• José Victor Parreira Rezende

Há não muito tempo quando perguntávamos a alguém: “Por que devemos obedecer nossos professores?” Era comum recebermos respostas como “Porque precisamos respeitar os mais velhos” ou “Porque é ele quem manda na sala de aula”.

Se as gerações anteriores foram criadas com essa visão, o que mudou para que essa profissão passasse de uma posição respeitada para aqueles que precisam lutar diariamente por isso?

Para responder essa pergunta precisamos tirar o zoom de dentro das escolas passando a olhar para o que acontece do lado de fora dos muros. É possível encontrar as razões para o enfraquecimento da autoridade dos professores, na perda ou crise dos valores, na falta de limites ou de educação dos alunos, no afastamento e falta de estrutura das famílias e nas legislações (como o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente) que por vezes trazem os direitos sem ensinarem que eles também têm deveres.

FOTO:XILOGRAVURA J. BORGES

Ao mesmo tempo em que faz-se necessário olhar para fora da escola para entender os contextos que causam a deterioração da autoridade do professor, o olhar daqueles que já se encontram “lá fora” e não estão diretamente inseridos nesse contexto mantém-se superficial. Os pais e responsáveis, por exemplo, colocam a responsabilidade não só de ensinar, mas também a de educar sobre a escola, principalmente sobre o professor. As instituições cobram resultados e números dessas escolas onde mais uma vez o peso cai sobre aquele que leciona. Para entender melhor o cenário, precisamos olhar com mais atenção para avaliar se tais cobranças estão sendo justas.

Quando paramos para olhar de perto, vemos que esse professor atualmente sofre uma pressão considerável por parte de instâncias superiores para não ser tão rígido com as notas. Junto a isso há uma pressão por parte das Secretarias de Educação para que os alunos não sejam reprovados, pois para reprovar é necessário processos muito bem documentados e usualmente não é a cultura das escolas públicas onde ainda muitas coisas são realizadas com base nas informalidades. Isso fortalece, ou fragiliza a figura do professor?

Retornando à reflexão realizada no início, se os professores afirmam que hoje perderam a autoridade e que os limites não são mais respeitados, isso significa que nem sempre foi assim, logo concluímos que trata-se de uma questão da atualidade. Também é possível perceber que essas queixas são reproduzidas por todos os profissionais da educação, o que indica que essa também é uma questão estrutural, ultrapassando a percepção de um ou outro profissional menos preparado.

Pois bem! Se os professores mais velhos se lembram de como eram saudados e respeitados, os mais novos se lembram de como temiam e obedeciam os professores quando eram crianças, podemos concluir que agora a realidade é que está diferente e muito mais desafiadora.

Mas então, será que os valores se perderam?

Quando ouvimos alguém dizer que hoje os professores não são mais respeitados porque “se perderam os valores morais” acabamos olhando para esse assunto apenas de forma superficial e, por vezes, equivocada. Digo isso, porque se formos seguir a linha de raciocínio que estamos construindo até aqui neste artigo, começamos e identificar que aquilo que os educadores sentem como uma crise nos valores tradicionais, não necessariamente se trata de uma crise, mas sim de uma espécie de reajuste.

Como todo organismo vivo, a sociedade também passa por transformações e modificações de forma contínua, infinitamente. De tempos em tempos os valores, os costumes, as tradições e a forma como as coisas são feitas acabam sendo remodeladas pela própria natureza humana. A positivação de alguns valores em detrimento de outros é a principal causa desse estranhamento que os professores evidenciam em sala de aula.

Com isso concluímos que os valores estão sim em crise, mas não há uma crise de valores.

Essa crise pode vir a ser entendida como uma alteração do seu estado anterior mas não como algo em decadência.

Estudos atualizados mostram que comportamentos como indisciplina, apatia, violência, falta de limites e solidariedade que vem sendo apresentados pelas novas gerações acabam recaindo sobre a ideia de uma suposta perda de valores. Isso gera a sensação de que algo se perdeu através das gerações em relação a um passado idealizado, principalmente no que tange aos valores religiosos. É comum ouvirmos hoje professores e outros profissionais mais antigos se referindo à situação atual da educação como “falta de Deus no coração”.

