Jornal Pires Rural – Edição 211 | CAMPINAS, Maio de 2017 | Ano XII

Prisão. Instituição que temos aprendido a ver como natural, a-histórica, e que, por isso mesmo, tem sido pouco discutida, pouco pensada, pouco problematizada. Mas, o que é prisão? Uma instituição que tem uma história, que é produzida por determinadas práticas sociais. No contemporâneo, essas práticas de aprisionamento e de governo da vida, são vistas como fazendo parte da natureza da sociedade em que vivemos. O Fórum “O que é prisão? Pra que? Para quem?” teve o objetivo de colocar em análise essa instituição prisão e ter uma visão crítica do que é e, do que representa. Pensar a prisão a partir da análise histórica dessa instituição, qual contexto histórico ela surge, e em que momento os saberes das ciências humanas e sociais emergem em torno da prisão.

Thiago Rodrigues da Universidade Federal Fluminense (UFF) participou do Fórum do Pensamento Estratégico (Penses) da Unicamp, com o tema “Prisão: Para quê? Para quem?”

Thiago Rodrigues da Universidade Federal Fluminense (UFF) participou da mesa que abordou “Política de drogas e prisão”. Segundo seus argumentos, o proibicionismo no Brasil enriquece e fortalece as máfias, aumentando o nível de repressão policial e de corrupção, portanto, nunca fez diminuir o hábito do consumo de álcool e outras drogas pela população — que só retrai onde há conscientização. Analisar a instituição prisão exige interrogar a política proibicionista, que reprime e criminaliza as drogas; essa política vem sendo exportada dos Estados Unidos – que aprovou a lei na década de 1920. A Lei vendia a ilusão de que as drogas desapareceriam do mundo. Há um século, os efeitos das drogas são devastadores e prosseguem. Enfocou-se o uso de drogas como um desvio de conduta (um desvio moral). Para combater o vício e a degradação pessoal deu-se ao tema uma priorização militar. Milhões foram encarcerados e as drogas não desapareceram.

“O proibicionismo funciona como uma tática de governos que se atualizam. Um evento como esse, que tem como questões centrais ‘prisão pra quem?’, ter uma mesa sobre drogas é trazer uma outra questão adicional relacionado a esta proibição das drogas, ‘pra que?’ Como essa questão se relaciona com a questão central desse evento. Acho que uma das respostas mais imediatas é que a proibição das drogas serve para alimentar as prisões, dentre outras coisas. Numa relação direta entre o sistema prisional não só o cárcere mas, todo o sistema de controle punitivo mais a proibição das drogas”, afirmou Rodrigues.

Então, pra que é que serve a proibição das drogas? “Pra alimentar as prisões. Não se pode criticar a questão das prisões e do aprisionamento hoje em dia (não só no Brasil), sem problematizar o proibicionismo, que é hoje o maior medo no qual se leva às prisões — o principal meio. Constatar isso, não é novidade, do mesmo modo que há um certo tempo muitas vozes de várias procedências e filiações tem denunciado essa relação de proibicionismo e de aprisionamento, do mesmo modo que se tem falado sobre o suposto fracasso do proibicionismo.
Há mais de vinte anos o proibicionismo não acaba, se redimensiona e novamente vira uma lógica parecida. A prisão se atualiza pela crise do proibicionismo em fracasso e falência sendo redimensionado e atualizado” mencionou.

Segundo Freitas, surgiu nos últimos anos muitas propostas ditas alternativas ao proibicionismo, sugerindo o uso medicinal de algumas drogas psicoativas, sugerindo que sejam legalizavas por fins medicinais, para uso recreativo, por serem drogas consideradas menos nocivas. “Começa incidir um monte de conceitos e juízos de valor a respeito da docilidade ou não de algumas drogas. E propostas que vão aumentar ou diminuir o acolhimento do usuário, como as propostas derivadas de políticas de redução de danos, centradas em temas de acolhimento, na linha de prevenção, etc. Mas, essas alternativas por mais que sejam pronunciadas, ditas progressistas e se consideram a vanguarda contra o proibicionismo, raramente esses discursos tocam no tema da prisão, da punição, do castigo”, afirmou Freitas.

