Jornal Pires Rural – Edição 210 | CAMPINAS, Janeiro de 2018 | Ano XII

“Seminário América Latina, China e Brasil: temas, perspectivas e desafios”, aconteceu no Instituto de Economia da Unicamp. A professora dra. Simone Silva de Deos, pesquisadora do Instituto de Economia e Grupo de Estudos Brasil-China, da Unicamp retratou o tema; “Financiamento, Economia Monetária”. O que é que a China e seu modelo bancário de financiamento tem pra ensinar ao Brasil, com suas estruturas, transformações recentes e algumas reflexões para o Brasil.

Após a crise de 2008, o investimento passou a ser uma variável macroeconômica ainda mais fundamental para o crescimento chinês — com a redução do comércio internacional ocorreu o aumento da necessidade do financiamento e investimento, com fundamental importância do papel dos bancos públicos. “Não dá pra falar em Sistema Bancário Chinês sem falar de banco público e esse conjunto de bancos transformou-se no maior conjunto de bancos do mundo.

Esse sistema é uma experiência muito recente, vem desde a metade do século XX, mais forte nas últimas três décadas. Onde começou? A partir de um modelo keynesiano, do ponto de vista teórico e, de uma economia fechada e seu governo querendo centrar no investimento gasto, como determinante de venda e o investimento como uma variável de gasto (investimento é uma variável que amplia a aceleração de investimento em alguns setores). Também tem trazido capacidade ociosa a determinados segmentos da economia chinesa, sobretudo porque tem o problema da descentralização do investimento”, afirmou profª Simone.

Outro ponto colocado pela professora, é que, se a China não precisa de poupança (e não existe), se não é necessário para o investimento, é só um pedaço da boa notícia. “O outro pedaço, é que na verdade, precisa financiar o investimento e isso é absolutamente central. A questão do financiamento do investimento, esse é o primeiro tema de debate, há muito tempo, porque as fragilidades dos sistemas de financiamento de investimento de longo prazo, eu diria que é uma característica das economias periféricas. Posto isto, modelo keynesiano, investimento, centralidade de investimento, não necessidade de poupança mas, necessidade de financiamento, compõe o cenário”, ela destacou.

Uma fronteira que se coloca na expansão da China por exemplo, é ampliar esse sistema financeiro para que possa financiar os consumidores e outros agentes, que não apenas as grandes empresas unicamente atendidas. “A moeda é uma variável endógena determinada. O teto (da moeda) é responsável pela demanda e não é mecanicamente controlada pelos Bancos Centrais – esse é um ponto que os economistas keynesianos (uma referência a teoria do economista John Maynard Keynes em seu livro ‘Teoria geral do emprego, do juro e da moeda’) já tem uma certa familiaridade da moeda e crédito, como uma variável endógena e não controlada pelos Bancos Centrais. Mas, eu queria chamar a atenção, para alguns aspectos: o fato dessa moeda e crédito ser endógena, o que significa dizer que não é controlada pelos Bancos Centrais — não quer dizer que esse crédito é controlado de alguma maneira pelo mercado. As mudanças na quantidade de moeda, vem das interações de unidades que desejam gastar e de unidades que desejam financiar. Não tem as unidades que desejam gastar e financiar, empresários sentem dispostos ao investimento ou não tem o sistema bancário disposto a financiar o seu investimento, teoricamente pode ser criado a partir de um balanço e a moeda pode ser insuficiente a partir dessa perspectiva”, enfatizou Simone.

Se o sistema bancário, vale do sistema ofertar a quantidade de moeda, os bancos públicos poderiam fazer, ou seja, a moeda não é controlada pelos Bancos Centrais mas é induzida por um sistema de bancos públicos. “A estabilidade desse sistema depende da geração de renda, que gera lucros, que sejam capazes de fazer frente aos empréstimos que foram concedidos. O sistema nunca é estável, mas a capacidade desse, a dinâmica de fazer a essa perda de endividamentos, vem do crescimento. Crescimento é a capacidade de gerar lucros, para fazer frente ao endividamento. Mas, esse sistema vai tendendo a operar pró-ciclicamente, carregado, mais endividado — essa é uma questão que fica colocada”, observou.

A profª Simone trouxe a definição sobre bancos públicos, o que é, e o que deveriam ser bancos públicos. “No debate convencional, clássico, é de que bancos públicos são justificáveis, quando não há bancos provendo crédito para setores específicos (às vezes setores altamente inovadores), onde há pequenas empresas com uma taxa de mortalidade muito alta ou, numa outra chave para eventuais segmentos de microcrédito — porque não seria atraente para o sistema bancário convencional. Ou seja, onde o mercado não funciona esse banco deve apoiar, como uma visão alternativa. O que temos observado é que os bancos públicos desempenham atividades que vão além do tradicional movimento de crédito para setores e segmentos atendidos. A atuação de bancos públicos vai além ao definir novos produtos financeiros de forma a induzir o mercado a novas direções”, afirmou Simone.

