André Zambuja, aos 97 anos, ainda usa a enxada para plantar, colhe o que planta no quintal, e no sítio do filho, mesmo assim, diz que gostaria de trabalhar mais. Casado com Natalina Zucollo Zambuja (in memorian) cinco filhos, dez netos e nove bisnetos. Numa tarde, na área de sua casa, conversamos sobre a sua escolha e mudança para Limeira no ano de 1962. Desde então, ele reside no mesmo endereço na Vila Queiróz. 

O objetivo da nossa conversa é trazer as memórias de pessoas que migraram e ajudaram formar os bairros urbanos trazendo na bagagem a sua cultura, a religião, e a esperança de que a venda da sua força de trabalho lhe daria a sonhada prosperidade. 

Nessa época o município de Limeira começava o seu projeto econômico baseado na indústria — a indústria vai definir o que é o urbano para os municípios. O País vivia a concretização do chamado “Planejamento Regional (1955 a 1961)” e pela primeira vez, o País sofre a intervenção do Estado na Economia com a regionalização e projetos de transporte, energia e alimentação. 

“Quando eu vim aqui em 1962, de Vera Cruz (SP), perto de Marília (SP), vim casado com Natalina Zucollo Zambuja”. Pergunto, por que Limeira? “Porque os filhos, Antônia (in memorian), José Carlos (in memorian), Luzia, Jesus, Antonio, eram cinco filhos pequenos que precisavam estudar. Eu morava numa chácara encostada na cidade, eu tinha pasto com vaca de leite, plantei café. Falei, ‘vou pra Limeira, lá tem mais estudo e mais serviço’. 

O japonês com quem eu trabalhava comprou um sítio em Itapecerica da Serra (SP), ele queria que eu fosse pra lá tomar conta do sítio dele. Já tinha mandado uns peões pra lá, ficaram um mês e quando vieram contaram, ‘lá a gente vê o sol só de tarde porque é serra por todos os lados. Tem mata, tem um mina boa, tem um córrego que quando enche é duro de passar. Se o senhor vai pra lá, a gente vai junto, senão, não voltamos não’. O japonês me falou, ‘eu compro jipe pra você levar os filhos pra cidade’. Eu falei não. Eu resolvi vir pra cá”, contou.

Sr. André Zambuja e a esposa Natalina Zucollo Zambuja (in memorian)

O senhor tinha algum conhecido em Limeira? “Tinha o meu sogro, os tios da minha mulher trabalhavam no ‘Papelão’ (hoje MD Papéis, desde 1945 no mesmo endereço no bairro Boa Vista, em Limeira). A minha mãe era Gazeta, o tio Felício Zambuzi, irmão mais velho do meu pai, tinha fazenda pros lados do Morro do Boiadeiro, indo para Piracicaba (SP). A fazenda foi dividida para os filhos, quando eu me mudei pra cá fomos passear na casa deles”. Mas eles nem sabiam que o senhor estava vindo? “Não, nem sabiam”, disse. 

E como foi se mudar com a família de cinco filhos pequenos para uma cidade maior naquela época? “Nós trouxemos mercadoria pra comer durante um ano. Trouxe de tudo; arroz, feijão, gordura, carnes na lata. Às vezes eu saia para procurar emprego, o primeiro que procurei foi o Bortolan (o saudoso radialista Vitorio Bortolan), ia lá conversava com ele, ‘olha seu André, aqui tem gente pra arrumar serviço a troco de um prato de comida – tá difícil arrumar serviço’”, contou.

A família se instalou aqui na Vila Queiróz? “O meu sogro morava ali embaixo, na Rua Limeira, ele comprou uma casa aí. E quando eu vim, eu já tinha vindo fazer o negócio dessa casa aqui, depois eu vim com a minha família. Nessa garagem (aponta) era uma entrada de caminhão, a casa tinha só quatro cômodos, eu fui reformando devagar”, contou. 

E a Vila Queiróz, como era? “A Vila só acabava no fim da Rua Limeira, onde está aqueles prédios hoje, pra lá era só mato. Tinha a chácara do “Papelão” (indústria de papel) e o resto era mato e pasto cheio de espinhos. Chegamos com a mudança, desci pela estrada aqui (indica o lado direito da rua), era eucalipto daqui até na pracinha (Das Nações) do bairro Boa Vista. Chegava na Vila (Queiróz) pela Boa Vista. Aqui (frente da casa) era a estrada de boiadeiro, por aqui passava a boiada, tinha as casas, mas a rua era de terra, tudo danado. O seu Antônio, da esquina do lado de cima, tinha umas catorze cabeças de gado, tirava leite das vacas aí. O gado dele vinha pastar aqui, e por toda a Vila Queiróz. A divisa entre um vizinho e outro era feito de madeira, de bambu.

