Jornal Pires Rural – Edição 242 | LIMEIRA, Junho de 2020 | Ano XV

A família Gachet está em festa! O casal Walter e Zilda Beck Gachet completaram as Bodas de Vinho, no dia 10 de junho, alcançaram ao longo de seus 91 anos de idade, 70 anos de casados. Conversei a distância com o filho do casal, Walter Gachet Filho e sua esposa Angélica, sobre a alegria desta família em alcançar a comemoração, em ter os pais lúcidos, com saúde, com uma rotina normal e, comemorando essa união, juntos dos netos Tânia e Tiago, bisnetos Felipe e Lucas. 

O casal
O casal Walter e Zilda Beck Gachet

A família está na propriedade, no bairro do Pinhal, em Limeira, há seis gerações, desde a chegada do francês Leandro Gachet, o filho João Gachet, o neto Walter Gachet, o bisneto Walter Gachet, tataraneto Tiago Gachet, o tetraneto Lucas Gachet. Os Gachet, vieram da França, eram militares. “O meu bisavô Leandro e o meu tataravô eram militares, na primeira Guerra Mundial. Ele era um general que executava os prisioneiros e, a minha bisavó alemã, enfermeira voluntária da Cruz Vermelha, eles se conheceram na Guerra. Quando terminou a primeira Guerra Mundial, os aliados ganharam. Os franceses perderam e, meu bisavô foi jurado de morte e como ele era um militar-general, fugiu para o Brasil com a minha bisavó. Ele disse a ela: ‘você quer ir para o Brasil, nós vamos. Mas, tem que ser agora’. Ela aceitou, eles não se despediram de ninguém, vieram com as roupas do corpo, na primeira imigração para o Brasil e, foram para morar na colônia onde é a Fazenda Santa Tereza, em Cordeirópolis”, contou Walter Filho.

A senhora Zilda, nasceu no bairro Santa Helena, em Limeira. Eles se conhecem no tradicional ‘Bailinho da Tulha’, uma festividade que acontecia nas tulhas de café das propriedades rurais. Os cafezais da época contavam com os mutirões dos vizinhos para ajudar na colheita, um ajudava o outro. “Reuniam-se as famílias, os parentes, os amigos, um bando que colhia o meu, o seu, faziam toda a colheita, faziam a secagem e armazenamento dos grãos numa tulha grande. Depois da venda da produção do café armazenado, as tulhas eram esvaziadas e para comemorar a venda era organizada uma festa. Preparavam as comidas, as bebidas, a festa era animada com música ao vivo com os sanfoneiros, clarinetistas, com repertório de origem alemã, trazido para o bairro com a imigração; foi desta festa que surgiu o Baile das Tulhas. A festa baile servia toda a culinária alemã e quase amanhecia, aqueles que passavam da conta na bebida saiam com dificuldades na volta pra casa. Minha avó Ana participava desses bailes, ela contava que os homens usavam botinas e as mulheres na sua maioria dançavam descalças, com os pés no chão — a simplicidade e dificuldades da época não dispunha de sapatos de salto para as festas. Por isso surgiu a lenda do ‘pé-vermelho’ porque as tulhas não tinham um chão apropriado para bailes, o piso era sujo e rústico. E foi num desses bailes que os meus pais se conheceram, se apresentaram, mas até dar início ao namoro foi toda uma história seguida de encontros no bailes. Dado início o namoro, meu pai, pra ir namorar, usava o cavalo como meio de transporte e uma das curiosidades que ele conta é que naquele tempo não era comum o noivo ou namorado pernoitar na casa da namorada, não era permitido nem que tivesse chovendo canivete aberto o namorado tinha que ir embora porque o sogro não deixava. Ele conta que numa daquelas noites, ele namorou até as 22h, quando foi pegar o seu cavalo pra ir embora o animal tinha escapado e, estava chovendo muito naquela noite e não conseguiu achar o cavalo. Ele precisou ir embora a pé, andando, duas horas e meia na chuva porque, não podia ficar na casa da namorada. Naquela noite, devido às circunstâncias a sogra disse que ele podia ficar por se tratar de uma situação de emergência. Mas ele se sentiu inibido por estar no início do namoro e não aceitou o convite. O namoro era uma situação de bastante sacrifício mas, muito valorizado. No outro dia, ele voltou para procurar o cavalo junto com os familiares da minha mãe, achou o animal e levou de volta pra casa — são as histórias que ele conta”, relatou Walter Filho. 

