Jornal Pires Rural – Edição 202 | CAMPINAS, Maio de 2017 | Ano XII

Prisão. Instituição que temos aprendido a ver como natural, por isso mesmo, tem sido pouco discutida, pouco pensada e pouco problematizada.
Mas, o que é prisão ? Uma instituição que tem uma história, que é produzida por determinadas práticas sociais. Essas práticas de aprisionamento e de governo da vida, denominada pelo filósofo francês Michel Foucault de ‘biopoder’, ou poder sobre a vida, são hegemônicas, dominantes e, o que é pior, vistas como fazendo parte da natureza em que vivemos.
É urgente colocar em análise essa instituição prisão e ter uma visão crítica do que é e do que representa. A proposta do Fórum: Prisão: Para Que? Para Quem? É um desafio para todos e para cada um de nós: parar de se apegar a um modelo já conhecido é reconhecidamente falido e buscar inventar outros modos, fundador não em práticas de aprisionamento, mas em práticas de liberdade.
Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês, que exerceu grande influência sobre os intelectuais contemporâneos, ficou conhecido por sua posição contrária ao sistema prisional tradicional. Acreditava que a prisão, mesmo que fosse exercida por meios legais, era uma forma de controle e dominação burguesa no intuito de fragilizar os meios de cooperação e solidariedade do proletariado. O filósofo ainda criticava a psiquiatria e a psicanálise tradicionais, no seu modo de ver, instrumentos de controle e dominação ideológica.
O prof. Dr. Auterives Maciel Jr., da Pontifícia Universidade Católica-PUC-RJ, participou da mesa redonda: “Prisão: para que serve?”, discorrendo sobre as obras do filósofo Michel Foucault.
Numa sociedade disciplinar a prisão é usada como um mecanismo produtor de disciplina, de alguma forma esse mecanismo também está presente na escola, na universidade, no trabalho, no hospital psiquiátrico, numa produção em série de indivíduos dóceis e disciplinados abrindo a propensão a uma certa indocilidade. O filósofo Michel Foucault pensa a prisão sendo reproduzida em todas as instituições, porque é verdadeiro a tese de que nós vivemos numa sociedade de “sequestro”. O nome dessa sociedade se chama disciplina. “Todo o processo estratégico de uma sociedade disciplinar é um processo que visa fundamentalmente inibir a potência, separar o indivíduo daquilo que ele pode, criando a ilusão de que a docilidade é a única via para o sucesso na sociedade comandada pela lei mundial de mercado”, afirmou prof. Auterives.
O texto de Michel Foucault intitulado “A Vontade de Saber”, onde ele fala de um biopoder. Não se deve pensar que o poder vem do Estado e que este seja o seu detentor, o poder está em toda parte. Os poderes não estão localizados em um lugar específico da sociedade, mas distribuídos como uma rede de mecanismos que não escaparam a ninguém em toda a estrutura da sociedade.

