O arroz foi introduzido no Brasil no século XVIII, como produto de exportação. A partir de 1900 se expandiu por todo o país. Adquiriu um caráter disperso e tradicional, apenas no Estado de São Paulo (Vale do Paraíba) e no Estado do Rio Grande do Sul (região de Pelotas), a cultura apresentava alguma concentração geográfica e experiência econômica, ainda assim cultivada com técnicas rudimentares em pequenas propriedades. 

arroz
O cacho pesa e começa dobrar, é o tempo de colher o arroz

O arroz no Estado de São Paulo é um caso típico onde a grande dispersão em um elevado número de pequenos produtores, não formou grupos de interesse, não pressionou o sistema de pesquisa. A pesquisa não conseguiu com o arroz de sequeiro o mesmo sucesso obtido com arroz irrigado, pela razão de que não foram superados os gargalos a nível de produção de variedades melhoradas que superassem a deficiência hídrica. 

Ao longo de mais de uma década o Jornal Pires Rural ouve, por onde anda, relatos sobre o plantio do arroz de sequeiro em Limeira. Diante do fato do arroz estar na pauta da economia devido a alta no preço, fomos até a propriedade de Firmino Pinto, no bairro Córrego Bonito Delgado, Limeira. Lá, na sombra do jequitibá, o prazer do assunto rendeu uma prosa que vai além do plantio do arroz de sequeiro. 

Firmino cresceu ouvindo o pai Manoel Pinto contar que o ciclo entre o plantio, a produção e a colheita do arroz demorava seis meses. Quando menino, depois de chegar da escola ia capinar seu plantio de arroz, na terra do tio, ele já fazia a própria lavoura antes dos dez anos. Fala do arroz com alegria e muito saudosismo.

O filho aprendeu com o pai ao plantar o arroz em terra nova, em terra de pasto arado, principalmente porque antigamente os sítios tinham muito pasto, estamos falando de uma época anterior a chegada da citricultura no bairro. Quando arava e plantava no pasto, usava a tração animal e a primeira lavoura escolhida para a área preparada era o arroz. “Porque o arroz não gosta de terra fraca e ele enfraquece a terra também. Não é igual ao milho que alimenta a terra. A gente passou por tudo isso”, disse. 

“É preciso muita chuva na época que ele vai cachear. Se não chover o cacho sai branco. Chovia. O cacho de arroz sai pra cima e abre todos os grãos, esse é o tempo da polinização. Se chover muito, também pode estragar a polinização porque lava a flor. Quando poliniza, fecha e grana. Depois que poliniza, o grão se desenvolve dentro. Dentro de pouco tempo o cacho pesa e começa dobrar. Quando começar querer debulhar é o tempo de colher”, relatou. 

Firmino conta que todos no bairro sempre plantaram arroz, do tempo que colhia o grão manualmente em mutirão, com os vizinhos. “Nós plantamos arroz até uns quinze anos atrás, não era o arroz agulhinha, era um arroz branco e também tinha um vermelho graúdo. Tinha ano que vendia, quando plantava uma quantia, o tempo ajudava e dava bastante que ia sobrar do gasto, a gente vendia. E, no final do ano plantava de novo. Depois já não plantava bastante (para vender) porque já tinha a laranja (citricultura) e noutra época começou a plantar o algodão, o feijão. Que coisa gostosa que era plantar feijão”, relembrou.

O pai era o batedor de arroz enquanto o filho, o cortador de arroz. Ele pegava os feixes de arroz e batia num banco de sarrafo. “Era fincado quatro varas altas no chão para amarrar um pano, colocava o banco de sarrafo no meio e, ali batia os feixes de arroz já secos. Conforme batia o arroz aqui, formava uma montanha de palha ali. Usava um ventilador com um funil alto para receber os grãos, com uma tampa para regular, era girado na mão (tinha até uma peneira). Ali abanava o arroz para tirar as impurezas porque no cacho, ele dá o grão e tem grãos que não grana, não vinga e cai tudo ali. Você tem que deixar só os grãos, por isso abanar. A molecada brincava em cima do monte de cascas”, lembra.

Ventilador
Ventilador manual para abanar o arroz

O plantio do arroz é feito na época das águas, e a colheita também. Como o grão não pode permanecer úmido depois de colhido, toda colheita deixa o produtor tenso e quem define o sucesso do serviço é a previsão do tempo. “Às vezes chovia e não dava tempo, que desespero! Então, a gente puxava a palha em cima (dos grãos) porque o tempo de colher arroz é no verão, no tempo da chuva passageira. E quando via que ia chover parava. Eu pensei em fazer de novo pra lembrar como era. Eu já tinha visto na internet mas, não era daquele jeito que a gente fazia aqui”, conta.