Apesar disso, os estudos apontam que os valores morais estão na verdade se transformando e esses valores tradicionais, que por vezes são idealizados hoje em dia, acabaram se tornando excludentes e autoritários. Isso significa que diante do momento em que estamos, esses valores acabam não atendendo aos interesses de uma vida coletiva, justa, democrática e solidária.

O papel que antes a escola tinha de apenas transmitir um conhecimento pré-definido, hoje, se tornou muito mais complexo. O ensino tradicional nos modelos do século XIX e XX já não funcionam mais e, esse choque de gerações resulta não só em um embate ideológico que fica no campo das discussões, mas se apresenta literalmente dentro de cada sala de aula.

Países desenvolvidos (Estados Unidos e Alemanha, por exemplo) conseguiram reformar o ensino ao longo do tempo, atualizando as metodologias, ajustando cargas horárias, reformando e agregando mais tecnologia às salas de aula, permitindo que a vida do professor estivesse ajustada à demanda da atualidade. Vivemos em um mundo globalizado, onde a sociedade avança em linha com o progresso dos países que são considerados “Potências Mundiais” mas, os demais países não possuem capacidade para acompanhar a estrutura necessária desses avanços. Resultado disso é a divergência entre o que a sociedade exige e instituições como as escolas conseguem oferecer.

Exemplo disso, que dificulta ainda mais o papel dos professores, é a necessidade de transmitirem conteúdos ultrapassados que já não cabem mais no mundo moderno em que vivemos. Ressalto que todas as matérias são importantes, todo conhecimento é valioso, mas as prioridades, hoje em dia, estão diferentes da realidade de dois séculos atrás quando esse sistema foi elaborado.

Uma criança ou adolescente pode tranquilamente pegar seu celular e pesquisar com comando de voz em poucos segundos o nome das caravelas de Cabral, a data que chegou ao Brasil, quantas pessoas participaram do movimento e, se deixar até a cor da cueca dos sujeitos. Tornou-se desinteressante a maior parte dos conteúdos ensinados na escola por não fazer mais sentido a exigência que uma pessoa precise decorar tais conteúdos. O método de avaliação é outro alvo da sociedade moderna que já se sente incomodada por não ser avaliada com base no seu real potencial, mas sim por sua capacidade de decorar.

No final das contas, quem paga por tudo isso é o professor.

A posição sacralizada ocupada pelo professor deu lugar a uma relação deteriorada pela ausência de sentido que a escola vivencia hoje. Dessa forma, mesmo que queiram manter esse lugar outrora sacralizado, os professores já não contam mais com a cumplicidade do alunado, fator essencial, já que falamos da tradição por uma relação de autoridade.

Portanto, nos dias atuais, o fato do professor reivindicar sua autoridade dizendo aos alunos “me respeitem porque sou professor” já não basta. Faz-se necessário que os alunos legitimem aquele que reivindica tal posição. A visão moderna que precisamos capacitar os novos professores a se basearem nela é a de que não basta querer ter autoridade, mas estarem dispostos a alterar essa relação aluno-professor para tê-la de fato.

O professor que julga importante avaliar um aluno, também precisa estar disposto a se colocar na posição de ser avaliado, de ouvir críticas e mostrar como se lida com elas.

Dificilmente um professor vai conseguir cobrar pontualidade dos alunos se ele mesmo sempre chega atrasado, por exemplo. Com a “modernização” da profissão, alguns professores já driblaram a transformação da sociedade, mas esse é um trabalho que deve ser feito em todo país para os efeitos serem verdadeiramente perceptíveis dentro da sociedade, resgatando a sacralizada posição que esse profissional merece.

Conseguiremos resgatar toda a admiração que um dia esses profissionais tiveram? Espero que sim, pois se você conseguiu ler até aqui é porque alguém te ensinou.

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