Jornal Pires Rural – Edição 242 | LIMEIRA, Junho de 2020 | Ano XV

Estamos fazendo uma série de matérias para registrar a realidade imposta pela pandemia do Covid-19. A realidade da educação no Brasil foi alterada de forma geral, durante o isolamento social, através do uso de ferramentas emergenciais. Diante do que se impôs, a pandemia trouxe para a pauta o Ensino a Distância – EaD. O objetivo desta entrevista com o diretor do Grupo de Estudo de Educação a Distância do Centro Paula Souza (CPS), Rogério Teixeira, é esclarecer um pouco sobre o tema, que tende a permanecer e marcar esse período de pandemia. Confira a entrevista sobre a EaD. 

Rogério Teixeira
Rogério Teixeira, diretor do Grupo de Estudo de Educação a Distância do Centro Paula Souza (Foto:CPS)

Jornal Pires Rural: O que define a Educação a Distância?

Rogério Teixeira: Educação a Distância (EaD) é a modalidade educacional em que alunos e professores estão separados, física e/ou temporalmente. Por isso, é necessário a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação. A EaD é regulada por legislação específica em âmbito Federal e nos sistemas estaduais de ensino. Pode ser implantada na educação de jovens e adultos, na educação profissional técnica de nível médio e na educação superior.

Com o advento da pandemia e do consequente isolamento social, a grande maioria das escolas adotou aulas remotas para seus cursos presenciais. Cabe salientar que os cursos presenciais não viraram EaD. O que ocorre neste momento é a possibilidade da reorganização dos calendários escolares com a realização de atividades não presenciais. Durante o período de calamidade, o Conselho Nacional de Educação e o Conselho Estadual de Educação estabeleceram medidas que permitem temporariamente esta flexibilidade com o intuito de assegurar os objetivos educacionais e minimizar as perdas dos alunos com a suspensão das atividades nos prédios escolares.

No Centro Paula Souza, optamos por utilizar a ferramenta MS Teams, por seu caráter colaborativo e integrativo para o período de isolamento social com os alunos dos cursos presenciais das Escolas Técnicas (Etecs) e das Faculdades de Tecnologia (Fatecs) do Estado de São Paulo. Trata-se de um imenso desafio envolvendo mais de 300 mil alunos e 15 mil professores, uma experiência que deixará um grande legado para o futuro.

Jornal Pires Rural: A EaD, no Brasil, atende qual público? Qual é o perfil do estudante de EaD?

Rogério Teixeira: Segundo o último censo sobre a EaD, produzido pela Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), os estudantes que frequentemente optam pela modalidade são adultos jovens, com até 40 anos de idade, em fase de formação profissional ou contínua, com mais autonomia, porém com menos disponibilidade de horário e possibilidade de deslocamentos. Como os cursos a distância costumam ser mais baratos que os presenciais, também acabam se tornando uma opção vantajosa para pessoas com menor poder aquisitivo. A maioria das matrículas estão concentradas em cursos de Ensino Superior e em instituições particulares.

Jornal Pires Rural: A modalidade é cada vez mais complexa porque está crescendo em todos os campos do conhecimento, atendendo mais pessoas com modelos diferentes. Quais são as dificuldades de desenvolver estratégias metodológicas eficientes para o perfil do aluno da EaD?

Rogério Teixeira: Poucos setores do conhecimento são tão dinâmicos quanto a EaD e isso até se explica diante da forte influência que as tecnologias de informação e comunicação exercem sobre a modalidade. Os novos paradigmas trazidos pela sociedade do conhecimento impuseram num curto espaço de tempo diferentes estágios de aperfeiçoamento para a Educação a Distância. A própria globalização da economia desencadeou uma globalização da educação. Não basta ter acesso ao conhecimento mas sim saber o que fazer com ele diante de tantas possibilidades.

No meu ponto de vista, a EaD enfrenta atualmente dois grandes desafios. O primeiro está no processo evolutivo de entrega de conhecimento. Hoje se fala sobre uma EaD baseada na aprendizagem flexível inteligente, que seja acessível a diferentes perfis e necessidades dos estudantes.  A partir do momento que se distancia de teorias tradicionais, a EaD necessita que sejam desenvolvidas estratégias metodológicas eficientes. A segunda questão é romper com o preconceito que ainda é apresentado por parte da sociedade. Certamente alguns fatores, ou melhor, algumas infrações contribuem para firmar esse preconceito. Daí, todo o sucesso alcançado, tanto em sua eficiência didática quanto na capacidade de democratizar o acesso à educação formal, ficam marginalizados.

Jornal Pires Rural: A EaD traz uma falsa conotação de distanciamento do profissional, tutor que está diretamente envolvido com o processo de ensino-aprendizagem. Os alunos que optam pela modalidade querem ser tratados de forma individualizada? Como essa relação entre tutor e aluno se dá na prática?

