Jornal Pires Rural – Edição 209 | CAMPINAS, Janeiro de 2018 | Ano XII

Professora do Instituto de Química da Unicamp, Dra. Anne Hélène Fostier apresentou resultado de suas pesquisas durante o “Fórum Conservação e Recuperação do Solo e da Água”, realizado em Campinas. São estudos com ênfases nos impactos da contaminação do meio ambiente provocada pela dispersão de medicamentos veterinários. Ela possui graduação em Oceanografia, mestrado em Ecologia, doutorado em Oceanologia e pós-doutorado pelo CENA-USP. Trabalha com pesquisas na área de química ambiental, voltada para contaminantes inorgânicos (principalmente mercúrio e arsênio) e orgânicos (fármacos) no meio ambiente, procurando avaliar suas fontes, seus processos de transferências entre os diferentes compartimentos (litosfera, atmosfera, hidrosfera), bem como sua ecotoxicidade.

Dra. Anne Hélène, abordou os resultados obtidos da avaliação de risco ambiental dos resíduos de produtos veterinários. “Sabemos que o setor agropecuário é atualmente um dos motores da economia brasileira, particularmente no que diz respeito a produção animal e seus derivados. De fato, se olharmos o cenário mundial, o Brasil atualmente é o segundo maior produtor bovino e terceiro maior produtor de frango, com um crescimento expressivo na maior parte dos Estados brasileiros. Grande parte desse momento da produção se dá no sistema intensivo de criação, com o objetivo de aumentar a produção, a competitividade do mercado e a eficiência ambiental. Isso obviamente gera um impacto, aumentando a suscetividade da criação animal, pelo surgimento de doenças infecciosas o que pode acarretar um risco de quebra de produção”, avaliou.

Segundo ela, o motivo do uso de grande quantidade de produtos veterinários, é justamente para diminuir a mortalidade, prevenir e tratar doenças e também impedir o risco de transmissão além de aumentar a produtividade. “Entre os diferentes tipos de produtos veterinários utilizados nós temos os antimicrobianos, antiprotozoários, antifúngicos, promotores de crescimento, hormônios, anestésicos, tranquilizantes, agentes anti-inflamatórios não esteroidais e produtos para eutanásia, utilizados para assegurar a saúde animal”, ela explicou.

Mercado animal
O mercado mundial da saúde animal, que vem aumentando 8% ao ano, o Brasil ocupa um lugar de destaque, sendo o segundo no mundio para produtos veterinários. Ela informa, “atualmente são mais de 6.500 produtos registrados e legalizados pelo Ministério da Agricultura. Entre as diferentes classes terapêuticas, podemos destacar os antiparasitários e os antimicrobianos, ambos correspondem a 40% destes produtos. Chama a atenção o consumo de antimicrobianos veterinários (AV) na alimentação animal, que vem crescendo de forma significativa, Nos Estados Unidos estima-se que o consumo de AV seja de aproximadamente 10 mil toneladas por ano”, pontuou.

Estes produtos veterinários, após o uso podem ser encontrados disseminados no ambiente, de acordo com Dra. Anne são dispersados por diferentes vias como urina e fezes, depositados diretamente nas pastagens, também pelo uso de esterco animal como adubo em terras agrícolas e destaque para o setor da aquicultura que utiliza lagos, e nesse caso temos água como uma entrada direta para o sistema ambiental todo.

Dra. Anne alerta, “precisamos também olhar, pra entender bem a problemática, quais são os possíveis impactos dos produtos veterinários no ambiente. Nós sabemos que os fármacos veterinários (FV) não são completamente metabolizados, estima-se que em alguns casos até 90% da dose administrada seja eliminada em sua forma não metabolizada ou como metabólitos ativos, já que a absorção destas substâncias geralmente ocorre de forma incompleta no organismo. Obviamente é esperado que esses produtos possam ter um impacto sobre os ambientes terrestres e aquáticos”, destacou.

Lixiviação
A grande preocupação internacional que vem surgindo é sobre a disseminação das bactérias resistentes devido a presença de antimicrobianos no ambiente. Hoje, é um dos grandes focos de atenção em relação aos produtos veterinários, não só veterinários, mas também como os fármacos utilizados por toda a população.

A bioacumulação de antimicrobianos em plantas e organismos pequenos é um dos impactos provocados pela dispersão destes compostos no solo. Dra. Anne citou que houve observação a bioacumulação de trimetoprima (TMP – conhecido por nomes comerciais como Bactrim, Septrin e Septra) e diversos compostos orgânicos em minhocas, após a aplicação de esterco e de lodo de esgoto ao solo. Mesmo não havendo evidências de que a bioacumulação de antimicrobianos em plantas ofereça riscos à saúde humana, há estudos que mostraram que o crescimento de espécies vegetais foi prejudicado por alguns fármacos. Além dos prejuízos causados às espécies vegetais, outros danos também podem ser provocados, já que muitos micro-organismos do solo são sensíveis aos antimicrobianos. Nos estudos, as bactérias presentes em solos cultiváveis e florestais, são responsáveis pela imobilização de minerais e processos naturais de decomposição. Com a morte destes microorganismos a capacidade do solo em degradar outros contaminantes, como os agrotóxicos, seria prejudicada.

Bactérias Resistentes
Outra preocupação em relação aos antimicrobianos veterinários é o desenvolvimento de bactérias resistentes, provocado por seleção natural, troca de material genético entre bactérias do solo e aquelas presentes nas fezes de animais ou entre bactérias produtoras de antimicrobianos. “Esta preocupação fez a União Europeia proibir o emprego de AV, com a finalidade de promover o crescimento em animais produtores de alimento, já que existe o receio de que bactérias resistentes possam infectar o homem por meio do consumo destes produtos”, afirmou a professora.

