, mantém o mito de que abelha produz mel e tem ferrão”, afirmou.  

A manutenção das abelhas brasileiras sem ferrão preserva os nossos biomas, portanto, permanece a produção de água. “Pela minha experiência e leitura, não sou um especialista, acredito que a falta das abelhas vão provocar de uma vez por todas o extermínio das florestas nativas. Se o homem não acabar com as florestas, ele vai acabar com as abelhas e, acabando com as abelhas, ele acaba com as florestas também. Pode não desmatar mas, se não colocar um freio nas queimadas, continuar agredindo as abelhas, elas vão ter pouca chance de continuar desenvolvendo esse papel no ecossistema e preservar a vida nativa, as matas nativas”, comentou. Acompanhe a entrevista;

JPR: O que é o Grupo de Trabalho de Apicultura e Meliponicultura? 

Mosca Diz: Esse é o segundo Grupo de Trabalho que a CATI criou, depois do Grupo Ater para povos tradicionais. O GT de Apicultura e Meliponicultura foi criado em 2018, com o objetivo de reunir de cada uma das nossas 40 regionais do estado de São Paulo, um(a) extensionista responsável, de forma voluntária, para fomentar a cadeia produtiva da apicultura e da meliponicultura.

A estratégia de trabalho foi apresentado pelo projeto de meliponicultura e a abelha acabou virando uma cadeia produtiva dentro da CATI. Hoje, nós temos esse GT consolidado, mas não temos ainda a representatividade em todas as 40 regionais. O GT foi oficializado porque a CATI. acabou adotando essa proposta e a metodologia de trabalho coletivo para as várias cadeias. Recentemente foram institucionalizados esses GTs. Então, temos o GT de bovinocultura de corte, de leite; o GT de seringueira; GT de café; GT de horticultura; seguindo a mesma proposta metodológica. 

JPR: Qual é a importância da criação de metodologias de grupos de trabalho na extensão rural? 

Mosca Diz: É muito importante. Por exemplo, nós temos uma grande capilaridade nessas quarenta regionais. Supomos que cada regional englobe entre dez e quinze municípios, temos ali um diretor(a) que coordena os trabalhos nesses municípios e cada regional tem uma pessoa, uma liderança e por vontade própria, por afinidade, queira desenvolver um trabalho em determinada linha. Ele vai fazer com gosto aquilo, ele vai ter autonomia para percorrer a região. Ele vai motivar os colegas, buscar parceiros, realizar os trabalhos e quando a instituição pede tem a oportunidade de mandar alguém capacitado para participar de algum fórum, seminário, simpósio, naquela determinada área. Aqui (CATI) são chamados de pontos focais, eu gosto mais de extensionistas de referência. 

Dentro do GT, lá na região de Ribeirão Preto (SP), por exemplo, nós temos o médico veterinário que é extensionista, é o responsável pela apicultura e meliponicultura na região. Tudo que diz respeito ao assunto o diretor trata primeiro com ele. Então, ele é uma referência.

E dentro do GT a gente vai trocando conhecimento e alimentando aquele espírito de pertencimento. O nosso próximo encontro acontecerá na véspera da comemoração do dia Nacional da Abelha. 

Abelha mandaçaia, “pouquíssima gente conhece, uma abelha nativa que faz um trabalho de parceria polinizando sobretudo as hortaliças”

JPR: Antes da formação do GT, como a questão da apicultura era vista pelo agricultor, se tratando da questão das abelhas para a sobrevivência da espécie humana e da agricultura, quanto como o fator econômico da apicultura? 

Mosca Diz: Posso dizer com segurança que o GT fez parecer de maneira mais evidente no horizonte da comunidade paulista a importância das abelhas através desse papel que elas desenvolvem no ecossistema. Porque a nossa missão educativa é levar essa mensagem adiante, principalmente ao se tratar das abelhas sem ferrão. Até pouco tempo atrás muito desconhecidas. Hoje quando se pergunta: o que você se lembra quando digo abelha? 

A resposta: se lembram do mel e das ferroadas das abelhas africanizadas.

A gente separa a apicultura que é a criação e o cultivo das abelhas do gênero apis, por isso apicultura e, a meliponicultura que se detém às abelhas solitárias (tem ferrão mas não causam problemas para o ser humano) e principalmente as abelhas sem ferrão -, essas são muito desconhecidas pela população. 

Ainda é preciso divulgação, não só sobre o papel delas na polinização das culturas e das florestas nativas mas também, na perpetuação das espécies da flora silvestre e também da fauna, porque esses mesmos frutos, muitos deles precisam passar pelo trato digestivo dos animais nativos alimentando também os animais. Desta forma, as abelhas se tornam um elo de ligação entre todos os seres vivos. Essa importância não é exagerada. Tudo o que a gente fizer para que as comunidades rurais, as escolas, os profissionais, os educadores possam conhecer melhor as abelhas e principalmente as abelhas brasileiras e o seu papel, é uma grande oportunidade, a gente acredita que vai ajudar a conservá-las – muitas delas correm risco de extinção. 

JPR: Esse assunto de preservação das abelhas remete àquele exemplo daquelas comunidades que abatiam as tartarugas para comercialização e aprenderam a sua importância e passaram de predadores a guardiões. O agricultor pode ser um guardião das abelhas? 