Tinha o Bosque do lado de cima da Indústria de Máquinas D’Andréa, era uma beleza, tinha lugar pra pescar, a pontinha passava por cima do córrego que era represado, passava para o lado de lá que tinha um brejeiro de capim fino alto assim; a gente atravessava a linha (do trem) pra ir na Vila do lado de lá – era difícil para atravessar. A família ia passear lá, e com o tempo foram abandonado tudo.

Paralelo à Rua Limeira tinha minas d’água, pra cima da mina tinha uma represa, ainda existe uns pedaços de tijolos lá. Dali canalizava a água pra ir até no Limeira Clube, para os moradores pegarem água. Quando eu cheguei aqui já tinha estourado a represa”. 

Nós estamos falando de uma época que os bairros de Limeira não tinham água encanada? “Não, não, aqui era tudo fossa no quintal, tomava banho na bacia. Até pouco tempo tinha a bica, quando acabava a água da torneira o povo ia buscar ali”. 

André Zambuja, ainda usa a enxada para plantar e colhe o que planta no quintal, diz que gostaria de trabalhar mais

Recebo a pergunta;

-Lembra daquele viaduto de escadas de madeira, também? 

-Sim, claro que me lembro. 

“Aqui quando chovia formava cada canaleta que era só terra, (conta apontando para a rua). Era a época do carroceiro Rosada que vendia as carnes, vendia os miúdos, agora ficou os filhos dele, eu não conheço mais eles. 

Eu fui trabalhar primeiramente pro Silvio Petto na fazenda dele. Ele plantava melancia, cana-de-açúcar, na fazenda tinha um engenho. Trabalhei uns tempos, eu ia de caminhão, o turmeiro (motorista que freta o caminhão de transporte) ia passando para pegar o pessoal, a mulherada também ia trabalhar na roça. Era muito precário, o caminhão nem bancos tinha, a gente sentava no piso da carroceria. A gente passava com o caminhão naquele córrego que tinha no bairro Barroca Funda e subia até chegar num bairro que nem sei o nome. Saía de madrugada com aquele frio em dias de geada, a carroceria do caminhão não tinha cobertura, só passava aí (no bairro), subia na carroceria e levava. As roupas molhavam no orvalho, secava no sol, se chovia ficava o dia todo com as roupas molhadas”, relata. 

A Vila Queiróz recebeu mais moradores vindos de onde? “Tinha gente que veio lá de Taiúva (SP), eu nasci lá. A família Piva era de lá, a família Conforte também”, disse.

O senhor chegou com a família, e as coisas não eram tão fáceis quanto imaginou? “Era difícil mas eu fui labutando, eu enfrentava qualquer serviço. Por fim, eu larguei de lá e fui apanhar laranja para um homem de Santos (SP), quando ele fez esse barracão aqui, era um lote vazio, pra colocar o caminhão com as laranjas, eu fui trabalhar com ele, apanhar laranjas”. 

A sua senhora chegou a trabalhar fora de casa? “Ela trabalhou uns tempos de colher café, lá perto do cemitério (da Saudade) para os Kuhl. Lá em Vera Cruz ela lidava com café”, afirmou. 

Conte-me sobre as mudanças que foram acontecendo no bairro Vila Queiróz?

“O prefeito Jurandyr Paixão de Campos Freire fez o asfalto da Rua Limeira, na Avenida Laranjeiras quando era só uma rua, depois foi dividido em duas, sobe e desce, mudou tudo do que era. Aqui (rua onde reside) era tudo terra de chão sem asfalto. O bairro termina lá onde tem a caixa d’água. Onde hoje é a escola Maria Thereza Silveira de Barros Camargo, tinha uma olaria, ali era pasto do sítio. Tinha o Armazém Franco onde hoje é o supermercado na avenida, ele abriu o primeiro mercado ali. Na Rua Limeira tinha um armazém, do Antonio Scaramelli. Depois veio a Indústria de Máquinas D’Andrea, o bosque ia até encostar no D’Andrea. Tinha a indústria Rocco. No bairro Egisto Regazzo, era o pomar da família”, contou. 

Senhor André foi pedreiro e trabalhador rural, não tinha registro em carteira, recebia por semana. Já era um homem maduro quando foi contratado na indústria, só então passou a ter registro na carteira de trabalho. “Fui na indústria de papel. O Jaime Moreira, gerente, fez a entrevista, tinha eu e um tal de Luís. O gerente falou, ‘você está com 46 anos, ainda está forte e dá pra trabalhar, pra você tem serviço. Agora você (o tal Luís), usa óculos, não pode’. Eu fui fazer aquele encanamento da indústria no ribeirão Tatu. Com aquele frio, saia cedinho, entrava naquela água gelada descalço pra fazer o muro entre a indústria e o ribeirão. Corria bastante água ali”, afirmou. 