O que chama a atenção, segundo Dra. Anne é que fármacos são regularmente encontrados em águas pois, sua introdução no ambiente pode ocorrer por efluentes industriais e domésticos, pelas más condições de armazenagem dos produtos não utilizados ou com prazo de validade expirado, através de tratamentos administrados na aquicultura e por meio dos excrementos dos animais. “As fezes e a urina são as maiores fontes de contaminação, já que o esterco é muitas vezes lançado diretamente no pasto ou empregado como fertilizantes sem nenhum cuidado prévio. Uma vez que os processos atuais de tratamento dos esgotos não são capazes de eliminar completamente os antimicrobianos, a aplicação de biossólidos, provenientes do processo de tratamento de esgotos urbanos, pode-se tornar uma ameaça ao meio ambiente, já que fármacos de uso humano e seus metabólitos podem ser dissolvidos no solo e atingir ecossistemas terrestres ou aquáticos”, ela enfatizou.

Para ela, o uso controlado de fertilizantes naturais certamente é benéfico, uma vez que contribui para a reciclagem da matéria orgânica e dos nutrientes no solo. Entretanto, para que esta prática seja segura os riscos de contaminação devem ser minimizados através da degradação parcial ou total dos resíduos de AV. “No entanto, muitas vezes o esterco é coletado, armazenado e espalhado pelo solo sem nenhum tratamento prévio, o que pode vir a prejudicar o meio ambiente”, disse.

Medidas preventivas
O desconhecimento das consequências que podem ocorrer em longo prazo pela dispersão de bactérias resistentes fez países desenvolvidos adotar medidas preventivas, a fim de evitar que estes micro-organismos fossem disseminados por meio do consumo de produtos de origem animal. Dra. Anne destaca, “atualmente, os Estados Unidos, União Europeia e Japão dispõem de guias que regulamentam a avaliação de novos produtos veterinários no que diz respeito aos impactos ambientais e aos efeitos microbiológicos que podem ser provocados pelas bactérias de interesse à saúde humana. Outra ação positiva, tomada na Conferência Internacional de Harmonização dos Medicamentos Veterinários (VICH), foi o estabelecimento do limite máximo aceitável que não pode ultrapassar 100 microgramas por quilogramas para a presença de AV no solo. No caso, o Brasil conta com o Programa de Análise de Resíduos de Fármacos Veterinários em Alimentos de Origem Animal (PAMVet). Contudo, não existe nenhum programa responsável pelo acompanhamento destes fármacos no ambiente, nem temos uma legislação especifica limitando os valores dos fármacos, bem como, não existe avaliação de impacto ambiental em carnes e derivados de frango e nem em águas. Sendo assim, há necessidade urgente de avaliações do comportamento de AV em solos brasileiros e da disponibilização de métodos analíticos sensíveis e adequados para o monitoramento dos mesmos”, frisou Dra. Anne.

Resultados das pesquisas
Os resultados mais expressivos do mapeamento do risco de contaminação do solo e das águas subterrâneas brasileiras pelos antimicrobianos utilizados tanto como promotor de crescimento quanto para assegurar a saúde animal, foi detectado pelo uso da monensina, que é um antibiótico utilizado como aditivo na alimentação animal, com a finalidade de aumentar a eficiência alimentar.

Dra. Anne Hélène descreve, “trabalhamos com a metodologia geográfica que utiliza mapas sobrepostos. Foram 3 tipos de mapas, um com as quantidades de produtos lançados no ambiente, outro que avalia o tipo de exposição, tanto das águas quanto dos solos e um terceiro com as consequências no uso do solo. Não há dados disponíveis de consumo de atimicrobianos para finalidade veterinárias no Brasil, contudo, para elaborar a pesquisa contornamos esse obstáculo fazendo uma análises dos produtos mais comercializados, olhando o principio ativo presente. Desta maneira o monensina era o principio ativo mais frequentemente utilizado”, avaliou.

“Novamente combinando mapas”, ela relata, “chegamos ao produto final que nos interessa que é um mapa quantidade anual de monensina (g) lançada por município. Ele nos mostra que a parte sudeste do Brasil é onde há os maiores riscos de contaminação por monensina. Nós estamos aqui falando sobre a temática da preservação de solos e das águas subterrâneas e se olharmos estes mapas nos vamos poder constatar que estes dados se sobrepões de certa maneira exatamente ao aquífero Guarani. Lembrado que esse aquífero é uma das maiores reservas do mundo e acredito, é para o Brasil uma reserva estratégica, então, a situação aqui pode ser julgada extremamente preocupante. É bom ressaltar, por sermos um dos maiores detentores de rebanhos bovinos e de frangos do mundo e, ser o segundo mercado mundial de produtos veterinários, nos parece mais que urgente que o Brasil estabeleça diretivas sobre avaliação de riscos ambientais desses produtos, seja pra solo, águas subterrâneas ou seja pra águas superficiais. Em relação aos trabalhos que nós desenvolvemos, consideramos que o método proposto permite produzir mapas para, pelo menos, orientar os esforços de monitoramento em áreas de maior risco de contaminação, que foram apontados, esse método permite estabelecer facilmente mapas que trabalhem outros tipos de produtos veterinários”, concluiu Dra. Anne Hélène.

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