A agricultura da época foi marcada pela cooperação e generosidade entre as pessoas, pela troca de serviços entre as famílias, o chamado mutirão. Não foi diferente com a colheita do arroz. “Nós colhia arroz num bando de gente, íamos todos a pé e quando chegava essa hora assim, meu pai vinha buscar os dois bois para carregar o arroz. A hora que ele chegava na roça, o arroz já estava batido e tudo ensacado. Todo o serviço era feito na roça e depois transportado na carroça puxada pelos bois. Se tivesse tirado foto”, comenta.

Firmino lamenta não haver mais o costume do mutirão entre os vizinhos e amigos, hoje em dia. “O mutirão, era muito melhor do que hoje. Hoje, um vizinho não olha mais na cara do outro. Naquele tempo tinha mais união, aquele tempo vivia disso, da lavoura. Você podia matar um porco e levar na cidade, não tinha nada de errado nisso, hoje você vai preso. Eu me lembro que quando a gente matava um porco, levava um pedaço para o vizinho. O vizinho quando matava o dele também vinha trazer um pedaço. Era um costume que unia as famílias. Muitas vezes, o produtor vendia um porco na cidade para fazer compra de alimentos para a família. Agora não pode”, lamenta.

Antigamente, na época da seca as famílias não tinham serviço na roça, então, aproveitavam para moer a cana de açúcar, levar ao fogo do fogão a lenha e depois do ponto da rapadura conseguiam o ponto do açúcar mascavo. Aquele açúcar mais escuro, sem refino, era o açúcar das famílias, pois ninguém comprava. Até hoje, Firmino e a esposa Sonia fazem o melado da cana de açúcar.

O saudosismo da lugar as lembranças do sabor do arroz, “era uma beleza. Era um grão mais graúdo. O agulhinha é um grão pequeno. O grão cozinhava mais rápido e com menor quantidade de água”, lembra. “Passado uma época, a gente levava o arroz para beneficiar na cidade. Tem que limpar meio saco de cada vez por que junta bichos e cria bolor, fermenta. Os grãos devem ficar bem secos, a gente testava nos dentes – quando estivesse estalando estava seco, no ponto. Passou o tempo, nós compramos uma máquina pequena”, disse.

Existe uma regra de ouro sobre o arroz: não se come o arroz do ano que colhe, é necessário esperar no mínimo seis meses para estar bom para cozinhar. “Come-se o arroz da colheita anterior porque, o arroz novo não é bom, ao cozinhar fica muito mole, papa. Nos pacotes está escrito safra velha, é mais caro. No caso do feijão é o contrário, come-se o feijão novo”, destaca.

Os sitiantes como o Sr. Manoel Pinto, permaneceram uma vida quase por inteiro dedicado a uma agricultura de lavoura, de campesinato, o qual vendia apenas o que excedia o gasto da subsistência familiar. Para o pequeno sitiante plantar de fato, era o plantio do alimento. E a transformação da vida camponesa causa insegurança para aqueles que viveram por décadas com os mesmos costumes, regras e cultura. Mas as mudanças vieram e bateram à porteira, no caso, chegou a citricultura e não deu mais para a família continuar somente com o plantio da lavoura de subsistência. 

“O meu pai, foi difícil convencer de plantar laranja. Eu comecei formar mudas (cítricas) e ele não me deixava produzir bastante. A gente teve uma oportunidade grande e eu falava pra ele: vamos aproveitar porque isso aí passa – eu era moleque e falava isso pra ele. Todas as coisas que começam dar certo já vem o olho grande dos grandes ou vem a praga ou o preço cai. Plantava uma quantia, ele falava: “vamos parar. Muda ninguém come”. Teve um tio meu, irmão mais velho do meu pai, ele plantou só um pouquinho de laranja porque era acostumado só na lavoura, com costume e não queria mudar. Ele tinha uma renda boa com a laranja e podia ampliar, não. Ele tinha medo “vai acabar em nada”. Eu dizia: se acabar a gente arranca. Quando parou de fazer muda no chão eu já trabalhava de pedreiro e gostava muito e falei, eu não vou fazer estufa não. Pra viver não precisa de muito. Precisava entrar no banco. Se tivesse feito tinha dado certo”, completou.

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