Fale como era o ribeirão Tatu naquela época? “Tinha árvores em toda a volta da linha do trem, perto do ‘Papelão’. Tinha uma poça que dava cada (peixe) bagre assim (gesticula). Me lembro que o porteiro enchia baldes de bagres, traíras. Que judiação foi acabar com o rio. Quando veio a indústria D’Andreia canalizou a rede de esgoto do bairro no ribeirão e acabou com os peixes. Eu só pescava no Bosque. 

Quando terminou o serviço da canalização da água para o ribeirão, a indústria de papel fez o tratamento de água pra depois soltar no rio. Acabou esse serviço, fui fazer massa pra fazer o papelão. Moía a celulose, mandava no cilindro lá em cima, tocado à bomba. Depois, tinha o outro cilindro que temperava tudo até dar o ponto de soltar pra máquina modelar o papel. Eu fui para a parte de cima, ajudar os cilindreiros temperar a tinta para colocar no papel – trabalhava em três horários. Por fim, tomei conta de uma parte da sessão da máquina, mas eu não dormia quando trabalhava à noite. A minha mulher falava, ‘pede a conta pra eles’. Eu falava, não vou pedir, trabalhei todos esses anos, pedir a conta? De noite a hora que acabasse a massa da máquina, podia estar o frio que fosse, tinha que entrar nos tanques pra lavar, se molhava inteiro, não tinha jeito. Daí, tinha uns que eram meio metidos a chefes, os encarregados, queria ser mais que a gente e eu comecei responder pra ele (não ofendia). Falei (pra si mesmo), um dia ele me manda embora. 

Entrou um outro gerente e, eu até xinguei ele um dia. Eu precisava lavar os tanques todos os dias de noite. Eu disse, isso aí é pouca vergonha, vocês não mandam nada aqui. Você saiu lá do Chile pra vir encher o saco da gente. Ele (encarregado) falou com o gerente; ‘ele está malcriado’. Me mandaram embora. Eu cheguei pra trabalhar e o cartão não estava mais lá. O meu cartão não está ai? Disseram, ‘então vai embora. Amanhã a gente vê o que aconteceu’. No outro dia fui despedido. 

Comemorando os 97 anos

Eu fui trabalhar de pedreiro, eu e o Antonio Degaspari, o motorista de taxi. O morador mais antigo daqui, o avô dele tinha um bar na esquina da avenida”, contou. 

Então o senhor ajudou a construir o bairro? “Eu fiz uma porção de casas aqui pra cima”. 

Qual dos filhos se casou primeiro? “A primeira que se casou foi a minha filha Antonia que morreu”. 

Ela não está mais entre nós, eu sinto muito. 

“Não. Era a bondade em pessoa, muito religiosa, ministrou ‘Encontro de casais’ na comunidade Nossa Senhora Aparecida. Quando a minha esposa faleceu primeiro, há 23 anos, minha filha Toninha falou, ‘pai, fica sossegado que eu cuido do pai’. Ela morava aqui no bairro e vinha sempre aqui cuidar de mim. Depois de dois anos, ela se foi também (se emociona). Foi ela quem cuidou da mãe doente. Depois morreu o meu filho mais velho. 

Ela e todos os outros filhos se casaram na Paróquia Nossa Senhora Aparecida. Aqui na comunidade tinha a Missa do Amor Maior aos domingos para os jovens, enchia a igreja de jovens, todos muito unidos na igreja, era bonito. Depois de casados, davam o ‘Curso de casamento’, ajudavam na comunidade, a Toninha fazia parte e permaneceu servindo na Paróquia”, disse. 

Quem era mais religioso em casa? O senhor ou a sua esposa? “Ela era mais. Ela trabalhou na roça levando a filha Toninha nos braços. Quando ela era pequena, eu peguei serviço por conta, lá em Vera Cruz tinha muito serviço pra plantar amendoim, algodão, essas coisas. E tinha que plantar e a menina não parava na sombra quieta, ela pegava no colo com uma mão, segurando, e com a outra mão plantando amendoim. Muito prestativa, a vizinhança precisava dela, ela estava lá ajudando. Ela também me ajudou muito porque eu trabalhei dois anos muito longe da cidade, 18 km da cidade. Assim mesmo, eu saia de madrugada pra ir em missa na cidade, à pé, tinha serra pra subir, eu ia. 