O casamento daquela época, era organizado pelas famílias, os preparativos eram feitos tudo em casa. O casal ia para a cidade, se casar no cartório civil, e no religioso. “As fotos eram feitas no estúdio Ceneviva, na rua Carlos Gomes, no quarteirão abaixo da praça Toledo de Barros. Os noivos saiam vestidos de casa, iam de trole para a cidade, alguns a cavalo. A minha mãe conta que foram de oito a dez troles. Os padrinhos dele o levaram. Os padrinhos dela levaram-na. A cerimônia religiosa aconteceu na igreja católica”, descreveu. 

Walter Filho foi educado seguindo duas origens, a alemã e a francesa. Ele conta que existem  diferenças entre a cultura dos imigrantes franceses e dos imigrantes alemães: os alemães preservam mais a cultura do que os franceses, no Brasil. “Os franceses perderam um pouco da cultura, tradição, no Brasil. Na culinária, os alemães são muito melhores, mais exigentes; em compensação, na moda os franceses são muito mais rigorosos do que os alemães, que querem conforto e os franceses querem elegância. As fotos antigas revelam as francesas com o tipo físico elegante e as alemãs mais “pochachonas”, disse.

Pelo fato de Zilda ser uma modista, o filho considera que a mãe (descente de imigrantes alemães) teve influência dos hábitos e tradição francesa aprendida com a família do esposo, “ela teve muita influência da cultura francesa (do lado do meu pai) porque, ela foi costureira e figurinista, confeccionava vestidos de noivas, na época. Não tinha ateliê em Limeira. Para quem tinha recursos podia encomendar os vestidos de noiva em Campinas ou em São Paulo mas, aqui no bairro as famílias tinham muitas dificuldades para investir no casamento dos filhos. Minha mãe  perdeu a conta de quantos vestidos de noivas ela confeccionou, principalmente aqui na região que as famílias eram pobres, simples, humildes. Ela fez muitos vestidos e não cobrou pelo trabalho porque, as famílias não tinham condições de pagar, fez muitos trabalhos voluntários. Minha mãe dispunha de um estojo de maquiagem, do que existia na época como o pó de arroz, o rugi, então, ela costurava o vestido e arrumava a noiva, o cabelo. Isso não existia aqui no sítio. Às vezes, precisava ajudar cortar as unhas da noiva, esperar pelo banho; naquele tempo as pessoas eram muito rudes. O noivo não sabia amarrar uma gravata”, contou.  

As pessoas ficavam felizes em receber os cuidados de Zilda e está, realizada com o seu trabalho voluntário. A modista guarda uma coleção de fotos, com os retratos daquela época dos vestidos e das noivas que vestiu. Zilda não só confeccionava o vestido e produzia as noivas, ela era uma referência para as moças donzelas que iriam se casar. Dava orientações, era uma confidente das moças numa época que a noite de núpcias era um tabu dentro das famílias. O papel que Zilda desempenhou através da costura foi além de vestir uma noiva, ali foram costurados muitos laços afetivos diante da sua generosidade.

O filho Walter contou que seu pai estudou até o terceiro ano primário. O seu avó, João, ainda cuidava da propriedade, depois que o  pai, Walter, se casou e, deixou o trabalho na propriedade tendo partido para um novo negócio; uma cooperativa agrícola, de secos e molhados, no bairro do Pinhal, na propriedade do Guido Tetzner. O comércio fornecia todo tipo de produtos e alimentos como sal, tecidos, fumo de corda, querosene, porque não tinha energia elétrica. “Devido ao trabalho no armazém, meu pai aprendeu os cálculos para a metragem de terras, e também como instruir as famílias nos inventários, desta forma era uma referência na região. Conseguiu adquirir um caminhão antigo, pequeno e daí arrumou outra incumbência: buscar a parteira para fazer os partos no bairro.  Muitos chamados aconteciam na madrugada, ele era acordado com alguém chamando na porta de casa pedindo pelo amor de Deus; ‘seu Walter vai buscar a parteira pra fazer o parto’. Ele fez muitas viagens como voluntário para a comunidade”, revelou. 

