• Artigo de José Claudinei Lombardi – Limeirense e morador do Bairro dos Pires de Baixo

Faz parte do sonho de quase todos nós, brasileiros e interioranos, a compra de uma chácara ou área rural, como um retorno romântico às nossas origens, ou a busca por uma vida mais tranquila e saudável. Sonhamos em morar na zona rural em busca de paz e tranquilidade próximo à natureza, à mata e ao ar puro; plantar frutas, legumes e verduras e, assim, comer produtos orgânicos e sem pesticidas; criar uns animais para ter ovos, leite e, de vez em quando, comer uma polenta com frango, de preferência feitos no fogão de lenha.

Entretanto, como diz um ditado popular, chácara é duas alegrias: quando se compra e, principalmente, quando se vende. A compra de uma área rural poderia ser a conquista de melhor qualidade de vida, caso fosse um loteamento planejado e no ordenamento do Plano Diretor Municipal, com o cumprimento da legislação quanto à proteção ambiental (matas, nascentes, aquíferos,fauna e flora), ao cumprimento de sua finalidade de moradia e produção, à construção e manutenção de estradas e pontes, à extensão da rede elétrica (e atualmente também de internet a cabo) e, enfim, do descarte dos dejetos (com o devido tratamento de esgoto), separação e depósito do lixo, devidamente reciclado, em contêineres, adequados para cada tipo de lixo, localizados em cada condomínio e, ao final, numa unidade de reciclagem (um ecoponto).

A realidade, porém, é muito diferente e a cada dia que passa, observamos sinais externos que dão conta de que o crescimento e ocupação da região rural está desordenado, irregular e fora de controle – particularmente em Limeira. Primeiro, o movimento nas vias e estradas rurais aumenta dia após dia, tornando-se frenético e perigoso nos finais de semana e feriados prolongados. Outra observação é o crescimento do comércio fixo e ambulante nessas mesmas vias de acesso aos bairros rurais. Os antigos pequenos comércios de décadas atrás ficaram no passado, pois cresceram,  se ampliaram e diversificaram. Novos estabelecimentos fixos e ambulantes, vendendo de redes e móveis rústicos a facas artesanais, além de balas de côco, galinhas, frutas e condimentos surgiram ao longo das estradas.

É visível que construções surgem por todos os  lados, a olhos vistos. Elas rapidamente se multiplicam e, com elas, a movimentação de tratores, retroescavadeiras e caminhões de material de construção.

Os problemas gerados pelo crescimento caótico e desordenado começam também a gerar reclamações, como: falta de energia elétrica direto-e-reto, principalmente nos finais de semana; água potável começa que começa a escassear, pois os poços vão secando;  e, principalmente, LIXO, muito lixo por todos os lados, ao longo das estradinhas e servidões, das vias de acesso, das estradas, nos pontos de ônibus e uma montanha de lixo na rotatória que dá início à Via Martinho Lutero, às margens da rodovia Anhanguera. Há alguns poucos pontos de coleta na zona rural, com latões e containers que abarrotados se transformam em gigantescos lixões. E pobres desempregados, atuando como recicladores, realizam um trabalho insalubre e perigoso que, sem ordenamento e normas técnicas, acabam esparramando ainda mais o lixo pra todo lado.

Certamente que esses problemas não se auto-produziram, não sendo causa, mas efeito de problemas mais graves e que constituem a verdadeira causa dos males que afligem os que moram na zona rural de Limeira. Não dá para tapar o sol com peneira, da mesma forma que todos sabem que causa principal é a multiplicação de loteamentos ilegais e irregulares que têm se realizado há várias décadas na zona rural de Limeira, particularmente nos bairros dos Pires. É sabido, e hoje com a internet é informação fácil de encontrar,  que não existe chácara legal e regular com menos de 20.000 m² (vinte mil metros quadrados) de área, ou 2,0 ha (dois hectares), havendo impedimento, portanto, em lavrar e registrar escritura pública da formalização de um negócio envolvendo área inferior ao módulo rural. Disso resultam vendas de chácaras menores que 2 hectares, com longos parcelamentos e realizados através de contratos de compra-e-venda – os famosos “contratos de gaveta” que, por sua vez, vão sendo negociados.

São loteamentos ilegais e clandestinos, executados sem qualquer tipo de consulta à prefeitura e no qual os loteadores necessariamente não respeitam nenhuma norma urbanística. Sabe-se que, de acordo com a Lei Federal, a venda de imóvel ilegal é um crime contra o patrimônio público, sendo passível de pena de prisão e multas. Esse crime é imputado tanto ao loteador, quanto ao corretor de imóvel, resultado de parcelamento clandestino. A motivação para isso deita suas raízes na própria história brasileira, sendo movido pela garantia de alta lucratividade, característica do chamado “mercado imobiliário”. Ouve-se que há gente graúda por trás desses loteamentos; que há conivência e prevaricação de agentes públicos com a especulação imobiliária urbana e rural; ouve-se ainda que há servidores públicos envolvidos nesses loteamentos. Fala-se e ouve-se de tudo muito, mas ninguém se dispõe a denunciar e provar – e como não há apuração, raramente se chega a culpados. Com isso o negócio se multiplica, pois é enorme a confiança na impunidade que, salvo melhor juízo, já foi incorporada ao ‘jeitinho brasileiro’.

É assustador visualizar as imagens do município de Limeira e, comparando com imagens históricas, mesmo de poucos anos atrás, concluir que esse processo está extremamente acelerado, compondo um mosaico com sucessivos loteamentos, muitos ainda sem construções visíveis. O líquido e certo é que os loteamentos clandestinos se multiplicam, não apenas em todo o Brasil, não apenas em Limeira e região, e por força do eleitoralismo caça-votos de nossos políticos, resultam nos casuísmos legais de inicio de processo para a regularização de loteamentos e condomínios irregulares e clandestinos.

A existência de milhares de núcleos habitacionais irregulares, gera para os compradores uma enorme insegurança jurídica, pois não têm segurança nenhuma que o loteamento será regularizado e, com isso, poderá cumprir com as formalidades cartoriais. Mas esses loteamentos também acabam prejudicando o município, aumentando as despesas orçamentárias, em decorrência dos problemas que geram e que demandam solução, pois a pressão por solução começa a bater na porta dos gabinetes do executivo, legislativo e judiciário. Por isso, também o Poder Público municipal acaba sendo duplamente prejudicado, por um lado por ser onerado com despesas de obras e serviços decorrentes do acelerado processo de crescimento desordenado dos loteamentos irregulares, por outro lado, pois esses loteamentos demandam serviços urbanos, sem a geração de receitas decorrentes dos impostos devidos à municipalidade.

Se há ilegalidade e irregularidade em se fazer nesses loteamentos clandestinos, vendidos à luz do dia e através de anúncios na internet, onde estão as autoridades do executivo, legislativo e judiciário para a tomada das devidas providências?

Onde está a imprensa escrita, falada e televisada, bem como as mídias sociais, para a cobrança de explicações de nossas autoridades quanto às providências tomadas?

  • José Claudinei Lombardi – Limeirense e morador do Bairro dos Pires de Baixo. Graduado em Ciências Sociais pela Unicamp; Mestrado em Agronomia – Área de Concentração Sociologia Rural pela USP/ESALq. É Doutor e Livre-docente da Faculdade de Educação da Unicamp, da qual é Professor Titular. É pesquisador no campo da educação, com foco na História da Educação Brasileira e na Pedagogia Histórico-Crítica. É autor de vários livros e artigos, notadamente em sua área de ensino e pesquisa.

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