• Adriana Mercuri, Formada em letras pela UNAR, trabalhou 36 anos como professora de gramática e literatura no ensino fundamental, médio e curso pré-vestibular

Quando se fala de ARTE, há sempre aquela ideia de algo belo e inspirador, mas, na verdade, a arte sempre esteve ligada às emoções e sensações dos indivíduos, as quais nem sempre são positivas. Essas emoções podem vir expressas de diversas formas: pintura, escultura, literatura, dança, música etc. Por isso, ao estudar qualquer tipo de manifestação artística, é necessário entender o contexto histórico da época em que a obra foi desenvolvida, para poder entendê-la e admirá-la. Vale salientar que a arte tem uma importante função social, já que expõe características históricas e culturais de determinada sociedade, tornando-se um reflexo da essência humana.

Quando Monet e outros pintores, no século XIX, apresentaram um novo estilo de pintura, sem contornos, só com pinceladas, explorando a intensidade das cores e a sensibilidade do artista, foram muito criticados, mas nem imaginavam que estavam dando o primeiro passo para a Arte Moderna. Nessa época, o mundo passava por uma série de transformações: com a Revolução Industrial, no século XIX, e a Primeira Guerra Mundial, no início do século XX, houve avanços tecnológicos, progressos industriais e grandes descobertas científicas. Nesse sentido, a arte demonstrou a necessidade de propor novas formas estéticas e de fruição artística, pautadas na realidade vigente. Os artistas utilizavam a ironia e a capacidade de “chocar” o público a fim de despertar outras maneiras de apreciar e refletir sobre a vida. Assim, do impressionismo de Monet passamos ao expressionismo de Munch, ao cubismo de Picasso e a outras formas de expressão consideradas até insanas na época, mas que influenciaram bastante a arte do século XX até os dias atuais.

O Grito – Edvard Munch O expressionismo do final do século XIX e início do século XX teve grandes nomes destacados por suas obras de enorme extremos emocionais. (Foto: Mariordo – Creative Commos Attribution)

Com uma posição social que favorecia viagens e estudo na Europa, os artistas brasileiros trouxeram esses novos modelos artísticos ao Brasil. O desejo de experimentar diferentes caminhos e não propriamente definir um único ideal moderno despertou nos artistas, escritores, músicos e pintores o desejo de uma manifestação artística, política e cultural que contestasse o conservadorismo da arte de maneira irreverente. A Semana de Arte Modernaocorreu no Teatro Municipal de São Paulo entre os dias 13 a 18 de fevereiro de 1922 e está fazendo 100 anos neste ano. O evento reuniu diversas apresentações de dança, música, recital de poesias, exposição de obras – pintura e escultura – e palestras. O caráter nacionalista do evento buscava uma identidade própria e uma forma livre de se expressar. “Seria uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulista”, assim descreveu o pintor Di Cavalcante, que também participou do evento expondo suas obras.

Cartaz da Semana de 22 (Arquivo Público do Estado de SP)

O objetivo era romper com os padrões, com isso os modernistas brasileiros deram destaque à linguagem coloquial, criando uma arte autenticamente brasileira, popularizando-a. A recepção do movimento gerou duas reações: a da crítica, que condenou tudo que foi apresentado, chegando inclusive a comparar os artistas com doentes mentais e loucos; e a do público que, insatisfeito, ignorou o movimento modernista. Apesar do fracasso dos três dias de evento da Semana de Arte Moderna, ela se tornou um marco cultural para a arte brasileira.

Comissão Organizadora da Semana de Arte Moderna, incluindo Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Oswald de Andrade (Arquivo Público do Estado de SP).

Até hoje vemos a influência do Modernismo na literatura, na música, nas artes plásticas, provando que a arte é essencial para a expressão do tempo e não pode ser combatida ou limitada. A Semana de 22 representou o marco dessa tal liberdade para que artistas brasileiros se destacassem no cenário mundial, de Guimarães Rosa, com seus neologismos, refletindo o linguajar do sertão mineiro, passando por Clarice Lispector, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond e tantos outros com seus aspectos inovadores, até Carolina Maria de Jesus, que, mesmo não fazendo parte de uma elite cultural, é considerada uma das maiores escritoras do país, já que expressou em sua obra todo o sentimento de uma classe subalterna, que sofre com as mazelas da miséria e da fome. 

O movimento hip hop representa um grito ecoando pelas periferias do mundo, é hoje o mais importante gênero musical e braço da indústria cultural do planeta, ele vem do talento, das palavras, do ritmo e da vontade e necessidade de um jovem periférico de falar, ritmado, sobre uma batida irresistível e furiosa, quer mais moderno que isso? Esse movimento foi tão criticado como a Semana de 22, mas ganhou força quando a forma de expressão foi realmente entendida e valorizada. Hoje, no Brasil, temos grandes representantes tanto na arte do grafite quanto do rap. Os Racionais MC’s lançaram “Sobrevivendo no Inferno”, álbum que se tornou um dos maiores clássicos do rap nacional, e continua fazendo história até hoje: em 2018, o disco entrou como obra obrigatória no vestibular da Unicamp.

Capa do CD “Sobrevivendo no Inferno” dos Racionais MC’s (Reprodução)

Desde os primórdios da civilização, nos desenhos das paredes das cavernas, até hoje, na letra de uma música ou nas características de uma obra, a arte faz parte de nossa essência, por isso deve ser valorizada, já que reflete a memória de um povo de uma região em uma determinada época, ressaltando, assim, sua verdadeira identidade. Essa era a visão nacionalista que os idealizadores da Semana de 22 tanto defenderam e quiseram mostrar ao Brasil, o segredo era refletir em suas obras a riqueza e os aspectos típicos da nossa cultura.

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