Mosca Diz: Em primeiro lugar, para ser o guardião das abelhas, ele tem que ser um plantador de árvores e amar a natureza, esse é um princípio. Para o pequeno agricultor  fica mais fácil porque eles têm sistemas produtivos não tão vorazes e não tão degradantes, embora possa haver. Supomos, uma propriedade que o agricultor trabalhe o seu setor produtivo de mãos dadas com o setor ambiental dentro de uma visão conservacionista que preserve os bens naturais, ele está sendo um amigo das abelhas. 

Por outro lado, se ele conhece as plantas que atrai as abelhas, as árvores, as frutíferas e ele gosta de ter um bosque produtivo que floresça durante as várias estações do ano, ele também estará ajudando indiretamente. E o melhor de tudo seria que ele não usasse os agrotóxicos. Plantar sem matar, pra comer sem morrer – uma filosofia do campo que converge para a agroecologia e produção orgânica. Ou fazer o uso de controle biológico de insetos considerados pragas, usar os inimigos naturais. Trabalhar dentro dos princípios da agroecologia e da produção orgânica. Conservar os bens naturais: o ar, a terra, a água, as florestas, a biodiversidade no geral incluindo as abelhas. Ele pode até enxergar nas abelhas um parceiro. Por exemplo, a abelha mandaçaia, lindíssima, pouquíssima gente a conhece, uma abelha nativa que faz um trabalho de parceria polinizando sobretudo as hortaliças. A polinização das hortaliças precisam de uma vibração que é típico do comportamento da mandaçaia para que seja liberado os pólens de uma flor para a outra. A mandaçaia entra como um excelente parceiro para colaborar na produção, tanto na quantidade como na qualidade dos frutos. Já se provou a diferenciação do sabor das hortaliças sob a influência das abelhas na polinização. 

A outra opção é se tornar um criador dessas abelhas, tem um ditado entre nós; ‘quem cria cuida, quem cria preserva, quem cria protege’. Se hoje, já temos uma atenuante ao risco de extinção de algumas espécies isso se dá pelo grande crescimento de inúmeros criadores, mesmo urbanos. Criadores urbanos apaixonados pelas abelhas e que por algum motivo se tornaram defensores delas. Eles vão rebolar para poder criá-las num ambiente um tanto hostil de concreto, asfalto, poluição, chegando ao ponto de terem que tratar as abelhas com xarope feito com açúcar cristal orgânico – eu também faço isso às vezes. Na verdade, nós estamos adotando as abelhas para que elas não venham a faltar. 

Mas voltando a propriedade rural entra o fator econômico, o agricultor pode vender o mel das abelhas sem ferrão que é altamente valorizado. Ele pode vender caixas de abelhas com ou sem as colônias de abelhas. Ele pode vender o cerume delas, a própolis. Ele pode vender os serviços de educação ambiental recebendo excursões na sua propriedade, as pessoas vão se encantar. Esse encantamento que aproxima os corações das pessoas com as abelhas. 

Abelha Uruçu, “não é da nossa região, tem boa produção de mel, muitas operarias e, sempre tem uma que fica de guarda na entrada do ninho”.

JPR: Podemos dizer que a extinção de alguma espécies das abelhas preocupa por demais a questão da agricultura e faz com que deixe de produzir alimentos? 

Mosca Diz: Sim. Pela minha experiência e leitura, não sou um especialista, acredito que a pauta das abelhas vão provocar de uma vez por todas o extermínio das florestas nativas. Se o homem não acabar com as florestas, ele vai acabar com as abelhas e acabando com as abelhas ele acaba com as florestas também. Pode não desmatar mas, se não colocar um freio nas queimadas, continuar agredindo as abelhas, elas vão ter pouca chance de continuar desenvolvendo esse papel no ecossistema e preservar a vida nativa, as matas nativas. 

Na parte da produção de alimentos também com certeza. Em torno de 70 a 75% dos alimentos que se consome no mundo tem algum grau de interferência positiva das abelhas, na polinização e consequente geração desses alimentos. No Brasil, talvez o expoente seja a família Cucurbitaceae em geral, o melão, a maçã, as abóboras e as hortaliças. Não significa que sem as abelhas não vai ter produção mas, a qualidade e a quantidade vai ser muito comprometida. 

JPR: A manutenção das florestas nativas pelas abelhas está diretamente relacionado à produção de água? 

Mosca Diz: Exatamente, muito bem lembrado. Na verdade, tudo o que puder interconectar está se aproximando da verdade. As matas nativas e abelhas do Brasil passaram por um processo conjunto de co-evolução. As matas nativas se desenvolveram para serem polinizadas por essas espécies de abelhas nativas brasileiras, há milhões de anos antes do ser humano chegar aqui. Sendo que as abelhas também aprenderam a se especializar em polinizar as nossas espécies nativas. Não é sobre sofrer um processo. Elas passaram por esse processo, vivenciaram esse processo coletivo em conjunto de co-evolução biológico. 

As abelhas sem ferrão vêem uma florzinha miúda, investem o tempo e energia delas ali. As abelhas africanizadas não.

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