Outro ponto que a profª Simone colocou sobre os bancos públicos é sobre a atuação destes no mercado de forma a alterar sua dinâmica natural. “Esse é um ponto muito importante porque bancos têm uma dinâmica altamente pró-cíclica e ao fazer isso eles levam a economia como um todo, junto deles. Então, uma economia de bancos públicos importante poderia fazer uma atuação no sentido contrário e, atuar no mercado de forma a reduzir incertezas em momentos críticos, servindo como verdadeiros big bankings em esquemas – atuando em momento de crise financeira. De fato, ao atuarem como bancos públicos os bancos estatais não deveriam ter como objetivo central, a maximização de lucro. Se assim for, esse banco deve ser um banco estatal e banco público”, ressaltou.

Segundo Simone, na China, tem banco atuando como estatal mas, não tem performance de banco público — aquele banco que é estatal e público. “Uma coisa é propriedade e capital, a outra coisa é se vai ser conceitualmente banco público ou não, a partir do perfil das atividades que ele desempenhar e atividades como andar no sentido inverso ao cíclico (mover a economia no sentido inverso) são atividades de banco público”, explicitou Simone.

O Banco Central Chinês foi aberto em 1949. Paralelamente à sua criação, todos os bancos privados existentes foram nacionalizados e, o Sistema Bancário Chinês, até 1983, era monoline — esse Banco Central era ao mesmo tempo o Banco do Tesouro, fazia tudo — Bancos Centrais e Bancos do Tesouro muitas vezes fazem a mesma coisa e depois separam. Em 1983, deixa esse sistema monoline e surge um conjunto de bancos, grandes bancos comerciais públicos (com capital 100% Estatal) e depois vão absorvendo capital privado. “Hoje, dos cinco maiores bancos, quatro deles tem capital estatal de 50% e, o quinto banco também tem capital estatal. Em 1994, foram criados os grandes bancos de desenvolvimento para financiar a agricultura, comércio internacional, estrutura, projetos industriais, etc. Os banks são mais bancos comerciais, de varejo em todo o território chinês”, assinalou Simone.

Em 1998, surge a preocupação sobre a solvência do Sistema Bancário Chinês, aconteceu uma reestruturação nesse Sistema Bancário Chinês, com a transferência dos ativos de má qualidade para uma outra empresa — aquela outra empresa tenta negociar no mercado esses ativos e limpa o balanço desses bancos. “Enfim, há analistas até hoje, sobretudo analistas internacionais denunciando mas, os dados estão mostrando, ou seja, o sistema de uma economia que cresceu vertiginosamente e continua crescendo a 6,8% é muito capaz de absorver. Do ponto de vista da estrutura, nos anos 1990 e 2000 ocorreu o movimento do balanço, a tentativa de adesão do Sistema Bancário Chinês às regras de Governança Internacional, adesão à Basiléia, e a necessidade de abertura do Sistema ao capital externo. Isso tudo se dá na esteira das negociações de entrada da China na Organização Mundial de Comércio”, avaliou Simone.

Dados de pesquisa afirmam que no Sistema Bancário Chinês destacam-se cinco grandes Bancos Comerciais Públicos — são o big five, majoritariamente estatais e foram convertidos ao longo do tempo. O setor público detém 60% do capital de quatro dos cinco bancos. Em conjunto esse big five tem aproximadamente 50% dos ativos totais do Sistema Bancário Chinês. Enfim, eles controlam o Sistema Bancário Chinês.

“O Sistema Financeiro Chinês é basicamente um Sistema Bancário. Existe mercado de capitais na China mas, ele é pouco importante. Quando falamos de sistema financeiro, falar só do Sistema Bancário não é tão grave. Aqui estamos pegando o que é mais relevante e dentro do Sistema Bancário Chinês que é o papel do Estado. Desta forma, 50% dos ativos do Sistema Bancário Chinês, do big five — esse número é muito difícil de obter, porque os outros bancos aparecem de diversas formas, porque na miríade de bancos não só o governo federal tem participação mas, como as províncias, municípios. Então, é muito difícil conseguir esses dados. Mas o Estado detém 88% do sistema. O número de cooperativas de crédito chega a 2.646. A China foi pressionada (depois de entrar na Organização Mundial do Comércio) a receber capital externo (e ela recebeu) e, as estatísticas apontam que 2% do sistema tem a participação de capital externo”, finalizou Simone.

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