Freitas aponta que no Brasil, antes dessa reforma que culminou com a Lei de 2006, a Lei anterior era a Lei dos tóxicos (como era conhecida), expressava um nome terrível, carregando todo o preconceito e falta de precisão a respeito dessa questão — Lei de 1976. “A Lei dos tóxicos foi promulgada durante a Ditadura Civil Militar e essa Lei já fazia uma distinção entre o usuário e o traficante. Muita gente ainda acha que é um grande avanço do progresso contemporâneo porque copiamos as grandes leis progressistas portuguesas de 2002. Já havia na Lei essa distinção visando mais ou menos e, se visa ainda hoje, enrijecer a punição do traficante e tratar o usuário de um modo correlato. Não necessariamente punitivo mas, tratando em termos de punição ainda que seja tratamentos alternativos ou até mesmo penas alternativas, pois, se você tem pena no nome, pena é punição mesmo que você trate essa pessoa como um doente — é a tônica dessa Lei de 1976”, frisou Freitas.

O debate todo é retomado nos anos 1980 e leva à uma série de tentativas de reforma legal que combinam com a Lei de 2006 — que é uma Lei que expressou uma luta entre duas tendências expressas nas bancadas representadas pelo Congresso brasileiro — “bancada coesa é muito alinhada, articulada e conservadora e uma outra não tão bem articulada assim, que trazia discursos que vem dessa procedência da saúde pública, da redução de danos e queriam legislação mais voltada à atenção ao usuário e ao sistema de descentralização. O resultado foi uma Lei sem pé, nem cabeça, que é a atual Lei que faz a suposta divisão entre usuário e traficante, supostamente não penalizando o usuário, aumentando as penas mínimas para o traficante, ou seja, punindo mais. Lá em Portugal, fizeram uma legalização do usuário, aumentando a pena para o traficante mas, aqui no Brasil acabou deixando a autoridade policial a verificação se a pessoa é ou não usuário. O que da pra dizer claramente, lembrando uma noção de seletividade do Código Penal, que a Lei de 2006 oficializou a seletividade penal no caso de drogas consideradas ilícitas, ou seja, aquilo que sempre aconteceu, a abordagem policial e a sequência do processo jurídico determinando quem é usuário ou não, agora ficou oficializado. Essa seletividade é operada no Brasil a partir de alguns cortes: de raça, procedência policial e de gênero”, observou.

Segundo Freitas, essa lei é uma grande decepção pra muita gente, justamente por esse efeito que é levado à maior onda de aprisionamento da história do Brasil, que fez o país chegar de quarto para a terceira posição perdendo para Estados Unidos, China e Rússia. “As mulheres foram diretamente atacadas com essa legislação e os homens idem, fazendo os crimes que tradicionalmente eram vias de aprisionamento, pudessem ser ultrapassados e relacionados às drogas ilícitas. Qual é a eficiência política de se focar na discriminalização do usuário? Pensando numa problematização mais enfática, consistente, mais contundente do proibicionismo. Qual é a eficácia política de se focar no usuário? Sem duvida, é importante pensar que há alguns encaminhamentos punitivos no usuário: primeiro, não encarcerar usuários, não criminaliza, nem aprisiona — essa é uma positividade tática”, destacou.

Pensando na continuidade das penas alternativas para usuários, pensando que pena é sempre pena, de que pena pode vir associado a um tratamento compulsório, pôde-se concluir que o tratamento compulsório continua tendo duas camadas básicas que se lastreia por todo o proibicionismo. “Quero citar a primeira camada, que é o repúdio moral ao uso de alguma substância, não é abolido com penas alternativas mas, sim reforçado. Uma outra camada, também lastreia todo o proibicionismo, é o repúdio sanitário e higienista ao uso de substâncias psicoativas, não é abolido com as penas alternativas. Continua-se lá, ou seja, os dois princípios básicos que é o repúdio moral e o repúdio sanitarista (há 100 anos). Continuam intocados com discurso que investe na lógica do usuário como doente”, ele avaliou.

Além disso, existe a questão dos discursos da militância do pró usuário, que corre o risco (talvez involuntário) de ser amplamente político. Para Freitas, os discursos de militância não lida com o tema dos traficantes, com o tema das penas alternativas e “não ataca de frente a lógica da cultura do castigo e da repressão”. O discurso pró saúde pública, pode involuntariamente reforçar o punitivismo — “o discurso ‘ser uma erva natural que não pode te prejudicar’ é um discurso proibicionista porque ele elege, por exemplo, a maconha como não prejudicial e elege todas as outras drogas como prejudicial. Então, esse discurso de problematização muitas vezes falta uma reflexão mais aprofundada sobre os temas”, remitiu.

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