Jornal Pires Rural – Edição 200 | CAMPINAS, Julho de 2017 | Ano XII

Parte da alimentação oferecidas nas escolas, na chamada merenda, devem ser compostas por alimentos cultivados pela agricultura familiar, este é um dos aspectos pelos quais a comunidade escolar precisa debater as políticas públicas e a segurança alimentar, a quarta conferência da série Colóquio Unicamp Ano 50 foi uma oportunidade. Conforme destacou o professor Walter Belik, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, durante a palestra “Políticas Públicas e Segurança Alimentar”. Segundo ele, refletir sobre a qualidade e o desperdício de alimentos são fundamentais para solidificação do direito a alimentação no Brasil e no mundo.

“A alimentação é um tema fundamental para ser discutido. Não só pela questão da fome que durante muito tempo foi um espectro que rondou o Brasil. Hoje nosso país está numa situação muito melhor do que há anos atrás, progredimos e reduzimos bastante as famílias em situação de insegurança alimentar. Mas, a insegurança alimentar também leva-se em conta outros aspectos da alimentação, por exemplo, a obesidade. Quando as pessoas se alimentam mal é um reflexo da insegurança alimentar. Um obeso tem falta de micronutrientes, precisa-se alimentar melhor. A forma como é organizada essa alimentação, desde o momento da produção até o momento do consumo, na casa das pessoas, é fundamental para ser discutido”, enfatizou o professor Walter Belik.

Sair do mapa da fome das Nações Unidas em 2014 não garantiu ao Brasil uma posição despreocupada com relação à segurança alimentar. Muito se evoluiu em termos de políticas públicas e combate à miséria, mas outros aspectos ainda devem ser enfrentados para garantir a segurança alimentar no país. De acordo com a legislação brasileira, a segurança alimentar e nutricional é definida como “a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitam a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis.”

Segundo o professor, nos últimos 20 anos a redução da pobreza mundial permitiu uma melhora, mas não no ritmo e intensidade desejados. Conforme os dados apresentados, em 1992, mais de um bilhão de pessoas no mundo estava em situação de subnutrição, o equivalente a um quinto da humanidade, principalmente no leste da Ásia e África. A meta definida, então, para 2015 era reduzir esse número pela metade. Apesar dos avanços na América Latina e Caribe, que diminuíram drasticamente seus índices de desnutrição, globalmente não foi atingido o número esperado. A nova meta é erradicar a subnutrição até 2030.

Qualidade da alimentação
Belik pontuou a necessidade de políticas publicas que vão além do aumento da produção. “É importante olhar para o que está sendo produzido e o que esta sendo consumido”, afirma. O aumento na produção de alimentos não altera, por exemplo, os dados sobre desnutrição infantil crônica. Percebeu-se que isso se dava pela qualidade da alimentação ingerida por essas crianças – abundante em cereais, tubérculos e raízes e muito pobre em proteínas. “Nossa política tem que levar em conta não apenas a quantidade da produção, mas o acesso e a qualidade da alimentação”, alerta. O Brasil produz atualmente cerca de 200% da sua necessidade de alimentos, mas a maior parte da produção é destinada à exportação e o problema da desnutrição ainda é uma realidade.

De acordo com Belik, para entender o conceito de segurança alimentar é preciso levar em conta quatro eixos: a disponibilidade, o acesso, a estabilidade e a utilização. Isto é, os alimentos têm que ser produzidos, chegar a toda população e serem suficientes e adequados para manutenção de uma vida saudável e ativa, conforme definido pela Cúpula Mundial da Alimentação, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, em 1996.

Sustentabilidade e Desperdício
O professor enfatiza que é fundamental hoje, investir em políticas públicas que diminuam o desperdício de alimentos ao longo da cadeia produtiva. Belik apontou que a perspectiva é que a demanda da população mundial cresça 60% até 2050. Seria, então, necessário pensar em alternativas sustentáveis ao aumento da produção. “De nada adianta produzir mais e sermos uma grande potência exportadora de alimentos se a gente continua desperdiçando”, comenta.

O desperdício de alimentos, segundo ele, ocorre em todos os elos da cadeia produtiva, variando em cada região do globo. Na America Latina, concentram-se na produção, enquanto nos Estados Unidos predominam na esfera do consumo. Para atacar o problema é preciso, segundo Belik, ter clareza dos fatores envolvidos. É importante, por exemplo, diferenciar a parcela de alimentos que é perdida, do alimento que é desperdiçado, ou seja, intencionalmente jogado fora, mesmo estando apropriado para o consumo.

O descompasso entre produção de alimentos e seu consumo pode ser observado especialmente nas áreas rurais. A agricultura familiar, hoje, é responsável por 80% dos alimentos produzidos no mundo. Paradoxalmente, a insegurança alimentar está concentrada na área rural do planeta, onde se encontra 70% da pobreza. Esse tema foi aprofundado pela professora da faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), Sônia Maria Bergamasco, na palestra “Política Agrária e Agricultura Familiar Brasileira” (leia a matéria). A profª Drª Sônia Bergamasco presente na palestra de Walter Belik, abordou, “devemos olhar a questão do desperdício. É um tema que ainda não está em pauta, entretanto temos muito desperdício alimentar. Vemos por todo lugar, se olharmos nas lixeiras, vemos que o pessoal desperdiça muitos alimentos. Apesar dos avanços, pela definição da meta do millennium, que visa diminuir 50% da fome no mundo, o Brasil e a América Latina alcançou essas perspectivas, contudo precisamos discutir e fazer com que a população tenha conhecimento disso”.

A universidade
O professor Belik ressaltou o trabalho da Unicamp, em conjunto com a sociedade civil e o poder legislativo, na defesa do direito a alimentação e outros temas relacionados à segurança alimentar. “Nós participamos de uma forma muito ativa na preparação de leis e pareceres sobre todos os temas ligados a segurança alimentar”, comenta. Ele destacou a participação da Universidade em conselhos regionais e nacionais, contribuindo especialmente para desenvolver as questões técnicas relevantes. “A primeira tabela de composição de alimentos do Brasil é uma criação da Unicamp, um projeto do Nepa”, destaca, referindo-se ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação.
Belik ressalta ainda que a Unicamp e o município de Campinas têm tradição em encubar projetos que envolvem questões sociais, como foi o caso dos programas Bolsa Familia e Fome Zero. “O Bolsa Família, que antes era bolsa escola, foi implementado pela primeira vez em Campinas, através de uma parceria entre a Universidade e a Prefeitura de Campinas. Depois, mais tarde, o Fome Zero teve origem nos debates aqui na Unicamp”.
“Nós consideramos fundamental para a formação de professores, estar alertas para questões como: direito a vida, direito a habitação e, algo que passa despercebido e está na nossa constituição, o direito a alimentação. E, não a uma alimentação qualquer, uma alimentação adequada para sua saúde, para o seu crescimento e garantia do seu direito à vida”, enfatizou a professora Ítala D’Ottaviano, que fez a introdução na abertura da palestra de Walter Belik.

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