• Artigo de Dafley Simões, Psicóloga Clínica com ênfase em saúde da mulher, psicologia perinatal e infantil

No ideário comum da nossa sociedade, acredita-se que as mulheres nascem para serem mães, desde pequenas, através das brincadeiras com bonecas, vamos nos colocando aos poucos nesse papel. Junto com a ideia da aptidão nata para a maternidade, vem também a ideia do instinto materno, aquele que nos faz saber o que cada choro do bebê quer dizer, como se no nascimento do bebê, a mãe já soubesse todo o manual de instrução de como ser uma boa mãe, mas arrisco dizer que a maioria das mulheres, após se tornarem mãe, discordam que as coisas sejam tão fáceis assim. Sendo assim, podemos dizer que desde o início da nossa vida, já precisamos lidar com a cobrança da sociedade. Cobrança essa, que após nos tornarmos mãe, aumenta ainda mais, já que a criação e a educação dos filhos, recai, na maioria das vezes sobre os ombros da mãe. Tal tarefa, já seria por si só bem trabalhosa, a ela, soma-se dar conta das tarefas de casa, ser uma boa esposa e, atualmente, na maioria dos casos, acrescenta-se a essa soma ser uma excelente profissional fora de casa, em meio a isso tudo ainda tentamos encontrar tempo para nós mesmas e nossos interesses pessoais, tudo isso tendo apenas 24h por dia, a conta não fecha né? Mas e se ainda acrescentássemos a essa soma uma maternidade atípica?

Mães atípicas é o termo utilizado para se referir a mães que possuem filhos com alguma deficiência ou síndrome rara. Se a rotina de uma mãe típica na maioria das vezes já a deixa sobrecarregada e exausta, a situação de uma mãe, que cuida de um filho com necessidades especiais é ainda mais complicada, além do filho demandar uma atenção maior, necessitam por vezes correr atrás de um psicodiagnóstico correto, além de ter que batalhar por intervenções adequadas e que possam garantir uma melhor qualidade de vida para seus filhos e sua família, sendo que em muitos casos, devido a necessidade de atenção em tempo integral, essas mães não conseguem trabalhar fora de casa, desta maneira, a corrida por tratamento, esbarra, por vezes, em questões financeiras, dependendo somente de tratamentos oferecidos por serviços gratuitos, para o qual necessitam enfrentar um grande processo burocrático e filas de espera.    

Muito se fala sobre a necessidade de uma rede de apoio para ajudar a mãe a dar conta das tarefas do bebê de forma menos cansativa, mas pouco se fala do fato de que quando se trata de uma mãe atípica, esta rede de apoio passa a ser, em muitos casos, praticamente inexistente. Se a maternidade em si, já é romantizada na nossa sociedade, a maternidade atípica também não escapou dessa romantização, se ouve muito por aí a expressão de que filhos especiais nascem para mães especiais, e assim, a solidão imensa dessas mães, o cansaço e a falta de apoio ficam mascarados sob o rótulo de guerreiras. Não que elas não sejam, pelo contrário, mas tal expressão, muitas vezes tira dessas mulheres o direito de demonstrarem que estão exaustas, que se sentem solitárias, que não estão conseguindo dar conta da demanda sozinhas e que precisam urgentemente de ajuda. O sentimento de culpa é comum na vida da maioria das mães, porém para uma mãe atípica, esse sentimento é mais frequente, principalmente quando estão extremamente exaustas e desgastadas, sentem culpa por não conseguirem oferecer mais aos filhos, por acharem que poderiam fazer mais, que não estão sendo suficientemente boas, que não estão conseguindo dar o suporte necessário que o filho precisa para se desenvolver, e por vezes passam por isso em silêncio, sem terem com quem compartilhar tais angustias. Na maioria dos casos, são raros às vezes em que as pessoas transpassam o olhar desse rótulo de guerreira, e se preocupam em perguntar a elas como verdadeiramente estão, por vezes, as pessoas que as cercam, voltam todos os seus olhares para a criança, não estendendo tal cuidado a essa mãe, que tanto precisa.

Cuidar da saúde mental dessas mães é de extrema importância, para que elas consigam buscar um equilíbrio na vida e assim possam oferecer o suporte que seus filhos tanto precisam. Infelizmente, a falta de recursos e de tempo, nem sempre permite que essas mulheres tenham acesso a terapia, o que é de extrema importância. Mas algumas atitudes simples no dia a dia de pessoas que formam o circulo social de uma mãe atípica, podem ajudar a melhorar a qualidade de vida e a aliviar a sobrecarga. A principal delas é ser gentil nos atos e palavras. Perguntar verdadeiramente como esta mulher está, deixar claro que você está disponível para escutá-la sempre que ela desejar ou precisar, ouvir com sinceridade e acolher suas angustias, sem julgamentos. Mães atípicas, por vezes se veem solitárias, com poucas ou nenhuma pessoa com quem possam realmente desabafar e falar sobre suas dificuldades. Você pode também, eventualmente, se oferecer para cuidar da criança por um tempo, para que essa mãe possa ir ao mercado, ter um tempo livre para si, ler um livro, ir ao salão ou até mesmo poder tomar um banho com calma. Quando for sair, você pode também ligar e verificar se essa mãe precisa que você traga algo do mercado ou de alguma loja, para ela, sair de casa nem sempre é uma tarefa fácil, pode demandar um grande preparo em estrutura e pode ocasionar crises e mais estresse, portanto, tal atitude é de grande serventia. São atitudes simples, que na rotina de quem faz pode não exigir tanto esforço, mas que no dia a dia de uma mãe atípica podem fazer grande diferença. 

É necessário que essas mães também saibam da importância de pedirem ajuda quando sentirem que precisam e, que não devem se sentir culpadas por isso. Que aprendam a aceitar seus sentimentos negativos, já que antes de serem mães, são seres humanos, e tal sentimento é comum a nós humanos. É normal que elas se sintam tristes, frustradas, cansadas e isso não significa que são mães ruins. Procurar amigos e familiares para conversar, pode também ajudar a mãe a se sentir um pouco mais leve e ajudar, para que os outros consigam enxergar que ela também necessita de atenção. Se possível, é de extrema importância que está mãe procure ajuda terapêutica, já que a terapia é um espaço onde, essa mãe, pode ser abrir sem medo de ser julgada e encontrar auxilio, compreensão e acolhimento. Existem também grupos de apoio, presenciais e online, que oferecem acolhimento para mães atípicas, caso tenha oportunidade, é um bom espaço para que a mãe possa compartilhar suas demandas e angustias com pessoas que vivem a mesma demanda, trocar experiência e, por vezes, encontrar juntos novos meios de lidarem com certas situações.  

Assim como todas as mulheres, mães atípicas precisam de tempo para si próprias, precisam ter acesso a momentos de lazer, a um tempo para cuidar de si, para que não adoeçam física e mentalmente. É importante que essas mães tenham voz, tenham um espaço para falar de suas dificuldades, de suas tristezas, das suas dores, que elas possam se sentir acolhidas e para que acima de tudo sintam que não estão sozinhas, que não precisam sempre dar conta e que podem (e devem) pedir ajuda quando precisarem. Que a nossa sociedade tenha a sensibilidade de olhar para elas com empatia e amor, para que possamos ser um instrumento de transformação na vida dessas mulheres.

  • Dafley Simões, Psicóloga Clínica com ênfase em saúde da mulher, psicologia perinatal e infantil

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