Sujeito do século XVIII
Nas sociedades europeias do século XVIII, o contexto no qual surgem novas tecnologias de poder, elas só serão possíveis com o advento da categoria “sujeito” e, são os corpos físicos das pessoas o primeiro espaço no qual é exercido uma nova forma de poder, a chamada sociedade de controle. “A escola é considerada um saber-poder que o aluno entra pra se educar mas também, vai sendo “adestrado” e quando a escola se torna insuficiente ele vai para a universidade, e quando se torna insuficiente vai para a prisão ou pinel, ou seja, vai passando de uma instituição para outra, através de uma sociedade onde os instrumentos e capturas se dão por fechamento ou enclausuramento. A proposta é colocar as forças do homem pra dentro, tirar o homem daquilo que ele pode, impedir que essa potência se realize, enquanto possa criar dispositivos de correção e punição – isso é anátomo-poder”, ele observou.
Essa denominação é utilizada pelo fato de individualizar o sujeito, é usar técnicas disciplinares para docilizá-lo. Ao lado do poder disciplinar surgirá no final do século XVIII um tipo de poder que será nominado por Foucault de biopoder – uma tecnologia de poder que trata o corpo do homem como uma máquina, cujo foco não é o corpo individualizado, mas o corpo coletivo. O biopoder não se diferencia somente do poder disciplinar, mas também do poder soberano, pois, enquanto na soberania havia um direito do soberano “deixar viver” ou “fazer viver” , no biopoder haverá uma tecnologia de poder voltada para o “fazer viver” e o “deixar morrer”, que será um poder que vai se encarregar da preservação da vida, eliminando tudo aquilo que ameaça a preservação e o bem estar da população.
“O biopoder complementa o anátomo-poder, porque o biopoder se exerce ao ar livre, controlando o comportamento ao estabelecer o que se pode beber, fazendo a gestão da nossa saúde, na distribuição de preservativos e quantos filhos você deve ter, como você organiza sua vida. Porque se você não organizar sua vida para ter uma vida digna de ser vivida você é considerado pelo biopoder como vida “matável”, que pode ser extinta na sociedade contando com a indiferença cívica do outro cidadão – foi o que aconteceu no Carandiru e na Candelária. É surpreendente isso – crianças sendo assassinadas na Candelária e o carioca com o sorriso indiferente sem se tocar com o fato de que se diz respeito a todos nós, talvez a extinção dessas crianças tenha trazido um certo alívio para o bom cidadão – isso é o biopoder. Seguindo o princípio de que, se você não age de acordo com o poder você não merece viver”, destacou prof. Auterives.
Foucault encontrou na obra “A vontade de saber”, o problema da resistência. “É aí que nossa história começa. No final do livro, ele situa o problema da resistência, pasmem, ele entra em crise e fica seis anos sem escrever nada. A pergunta que Foucault formula quando ele descobre que o biopoder está em toda parte – não só nos espaços fechados mas nos botequins da vida, e que ao voltar pra casa você corre o risco de ser assassinado na rua, de onde vem a resistência? Essa é a pergunta. Naquele livro, a resistência é posta do lado da vida, definida como sendo a capacidade que um vivente tem de resistir ao poder, a resistência situada como resistência da vida. Neste momento, Foucault abre espaço para pensar a biopolítica, abre espaço pra gente politizar o problema da vida, ao invés de aceitar de uma maneira deliberada de que a vida só é vivida se ela estiver do lado do poder”, enfatizou prof. Auterives.

Resistir é criar
Ainda faltava a ele uma resposta. Se a vida tem a capacidade de resistir, se é da vida a capacidade de dizer não, se é da vida a capacidade de desativar os mecanismos, a capacidade de afirmar uma certa indocilidade, de se insurgir contra a docilidade da indisciplina, de insurgir contra a produção de corpos fáceis como querem a sociedade disciplinar. Em 1977, essa resposta ainda não havia sido respondida. Foucault esgotou toda a análise de poder, restava então, responder a essa ultima questão: de onde vem essa capacidade de resistir? De uma maneira brilhante em 1981, num curso intitulado “A hermenêutica do sujeito”, Foucault começa a dar a resposta que vai ser escrita em 1984, em dois de seus livros; “O uso dos prazeres “ e o “Cuidado de si”. Ele retoma os gregos para propor uma ética do uso dos prazeres e depois analisa os romanos e o cuidar de si, trabalhando os dois primeiros séculos da era cristã pra trabalhar também uma ética entre os romanos para poder pensar o cuidado de si.
“A história serve pra mostrar que tudo é finito, que a gente não precisa se deparar com certos monumentos como se eles fossem metafísicos intocáveis, que o direito ao corpo é possível e que esta possibilidade existe pelo cuidado de si – isso é genial. A resistência surge na capacidade que o ser vivo tem de dizer não, de se insurgir contra o poder. Resistência não é reação para Foucault. Não é disputar o poder com o opositor – isso é escravo querendo ser reconhecido pelo senhor e não será nunca. Resistir não é reagir. Resistir é criar. Na verdade, o que você vai criar é um novo modo de viver – isso é uma ética. E ao criar um novo modo de viver na ética, procure se transformar, ao invés de vender a sua cabeça corrompida, extremamente seduzida pelos abusos de poder. É assim que se faz, resistir com o coração, é dizer não a tudo aquilo que apareça em você como sendo sintoma de um mal estar social, onde você querendo ou não, ao reagir acaba reproduzindo esse sintoma social. Resistir é, antes de tudo acabar com pequenos fascismos que existem em nós que contribuem para o mal estar da civilização”, concluiu prof. Auterives.

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