Depois que trabalhei por dois anos eu falei, não dá certo aqui, começou nascer os filhos, já eram três; vou mudar pra cidade. Mudei em Vera Cruz, trabalhei uns tempos para o padre cortando eucalipto pra lenha. Arrumei serviço com um japonês, trabalhei uns tempos, aí ele mandou ir pro Paraná, tomar conta do sítio dele lá. Fiquei quinze dias, o caminhão foi pra lá eu voltei com o caminhão pra cá. Quando cheguei de volta, ‘não seu André, não pode. É pro senhor ficar lá até arrumar um administrador’. Voltei pra lá de novo, fiquei mais quinze dias, não dá não – filhos lá e eu aqui, vou embora. O patrão me disse, ‘então você fica aí de ajudante de caminhão’. De lá, a gente trazia mercadoria aqui em São Paulo (SP), nós gastava dois dias pra chegar, não tinha asfalto – o asfalto era de Campinas pra lá. 

Tinha um que trabalhava no escritório, me falou, ‘André, meu tio está vendendo um sitinho lá no Rio da Garça’. Como é esse sítio? ‘Tem quatro alqueires, uma casa boa, um pomar’. Fui lá, dei uma olhada, comprei com o meu dinheiro. Fiquei um tempo trabalhando lá. O homem que morava perto, perguntou, ‘mas você vai morar lá?’ Eu vou. ‘Mas a noite é um barulhão, os pés de laranjas chacoalham tudo, bate lata, bate uma coisa, bate outra’. Assombração. Eu falei, eu tenho que ir, eu comprei, eu vou cuidar daquilo. Me mudei. Fiquei meio cismado. Tinha uns quartos grandes do lado da casa. Eu escutava o barulho. Levantei de noite, fui ver, eram uns ratões enormes que andavam pelo telhado, a assombração era isso aí. Trabalhei por três anos e mudei pra cidade. Apareceu uma chácara na cidade, comprei. Tinha duas casas, alugava uma. Fiquei mais de oito anos. Formei mudas de café no balaio. Me convidaram, ‘vamos plantar melancia André?’ Plantamos melancia. Trabalhei na fazenda Vera Cruz, puxando tora da frota pra cima, na colônia. Quando eu falei que vinha pra cá, o patrão me falou, ‘eu vou pra Araras tomar conta de uma fazenda. Se você não se der bem em Limeira me procura em Araras que o serviço está te esperando’. Eu vim pra cá e não fui procurar ele não”, disse. 

Quando o senhor chegou aqui, os lotes à venda era caro? “Tinha lotes, pro lado de lá do riozinho aí tinha duas casas, me levaram pra ver aquelas casas. Tinha essa aqui, tinha a da esquina, outra ali. Eu comprei essa”, contou.

Quem era o vizinho, a família amiga, que o senhor podia contar na hora que precisasse?

“O seu Dito e a dona Maria, meus vizinhos, boas pessoas. Quando precisava de alguma coisa também tinha o meu sogro que morava ali embaixo. No fundo tinha o seu Artur (in memorian), boa pessoa, tinha horta, dava verdura pra gente. A filha dele ficou com a casa e veio aqui (recentemente) me deu a chave pra cuidar, ‘faça o que quiser’. Ali eu planto e colho milho, feijão, vagem. 

Eu nunca parei de trabalhar. Meu filho Vicente tem um sítio em Borda da Mata (MG). O filho José Carlos (in memorian) tinha um sítio em Artur Nogueira, eu ajudei formar a chácara e construir. Mas antes disso, o filho Vicente tinha uma chácara no bairro dos Pires. ‘Pai, vai lá cuidar’, formei a chácara plantando amendoim, vassoura, milho, fez a casa. Íamos eu e minha véia, carpindo, cuidando. Quando estava fazendo a casa na chácara ela morreu. Depois ele vendeu a chácara e foi para a cidade Borda da Mata (MG). Eu ia lá, era só pasto, a gente dormia debaixo de uma barraca e os bois todos em roda de nós. Quando dava temporal, à noite, quase nos levava com a barraca e tudo. Que aventura, era tomar banho naquela água gelada que vem da montanha canalizada, é a mesma coisa que tirar a água da geladeira. Depois ele inventou de colocar a água em tambor, colocava um fogão por baixo, esquentava um pouco a água, daí dava pra tomar banho. Eu já trabalhei bastante, ainda tenho vontade de trabalhar mas, não dá mais”, contou.

O senhor achou que ia chegar nessa idade de 97 anos, tão bem? “Eu não achei que eu ia chegar mas estou indo”, afirmou.

Qual é a sua satisfação na vida? “É viver sem dar trabalho pra ninguém até a hora de morrer”, concluiu. 

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