Rogério Teixeira: A EaD faz uso de diversas tecnologias interativas que permitem ultrapassar limites físicos para proporcionar a aproximação do aluno com o conteúdo da aula, seu professor e os colegas. Inclusive, existe uma obra intitulada Educação Sem Distância, escrita pelo educador Romero Tori, que evidencia como as tecnologias de informação e comunicação reduzem distâncias em ensino-aprendizagem.

Na prática, para que isso ocorra, é preciso que o profissional saiba planejar, tenha conhecimento sobre a atividade de mediação, saiba criar estratégias e estabelecer diálogos com o estudante para a construção do conhecimento. Quando o trabalho do tutor se restringe a apenas dar respostas em fóruns e estimular os alunos a responder questionamentos, temos aí uma infração que contribui para que a EaD seja vista de modo preconceituoso.

Jornal Pires Rural: A literatura científica indica que as escolas atuais não estão adequadas aos desafios que se impõem no século XXI. A EaD vem atender aos desafios do momento? Com qual proposta?

Rogério Teixeira: O uso de mídias e de tecnologias na escola tem criado grandes expectativas em professores e alunos, por possibilitar novas dinâmicas em sala de aula e ampliar a abrangência do processo de ensino-aprendizagem. Estudantes têm construído conhecimentos que promovem novas competências e habilidades por meio da imersão digital. A escola precisa contribuir para a cultura tecnológica de base. Diante disso, passa a ser função do professor a apropriação de novas tecnologias que favoreçam o processo de ensino e aprendizagem, permitindo desenvolver habilidades e competências, como preconiza a Lei de Diretrizes e Bases, que é de 1996.

Estamos vivendo em uma época que, de tempos em tempos, recebe uma nova adjetivação: Sociedade do Conhecimento, Era da Velocidade, Net Mundo…… e todas essas denominações têm em comum o fato de se referirem aos nativos digitais, ou seja, aqueles nascidos após 1996 que não conhecem um mundo sem a presença da internet.

A adoção de práticas que permitam a contextualização com o que está sendo desenvolvido na indústria 4.0 ou que possibilite realizar uma atividade de estatística onde se pode analisar e comparar em tempo real os dados sobre a pandemia no mundo é o que a educação necessita para formar uma cultura tecnológica de base.

A EaD pode ajudar e muito, pois o ensino depende diretamente da comunicação para alcançar seu significado. Como são utilizadas de forma sistemática e organizada diversas tecnologias de comunicação e informação, essa interação deve ser vista não como uma característica exclusiva da modalidade, mas uma ferramenta para a educação de forma geral.

Confio muito na potencialidade e no futuro dos cursos híbridos, ou seja, parte presencial e parte a distância, onde é possível obter o melhor de cada uma das modalidades.

Jornal Pires Rural: Só há ensino quando ocorre a aprendizagem. A mudança da educação centralizada no professor para aquela baseada no aluno é uma proposta inovadora ou já deveria estar ocorrendo há algum tempo?

Rogério Teixeira: Só há ensino quando ocorre uma aprendizagem significativa para o aluno e uma relação de compartilhamento para ambos. Proporcionar o protagonismo do jovem é o caminho mais direto para o sucesso do aprendizado.

Não é de agora que especialistas estudam sobre métodos que facilitem a aprendizagem e já está comprovado que as metodologias ativas são as mais eficazes neste sentido. Metodologias como Sala de Aula Invertida, em que o aluno se prepara previamente para debater um tema em sala de aula, ou Aprendizagem Baseada em Problemas, onde o estudante estabelece soluções para um desafio, já são bastante utilizadas pelos professores, sobretudo nas Etecs e Fatecs.

Jornal Pires Rural: Descreva resumidamente a prática tutorial na EaD, seu papel e atribuições das áreas educacionais e tecnológicas.

Rogério Teixeira: No Centro Paula Souza, a prática tutorial possui um viés direcionado para atividades de mediação, ou seja, aquelas realizadas por professores que atuam de forma síncrona e assíncrona e têm como competência o acompanhamento pedagógico dos estudantes, auxiliando-os na interação com os materiais didáticos, com o objetivo de fornecer elementos para transformar informação em conhecimento.

Em via de regra, é compreendido o planejamento semanal das atividades didáticas de acordo com as diretrizes do programa e das mídias instrucionais disponíveis; a mediação da aprendizagem dos alunos potencializando os recursos técnicos e didáticos; estruturação, orientação, acompanhamento e avaliação das atividades; e o monitoramento do desempenho dos estudantes, propondo-lhes atividades de recuperação ou aprofundamento de estudos.

Jornal Pires Rural: Durante a quarentena imposta pela Covid-19, o ensino presencial precisou recorrer às aulas remotas através de tecnologias emergenciais, o que você observou nessa realidade? Por que o professor que atua no ensino presencial se sente tão exausto perante às aulas remotas?