O filho conta que o pai foi um dos pioneiros, junto com uma comissão organizadora, para trazer a instalação da energia elétrica para o bairro do Pinhal. Formaram um grupo de agricultores para conseguir trazer a energia particular até as propriedades. “Ele fez toda a parte da contabilidade, dos contratos dos engenheiros, dos empreiteiros para erguer os postes, da compra dos fios, dos transformadores; fez todos os relatórios da contabilidade e apresentou, como voluntário. Ele se tornou uma pessoa muito conhecida no bairro e é hoje”, falou. 

Walter Gachet é membro da Congregação Evangélica Luterana Cristo, de Pires, desde o seu batizado. Zilda, de origem católica, depois de muitos anos, passou a ser membro acompanhado o marido. “Sua participação foi muito ativa junto com a família nas obras da comunidade e, na dedicação para conservar e incentivar a cultura alemã nas festas tradicionais como a Festa Alemã e a Festa das Nações. Ele partiu para a cultura alemã e todos acham que nós somos (descendentes) de alemães e, na verdade somos (descendentes) de franceses”, o filho citou. 

O casal leva uma vida normal, independente, moram na própria casa, exercendo todas as atividades diárias, com os cuidados do filho e nora. A rotina no dia a dia: levantam de manhã os dois, qualquer um dos dois faz o café, põe a mesa com o pão, a geléia, o queijo e, tomam o café da manhã. “Eles cozinham a comida deles juntos, ela faz as comidas deles, as broas, o pão de ló, toda a culinária alemã, sozinha. A gente acompanha tudo o que eles fazem, ficamos atentos a alguém que chega, mantemos o telefone fixo pra eles se comunicarem conosco, caso ocorra uma emergência. Um ajuda o outro, lavam as louças juntos; uma vida normal. Eles cuidam do jardim, das plantas, cuidam das flores, irrigam, fazem a poda, limpam, fazem de tudo dentro das possibilidades deles. Tomam o sol da manhã. E, a tarde eles descansam, repousam antes de tomar um lanche, juntos. A minha mãe assiste aos programas de notícias e, está por dentro de tudo o que está acontecendo. Adora assistir o programa ‘Roda Roda Jequiti’ com o Silvio Santos, ela fica furiosa, porque as mulheres não respondem, ela fala: ‘está pronta a palavra! E a mulher não sabe!’. A minha mãe acerta todas, ela é muito boa em conhecimentos gerais, leu muito na vida; o prazer dela é a leitura, até hoje. A única coisa que eles não fazem é a faxina. Nós permitimos que eles tenham a própria rotina porque o médico que cuida deles disse que é importante deixar eles fazerem as atividades que gostam”, disse. 

'Bodas de Vinho', 70 anos de casados
O casal comemorando ‘Bodas de Vinho’, 70 anos de casados

 

Além de uma rotina diária aos 91 anos, Zilda é uma pessoa que se mantém intelectualmente ativa, adora contar histórias e gosta de falar das origens de crendices populares, do folclore. Ela é bem intelectual. Walter gosta muito mais de conhecimento de histórias bíblicas, dos povos bíblicos, da antiguidade. “Eles não se preocupam com nada, não tem ansiedade, são tranquilos. Opinião sobre o coronavírus? Não precisamos nem falar pra eles sobre o assunto porque, eles assistem todos os programas de repórteres, sabem as notícias local, as notícias nacionais, ela sabe tudo o que está acontecendo na região. Ela se preocupa com a pandemia e sabe que tem que fazer o isolamento social e diz: ‘ah! Estou com 91 anos eu já estou no lucro. Então, se tiver que dar, fazer o que? Eu, daqui pra frente não sei até onde eu vou mas, já estou no lucro’, os dois dizem. Eles tem uma vida super saudável, estão preparados, eles não tem medo nenhum da morte, dizem: ‘não sei o dia que chegar mas, se chegar que chegue’”, Walter filho descreveu.

  

 

One thought on “Bodas de Vinho – Walter e Zilda Beck Gachet completaram 70 anos de casados”

  1. Sou neta de Anna Fernandes Gacget que era filha de José Fernandes e de Maria Baptista Gachet, nascida em 08 de fevereiro de 1898, na região de Macatuba SP. Teríamos algum parentesco distante?

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