Rogério Teixeira: As aulas remotas costumam ocorrer ao vivo com a mesma duração das aulas presenciais, inclusive em muitas instituições no mesmo horário escolar. A interação dos alunos é feita durante este período “ao vivo” com atividades e materiais desenvolvidos pelo professor da turma. Com a exceção do compartilhamento do espaço físico, a aula ocorre, de certo modo, de forma similar às presenciais, mas, certamente, esta alteração impõe um desafio inédito para a maioria dos professores e dos alunos.

A continuidade das atividades exigiu que as equipes de gestão das escolas se organizassem para disponibilizar tecnologias de informação e comunicação colaborativas que permitissem a integração entre alunos e professores e, também, com as famílias, especialmente no caso das séries iniciais. Professores tiveram que ser capacitados para adequarem suas aulas e os alunos ambientados e bem acolhidos nas plataformas.

Estas adequações com o desafio de ministrar as aulas provocou, sem dúvida, inquietações para grande parte dos professores, mas que, novamente, com o apoio das gestões escolares, são passíveis de serem superadas.

O planejamento inicial que o professor fez lá no início do calendário letivo teve de ser refeito, mas muito do que foi elaborado pôde ser aproveitado. O plano de ensino, por exemplo, continua igual. Foram feitos ajustes para o dia a dia das aulas com as devidas adequações dos procedimentos didáticos. O professor acostumado a utilizar a lousa para expor seus conteúdos teve que se adaptar a uma “lousa virtual”; experimentos que eram demonstrados em laboratório, tiveram que ser gravados ou trocados por simuladores virtuais. Algumas práticas foram adaptadas mais facilmente, outras obtiveram maior dificuldade e uma parte teve de ser substituída.

Esse sentimento de exaustão, no meu ponto de vista, está associado ao fato de ter que se preparar num curto espaço de tempo, à falta de familiaridade com o método de trabalho e ao estabelecimento de um equilíbrio entre a medida certa de presença e de distância. Para as aulas presenciais, o professor já havia desenvolvido o timing, a dose correta do que é adequado ou oportuno. Nesta nova situação, foi necessário recalibrar e a dosagem acabou sendo exagerada, gerando um maior volume de trabalho. Muitos alunos relatam, em diversas entrevistas que podemos acompanhar sobre o assunto, que os professores “erraram a mão” e tiveram que trabalhar mais.

Jornal Pires Rural: A formação do profissional de EaD, a prática tutorial, o papel, as atribuições das áreas educacional e tecnológica são essenciais para a relação ensino-aprendizagem, visto que, no caso das aulas remotas, os professores necessitam da tutoria dos pais das crianças para conseguir disseminar o conteúdo. Você pode trazer um paralelo entre a formação do professor do ensino presencial e do professor de EaD, frente ao ensino durante a pandemia?

Rogério Teixeira: A educação, seja presencial ou a distância, especialmente na atualidade, exige uma reflexão muito profunda a respeito das práticas pedagógicas que permitam ao professor o melhor desenvolvimento de suas aulas e, como consequência, melhores resultados no ensino-aprendizagem. Além disso, existe uma necessidade de elaboração de formações para a mediação em EaD que valorizem a experiência do educador. Deve-se levar em conta processos de formação docente que transcendam a formação mais voltada à academia, demonstrando exemplos práticos e aplicáveis às diversas situações de aprendizagem.

Se neste período de pandemia as escolas precisam se adaptar a este momento, as famílias também precisam lidar com questões novas, como as dúvidas na hora de orientar os filhos com atividades, a ausência de equipamentos ou conectividade, insegurança em relação ao futuro e até mesmo a dificuldade de conciliar o trabalho em casa com o tempo demandado para acompanhar as crianças.

O importante é que haja um bom diálogo entre pais e filhos sobre os motivos que nos levaram a este momento, para que possam juntos organizar uma rotina de estudos diante dos recursos disponíveis em casa. Os pais são os maiores e melhores parceiros dos filhos, mesmo que não consigam ajudar diretamente na realização das tarefas. Devem incentivá-los a manter uma rotina e nunca deixar de valorizar o momento dedicado aos estudos, mesmo de forma excepcional.

Gostaria de concluir com um olhar positivo sobre esta atual experiência de aulas a distância. Muito do que está sendo elaborado e praticado nas instituições de ensino irá extrapolar o momento presente e contribuir para a melhoria contínua do processo de ensino-aprendizagem. O uso de uma plataforma online no dia a dia, nas Etecs e Fatecs, por exemplo,proporcionou uma ampla visão para toda a comunidade escolar sobre como obter um potencial de proximidade e de interatividade com a aprendizagem remota. Por isso, acredito que seja perfeitamente possível elevar o diálogo da discussão sobre as vantagens de utilizar o percentual permitido por lei de atividades a distância nos cursos presenciais.

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